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Entrevista a Pedro Barroso – Cantautor, Maestro, Professor

Para o CD Antes do Futuro escreveu que: “Este trabalho foi todo pensado, escrito, sentido e dito em Português. O autor recusa veementemente, repudia, abomina e denuncia o ridículo e ofensivo “Acordo ortográfico” de Malacas e outros Condes Andeiros da Língua Portuguesa”. O que o tem levado a ser contra e a recusar veementemente o novo acordo ortográfico?

Lamento que, talvez por razoes mercantilistas, se tenha erguido este projecto de alteração que ninguém pediu. E sobretudo, que alguns filólogos e gentes da cultura se tenham prestado a este acto inútil, lesivo, parvo e sem sentido algum, de alterar a ortografia da Língua Portuguesa.

Entendo-o como um acto de subserviência académica, supostamente de boa vontade e de apenas putativo consenso para uma escrita comum nos palops, mas que nem sequer teve concordância de todos os países lusófonos envolvidos.

Converteu-se afinal, num gesto política, cultural e linguisticamente lesivo do entendimento e da prática vivida do escrever e falar português.

Desuniu ainda mais com esta tentação normativista que na vivência anterior. Um fracasso idiota.

Acredita que pode ainda despertar as pessoas para a defesa da Língua Portuguesa?

Acredito que, se alguns escritores e agentes culturais continuarem a defender com insistência e inteligência o escrever português – apesar da instrução compulsiva da asneira nos programas de ensino…- um dia, tempo haverá de reflectir e parar para pensarmos a inutilidade e o ridículo de 90% das alterações efectuadas.

E revertê-las, porque não?

Espetador? Receção? Ato? Ator?! – Porque não jestor, parajem, orário ou trankilo?

Piedade, senhores, que não sabeis a caixa de Pandora que assim se levantou!

Como artista que esteve envolvido no 25 de Abril e tem participado em CDs e comemorações do 25 de Abril, como o Vozes de Abril, participou no Zip Zip, onde foi censurado, Cantos da Paixão e da Revolta e tem continuado ao longo dos anos a dar vida e voz aos ideais do 25 de Abril. Como tem sido para si dar vida e voz à luta, aos ideais e à revolução?

Não há como fugir ao ideal da Liberdade, para ser um criador.

Difícil mesmo foi tentar ser criador, estrangulado por um regime onde ela não existia.

A censura era uma prima com quem tínhamos de saber conviver. No Zip tive de alterar 2 letras em 5 minutos, ou as canções não poderiam passar.

Defender a Democracia, o parlamentarismo plural, os direitos humanos, o fim da Guerra Colonial, etc era óbvio. Não me parece nenhum heroísmo especial. Era uma batalha surda, mas latente, que toda a minha geração mantinha; e felizmente, conseguiu ganhar.

O que podemos e devemos aprender sobre o Fascismo/Estado Novo e o 25 de Abril?

Nunca mais permitir que um qualquer regime totalitário se instale, e preservar no essencial, os valores do 25 de Abril contra qualquer tentação que seja ameaçadora da Democracia

Como foi combater a Ditadura Fascista?

Não sendo militante de coisa nenhuma, não o fiz de forma organizada; mas integrava as CDE (Comissões Democráticas Eleitorais, que deram depois no MDP-CDE) e ajudava no que podia, inclusive, cantando mais tarde em encontros - e sobretudo “sessões de baladas” - contra a Guerra Colonial. Era um susto permanente. Era um chão minado de bufos e informadores. Mas como passar palavra?

Que aprendizagens obteve dessa luta?

Aprendíamos a domar o medo de sermos apoquentados, prejudicados, perseguidos ou detidos. Ou por vezes, por mim confesso, que nem tínhamos muita consciência do que estávamos a arriscar

Como se sente ao poder ensinar acerca da sua luta, da tortura e do Fascismo?

Não tenho muita vivência do antes 25/4 pois apenas fui mais activo uns 5 anos antes, sobretudo quando integrei o TEC e entrei na Faculdade. Tive chatices com a Pide, retiveram-me o passaporte, vivi um tempo em Inglaterra. Mas nunca fui preso nem torturado.

Mas também deveria haver memória de tudo que aconteceu depois, com depoimentos diferenciados e pessoais.

Sinto que não existe ainda infelizmente, um Fórum completo onde todos nós – falo da minha geração, claro…- tenhamos verbo, registo e oportunidade de relato completo do que vivemos; o qual era muito importante que se registasse.

Hoje, perante a perda e morte de alguns companheiros que já não o poderão fazer, era urgente que tal acervo histórico se registasse, dando umas horas de gravação, vídeo frente a uma câmara ou coisa semelhante.

Isto para memória futura; para que todos os que ainda existem, possam reconstituir as artes e manhas que tínhamos de usar antes e de certo modo, a inventiva para organizar resistência e iniciativas em terreno tão pantanoso e difícil.

E falar também das estradas que corremos depois de Abril, com percursos e episódios seguramente interessantes.

O que significa para si trabalhar a poesia e a palavra como artista - músico e poeta que tem dedicado toda a sua obra à palavra ao longo destes 50 anos de percurso e carreira?

Um acto de paixão.

…E, enfim, foi uma opção que acabou por mudar a minha vida profissional. Teria sido provavelmente apenas professor de liceu, numa vida seguramente mais pacata e “normal”.

Assim, corri mundo, actuei em grandes salas, dei abraços, ouvi aplausos, aprendi e emocionei-me muito acima das expectativas. E a minha condição de artesão de música e palavras, também me obrigou a estudar, melhorar e evoluir, tanto intelectual, como artisticamente, como talvez não estivesse previsto de outro modo…

Trabalhou como Psicoterapeuta Comportamental na área da Saúde Mental em Musicoterapia no ensino com crianças surdas-mudas, onde foi pioneiro. Que importância teve para si este trabalho?

Foi na Escola Secundaria da Quinta de Marrocos, em Benfica, Lisboa. Ainda antes de deixar o ensino pela Música.

Era uma turma especial e foi uma experiência intensa, em que defendi que comunicar é preciso, mesmo quando as capacidades físicas o dificultam. Saia de lá exausto, mas feliz.

Esteve no teatro, escreveu livros, tem pintado, foi professor, musicoterapeuta, “trabalhou” com José Afonso, José Mário Branco, António Macedo... Como tem sido trabalhar na escrita, pintura, teatro, música, como professor e com estes artistas e companheiros?

Não baralhemos. A pintura é um trabalho de catarse pessoal, um diletantismo relativamente recente.

No resto sim, cantei lado a lado, alternei em concertos, fiz coros, toquei em colectivo, isso sim. Fiz campanhas de animação cultural com o MFA. Íamos todos os que podíamos. Verdade também que íamos de alongada, como companheiros; partilhei palco, por isso, com muitos nomes, uns mais vezes, outros menos. Convivi muito com o Zeca, mas partilhei muito palco com o Adriano, o Ary, o Paredes e muitos outros…

Contudo, o trabalho de Autor e compositor é sempre solitário. Lembro que nunca nutri ou senti rejeição por parte de nenhuns nomes, nesse convívio de amizade e camaradagem, dentro de um registo natural de esquerda alinhada, comprometida, militante ou não; embora eu próprio tenha sido sempre um desalinhado de tendência livre e autónoma.

Sempre respeitei essas diferenças e fui respeitado no meu não alinhamento, creio.

O que nos pode falar sobre estes trabalhos e sobre os seus 50 anos pela arte?

O que poderia dizer… é o que lá está. Incorpora, consiste, plasma-se, inclui e consta da própria obra. Os recados estão todos lá. É só ter atenção e seguir as pistas.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

A revolução essencial está nas cabeças. O evoluir duma sociedade é sempre pela Cultura.

Enquanto um país não entender isso, tudo o mais não evolui. A corrupção, a violência doméstica, o abuso, a capacidade negocial, o sucesso económico, o respeito no consenso das nações etc tudo isso deflecte do sobe e desce e da capacidade de viver e sentir o acto cultural.

A Arte e a Cultura são para mim, bem mais determinantes no deve e haver dos países, que a divida externa ou o deficit. Cultuo e respeito os países que o consigam e por elas se diferenciem.

Temos sensibilidade, capacidade e habilidade natural. Somos um povo de poesia e de viagem. Há que potenciar o sonho, acarinhá-lo e instrui-lo.

Porque tudo se consegue, quando houver um povo evoluído e culto, sabedor, solidário e universalista. Esse é o caminho.

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques Correcção: Fátima Simões

25 de Novembro de 2019

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