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Entrevista A Cláudia Sousa – Criadora Do Projecto 365 Dias Leitura



Criaste o projecto “365 Dias de Leitura”. O que te motivou a criares este projecto?


A urgência de intervenção em tudo o que diz respeito à leitura. Pretendi focar-me nas questões da leitura digital, do livro e do acesso ao mesmo, sempre pensando também na inclusão e sem esquecer a importância de investir em livros e literatura. Assuntos muito complexos… Na minha perspectiva trouxe vantagens, nomeadamente no que diz respeito ao conhecimento e reflexão sobre muitas questões. Não levou a lado nenhum, mas acho que se conseguiu muito com um financiamento tão pequeno (10.000,00 financeiro) obtido através do Viseu Cultura 2019. Agradeço à equipa de pessoas lindas, com as suas fragilidades e circunstâncias, que se envolveram, em plena pandemia... Passados estes anos ainda não sei o que fazer nestes campos, vou continuando a fazer uma coisa aqui, outra ali, porque a urgência mantém-se.


O que é que este projecto representa para ti e o que é que tens aprendido com ele?


Quando escreveste esta entrevista, ainda estávamos a disponibilizar equipamentos, livros e saldo para comprar outros livros. Foram recolhidos em Janeiro deste ano. O feed-back que temos é que não houve adesão de leitores, nem sequer de curiosos, excepto num lugar ou outro, às vezes os que pareciam mais improváveis, e em grande medida pelas características de quem percebeu e soube agarrar o potencial. Estou evidentemente muito grata a todos os que disseram que sim á proposta. Não lamento ter sonhado que seria possível mais, aliás, continuo a sonhar que será, mas ainda não sei como.


Representa sem dúvida uma conquista, também o reconhecimento de valor, não só pelo município e pessoas em Viseu, mas também fora dela, de muitas áreas e sectores. Representa passos dados num caminho ainda por fazer.

Estiveste uma semana como voluntária numa colónia de férias de pessoas com deficiência visual.


O que aprendeste com esta experiência?


Aprendi uma coisa que já sabia, mas de uma forma muito mais concreta. Estamos muito longe de um mundo inclusivo e acessível. Mas há esforços, há ganhos e conquistas, coisas feitas e a fazerem-se. Continuamos a ser todos diferentes, todos iguais no que é essencial e é necessária a sensibilidade de todos para chegarmos a algum lado.


Realizas no TCSB - Teatro da Cerca de São Bernardo A Escola da Noite. #SábadosParaAInfância. “FLORES DE LIVRO” desde 2013. Que importância têm estas sessões?


Pois, realizava. Já não realizo. Resolvi fazer uma pausa, uma parvoíce. Agora que A Escola da Noite/ Teatro da Cerca de São Bernardo tem conseguido algum financiamento para o trabalho com a infância… um destes dias eu volto e entretanto vou tentando acompanhar o magnífico trabalho que mesmo sem muitas condições se vai fazendo por ali. Foi uma honra ser a primeira oferta para crianças e famílias e foi uma honra acompanhar o crescimento e evolução. Hoje existem os Sábados para a infância que apresentam uma programação de excelência.

Podia-te falar da importância do livro e da leitura desde a mais tenra idade, podia falar-te da importância da construção de momentos significativos para os indivíduos, famílias, comunidades, à volta dos livros,…, mas prefiro falar-te dos momentos em que contei para uma plateia só com uma criança, ao colo dos avós, dos sorrisos, dos pontos de interrogação por cima das cabeças, das gargalhadas que eu, por fazer mediação do livro e da leitura, tenho visto. É imenso, é maravilhoso. O grande agradecimento e as maiores palmas para os escritores, ilustradores, editoras, livrarias, livreiros, sem eles eu não era ninguém.  E em grande medida foi este trabalho com a Escola da Noite que me foi obrigando a continuar a investir em novos livros e que fez com que a minha biblioteca tivesse crescido tanto. Salvo muito raras excepções todos os livros com que trabalho são pagos por mim. Um investimento enorme, feito com muitos sacrifícios, mas também com muito amor pelo que faço e pelas pessoas que me escutam e sentem.


Fizeste leitura do livro “Aprender a Ser Feliz” da autora Manuela Silva, um livro de romance que aborda várias deficiências. Como foi para ti fazeres a leitura e teres vestido as personagens e promoveres o livro da Manuela e as temáticas das várias deficiências?


Não é uma temática nova para mim. Já trabalhei nesta área diversas vezes e em circunstâncias variadas. Em voz alta, na apresentação, li apenas um pequenino excerto e arrisquei fazer um jogo com os presentes na apresentação deste livro da Manuela, uma pessoa, amiga, como ela própria diz, cega. Acho que assim cumpri melhor os objectivos da Manuela, sensibilizar para a temática, alarguei o número de pessoas que se colocaram no papel das personagens e promovi reflexão e debate. Li o livro de fio a pavio, vesti as personagens e calcei os sapatos. Todos temos de o fazer. Sem isso nunca conseguiremos nada que se assemelhe sequer ao que a inclusão e acessibilidade precisa ser.


Referiste-me que promoveste o projecto “Sussurradores De Poesia” que decorreu no Outono no ano passado e também este ano nos Jardins Efémeros. Que importância tem para ti este projecto?


Arte, cultura, partilha, encontro, festa, apanhando períodos de pandemia, mais ou menos controlados. Ambos organizados pela Sandra Oliveira e seus companheiros, que este ano, infelizmente, não tiveram condições para montar e realizar Jardins Efémeros, mas que continuam a provocar enriquecimento cultural e artístico à cidade de Viseu e não só. Depois disso com a Zunzum Associação Cultural andámos a “Sossegredar poemas” pela cidade e na Feira de São Mateus. Uma performance intimista à volta da poesia, pegando num instrumento criado por alguém que já não se sabe quem foi, mas que tem sido reproduzido por muitos. Também já o usei em Lares de 3 idade, para conseguir falar com pessoas com grandes dificuldades auditivas, funcionava. O espanto nos olhos de quem está habituado a só ouvir quando alguém lhes berra aos ouvidos…! Não tem preço. “Vá lá buscar o zingarelho, menina…” Lamentavelmente estas instituições têm muita dificuldade, ainda, em entender e valorizar o trabalho de animação.


Foste uma das responsáveis pelo Serviço Educativo da Biblioteca Municipal Aquilino Ribeiro e pela concepção e dinamização da Biblioteca Itinerante EMA e tens sido responsável, desde 2012, pelo desenvolvimento de sessões de conto e leitura, oficinas e formações, para diversos públicos, por todo o país. Como promotora do livro, da leitura e da narração oral, tens participado em muitos encontros, onde se destacam as Palavras Andarilhas, Contos de Avó, Um Porto de Contos, Rio de Contos, Fiadeiro de Contos, Jardins Efémeros, Outono Quente, Educarte e Dias do Desassossego. Como tem sido participar, desenvolver e dinamizar estes serviços e contos e este trabalho educativo e de promoção do livro e da leitura?


Uma festa, um sufoco... Nos primeiros anos como trabalhadora por conta de outrem financeiramente a coisa era mais simples. Fui muito feliz em Vila Nova de Paiva, mas a dada altura cansei-me de trabalhar para/com determinadas instituições. Desde então tem sido impossível sobreviver. Se ainda estou viva, devo-o a família e a alguns amigos. Muito grata por todos os trabalhos que fiz, mesmo aqueles que fiz sem retorno financeiro, e ainda que possa ter ficado piursa em algumas circunstâncias, quando percebi que outros estavam a ser pagos e eu não. Muitas vezes pensei desistir, muitas vezes penso em desistir, às vezes tenho de fazer pausas, dedicar-me a outros trabalhos para conseguir alguma recuperação financeira. Mas continua a ser para mim uma urgência que seja feito e sinto que continuo a ter a aprovação das pessoas com quem trabalho. Como dizia o querido Xabier P.  Docampo “Quem dá autoridade ao contador é o escutador.” Penso que se pode alargar a outros trabalhos e será sempre o público participante nas diversas intervenções que nos dá autoridade. Enquanto assim for será melhor não desistir. Nesta fase sinto que preciso dar um salto, que preciso de trabalho profissional em certas áreas e que isso é essencial para que haja um evoluir, nomeadamente ao nível do volume de trabalho. Sem capacidade de pagar imediatamente serviços a outros não sei se será possível dar esse salto. Tenho esperança que alguém possa ver que o retorno financeiro imediato não é possível, mas que o seu e o meu investimento trará benefícios, que serão partilhados com muito gosto.


Quais são os teus sonhos para Portugal?


Que se faça, ou então que se transforme em pássaro e voe!

🙂

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.


Eu é que agradeço, desculpa a demora na resposta. Se houve espera, que a resposta faça com que tenha valido a pena.

 

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Fátima Simões

21 De Novembro De 2023

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