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Entrevista a Guiomar Sousa – Mediadora Sociocultural e Activista Cigana


Fotografia De: Sérgio Aires


Referiu ao “Projecto 40 anos, 40 mulheres” que foi dinamizadora social no Projecto Escolhas. Em que medida a sua participação neste projecto foi determinante para o seu trabalho como mediadora e activista?


- O que refere ao meu trabalho enquanto dinamizadora comunitária, num Projecto Escolhas e de que forma determinou e influenciou à pessoa que sou hoje? Decerto, que foi um momento crucial ao meu percurso. Fez com que tivesse oportunidade de conhecer pessoas, ciganas e não ciganas, na vertente da área social, mas acima de tudo o que me mais me marcou, foi ter oportunidade de aprender e trabalhar com outras pessoas ciganas, ver o esforço que têm vindo a fazer por uma melhoria de vida para a nosso povo e o senso de justiça e coesão social para toda a sociedade.

Resumindo, se eu não tivesse aceite o convite para trabalhar no Escolhas, atrevo-me a dizer que hoje não teria feito o percurso que tenho e nem estaria aqui a dar este contributo, tanto a nível profissional e pessoal.

Participou no protesto “Exigimos o direito à habitação digna das pessoas Ciganas/Rroma em Portugal: reparação, já!” Do seu ponto de vista, o que falta para que haja respeito, condições dignas e um pleno direito à habitação?


Identifico aqui as poucas medidas que o Governo tem lançado, e ainda sobre as poucas medidas sociais que há, de facto é que muitas não estão a ser levadas em conta. É um prolongar de situações e de burocracias.

A falta de empatia a situações degradáveis, o de se colocar no lugar do outro, falta a muitos técnicos, embora saiba que haja pessoas que batalham a trabalham em prol, mas há muito por fazer, sair das secretárias e ver como muitas pessoas vivem, ciganas e não ciganas.


A continuação da guetização de grupos racializados em bairros sociais, a degradação que ocorre nesses bairros, alguns até ilegais, os acampamentos, os rótulos a que isso é associada e tudo o que vem por acréscimo nesse sentido para o prolongar de uma pobreza. Há uma necessidade de uma restruturação, criar condições com os recursos que já há. Há muito que se defende uma nova estrutura habitacional, com habitações que se encontram fechadas, a se degradarem e muitas delas no meio das cidades. Com essa medida, estar-se-ia a trabalhar em vários eixos de intervenção, para uma verdadeira inclusão, a um direito humano universal, à saúde, empregabilidade, entre outros.


Há vários estudos efectuados a nível europeu que comprova o racismo e a xenofobia que o povo Roma sofre, no que se refere à habitação, obviamente que também falamos por conhecimento de causa, pelas intervenções de terreno e denuncias do qual vamos tendo conhecimento. Tem de se passar à acção e à criação de condições para uma habitação digna para todos.


Referiu no “Projecto 40 anos, 40 mulheres” que também quer fazer projectos e criar uma associação. O que falta para cumprir o desejo de criar a associação? Para si, que impacto julga que os projetos e a associação poderão ter na vida das pessoas ciganas?


Não criei uma associação, mas intervenho e acompanho sempre que posso, a Associação Ribalta Ambição, que tem sede na Figueira da Foz, criada pela Tânia Duarte e pela Marisa Oliveira, duas mulheres ciganas e que tem como objectivo trabalhar a igualdade de género nas comunidades.


Sobre o impacto, é bastante positivo, tem sido um dos maiores marcos de intervenção com e para as comunidades ciganas, mas mais ainda, para as mulheres ciganas, que têm sido o maior motor de transformação, na linha da frente, tanto na implementação destas associações, mas sobretudo na intervenção e aproximação às famílias ciganas.


No desenho e criação de projectos, o trabalho que se direcciona para as comunidades ciganas, tem de ser feito com e para os ciganos, pois nós, enquanto pessoas ciganas, sabemos, conhecemos e vivenciamos as nossas necessidades.


Posso referir um exemplo de um projecto que foi criado por pessoas ciganas, através da Associação Letras Nómadas, com o Bruno Gonçalves e Olga Mariano, o Opre, um projecto de apoio a pessoas ciganas que queiram integrar na universidade, sendo uma oportunidade para muitos jovens e não só, e que já há efectivamente homens e mulheres licenciados através deste programa, que acabou por ser adoptado como uma medida governamental, através do ACM, mas sempre com a intervenção e acompanhamento de quem inicialmente criou este projecto, num trabalho de aproximação com os jovens e as suas famílias, para maior valorização pela educação.


Esteve na associação Ribaltambição com um projecto ligado à culinária cigana. Como foi para si trabalhar neste projecto e em que medida foi enriquecedor quer para a comunidade cigana, quer para a luta pela integração e inclusão?


O projecto tem o nome “Mulheres Ciganas, Estórias de Vida, Gastronomia”, foi um projecto FAPE e foi lançado nas redes sociais e no Youtube em 2016. O objectivo do projecto foi juntar a gastronomia cigana, mulheres ciganas a dar o seu testemunho, qual o significado das receitas enquanto comunidade, junto com o nosso percurso pessoal e profissional, e de acréscimo fazer-nos ouvir, dar a conhecer e a desmistificar alguns preconceitos.

Foi das minhas melhores experiências, tive o privilégio de dividir o espaço e as dinâmicas, com outras mulheres ciganas, que admiro e retiro uma grande aprendizagem, na nossa convivência. Na concepção das gravações, tivémos a oportunidade de estar todas juntas durante 3 dias, onde houve partilha à mesa, com as receitas confeccionadas, música e muito enriquecimento.


Com os nossos testemunhos enquanto mulheres ciganas, o maior aprendizado que retirámos para nós e o que queremos passar para quem nos vê, cito a frase da Tia Olga Mariano, “Podemos ser o que quisermos ser, sem deixar de ser quem somos”, com todos os papéis socais que nos vão sendo incutidos, enquanto mães, filhas, esposas, e tantas outras coisas, poder trabalhar, estudar, educar e valorizar tudo o que temos de melhor.


Em 2021 subscreveu a Carta aberta contra a ciganofobia. Que importância tem para si a luta contra ciganofobia e contra o enorme desconhecimento da cultura cigana, a desigualdade no que respeita às mulheres ciganas e do genocídio cigano?


A carta aberta contra a ciganofobia, é também pelo crescimento da extrema-direita no nosso país, ao discurso de ódio que quase todos os dias somos bombardeados, através da comunicação social, dentro da própria Assembleia de República, nas redes sociais e nas caixas de texto de notícias tendenciosas. Diante do silêncio de muitos, a nossa Democracia tem vindo a ser ameaçada.


Estamos perante um crescer de ódio sem medo, sem precedentes e sem vergonha. Pelo início da pandemia, não sei bem porquê, mas o facto das pessoas terem ficado fechadas, os mais idiotas sentiram-se incentivados para vomitar um ódio livre e sem medo, muito pelo incentivo e liberdade que a extrema-direita tem e acabou por lhes dar, para as redes sociais.


Enquanto mulher portuguesa e cigana, sinto-me no dever de lutar pelas desigualdades humanas, e se me dão a oportunidade de utilizar a minha voz e a minha presença para desconstruir estereótipos e preconceitos, eu irei sempre estar presente. Enquanto cidadã deste país, tenho esse dever.

Sempre que ocupo um espaço, faço por dar a conhecer a minha cultura, através da minha vivência e nada melhor do que a partilha associada à representatividade de uma mulher cigana. E é assim que faço a minha e a nossa luta contra a ciganofobia.


O genocídio cigano, foi um momento histórico de horrores que deve ser sempre falado e lembrado, para que não se volte a repetir. Foi através da luta de pessoas ciganas que hoje é assinalado o 16 de Maio, “Dia da Resistência Romani” em memória de todas as vítimas ciganas que morreram no Holocausto. Sobre tantos olhares pelo mundo todo, pelo silêncio e passividade, morreram milhares de pessoas. É este, entre muitos outros factores, a nossa luta e a importância dela.


É mediadora sociocultural e activista pelos Direitos das Mulheres Ciganas. Como tem sido trabalhar como mediadora e pela luta pelos direitos das mulheres ciganas? Que impacto pode este trabalho ter no futuro das mulheres ciganas e das comunidades ciganas? O que a tem motivado no trabalho como mediadora e como activista cigana?


O meu trabalho na mediação com as pessoas ciganas, faz a diferença em terreno, pela representatividade enquanto mulher e cigana, a proximidade que conseguimos e como chegamos às famílias, faz com que olhem para nós e vejam que é possível, apesar de muitos obstáculos que sentimos em sociedade no que respeita a situações, que para uma boa maioria, passa-lhes ao lado.


É um vínculo de confiança que se cria entre as pessoas e as entidades e é esse o nosso objectivo, fazer a ponte, para que metaforicamente se consiga passar de um lado ao outro e que seja uma travessia que todos consigam fazer, enquanto indivíduos que fazem parte de uma sociedade. Não vou omitir e dizer que é um processo que seja fácil, pois são muitos os momentos que nos impedem de acreditar numa verdadeira inclusão e aceitação para com o outro, algumas vezes apetece baixar os braços e fazer jus à fama que muitos nos dão, e falo no plural porque é assim que nos vêem e nos julgam, como um todo.


Como activista/feminista não o posso fazer, a minha integridade enquanto pessoa individual não me deixa desistir. O pensar, que futuro, para nós e para as próximas gerações?


Há uma responsabilidade social, e é esse o verdadeiro activismo. Aqui já falo enquanto colectivo, é uma luta que se faz em conjunto de todos e para todos, com várias pessoas ciganas e não ciganas e só assim o conseguiremos.

Com a minha representatividade, a minha partilha, pela óptica da minha Interseccionalidade, às mulheres e ciganas é capacitar, reconhecer o seu valor, o poder e a capacidade transformadora nos seus papéis sociais.


Quais são os seus sonhos para Portugal?


O que mais posso acrescentar do que acima já foi dito? Que não seja uma utopia, toda esta luta, que haja pessoas no caminho que se juntem a nós e queiram ajudar a criar uma sociedade justa, com direitos e deveres, que se crie uma verdadeira equidade e inclusão entre os pares e uma aceitação e respeito entre todos.

Que não sejam sonhos, mas sim uma realidade, está ao alcance de todos nós fazer essa diferença.



Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Joana Matias

24 De Maio De 2023

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