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Entrevista a Bruno Gonçalves Gomes

É Vice-Presidente da Associação Letras Nómadas e é membro do Ribaltambição- Associação para a Igualdade de Género nas Comunidades Ciganas. É ainda mentor do

projecto Opré Chavalé (“Erguei-vos, jovens ciganos”, na língua romani), e que é promovido pela Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, em parceria

com a Associação Letras Nómadas”. Como é que é para si trabalhar naqueles projectos e o que nos pode destes projectos e destas lutas em prole da comunidade cigana?


Actualmente este projecto transformou-se em Política Pública e é o Programa OPRE (Programa Operacional para a Educação) e já vai na 7ª edição, ao longo das 6 edições 34 portugueses cigan@s já se licenciaram e 4 fizeram mestrados.

O grande objectivo do projecto era derrubar as barreiras existentes das comunidades ciganas e o ensino superior e assim promover a educação superior como possibilidade de maior mobilidade social.

Trabalhar nestes projectos é a tentativa de garantir que portugueses cigan@s consigam concretizar de sonhos e promover a instrução escolar como uma arma que pode mudar o mundo como dizia Nelson Mandela, mesmo vivendo numa sociedade estruturalmente racista…

As medidas de afirmação positiva são deveras importantes para combater as assimetrias a que os ciganos foram vetados em 5 séculos de permanência em território português pelo aparelho de estado.

Trabalhar em prole do meu povo é uma obrigação e compromisso, não quero que o meu povo continue a ser empurrado para ser escravo da miséria da pobreza, somos 12 milhões de cidadãos na UE, mais de 80% vivem mergulhados na extrema pobreza, o paradigma muda-se todos os dias com luta, resiliência e resistência. Felizmente cada vez mais há muitos “Brunos e Brunas” em Portugal, podem-nos tentar silenciar, ignorar e até nos ostracizar, mas esquecem que somos “sementes” dos que resistiram a séculos de perseguição.


Escreveu o livro “A História Do Ciganinho Chico”. De que forma esta história pode ajudar a mudar o conhecimento da cultura cigana e a respeitá-la?


A História do Ciganinho Chico é outra tentativa de colmatar uma enorme falha no sistema educativo português que apesar de algumas reformas nunca teve a coragem de assumir que cada vez mais o país é diverso e multicultural e que os manuais escolares estão desenquadrados da realidade de muitos grupos presentes em sala de aula, os ciganos nos manuais são sempre tratados de forma folclórica o que aumenta o estigma.

Este livro pretende ser uma lufada de ar fresco ao promover verdadeiramente o conhecimento mútuo entre os vários grupos presentes em sala de aula, desmistificar estigmas e ao mesmo tempo orgulhar meninos e meninas ciganas de um povo com uma história e uma cultura.

Na elaboração deste livro tinha a consciência que mudar mentalidades era um exercício muito difícil, costumo dizer que de um dia para o outro se pode mudar nomes de ruas e de pontes, mas mudar mentalidades é uma tarefa árdua. São 500 anos de cristalização de estigmas sobre os ciganos, numa sociedade portuguesa que tem uma herança colonial e que se alimenta erradamente da teoria luso-tropicalismo (que fomos bons colonizadores).

Se o livro teve ou tem ou não a capacidade de mudar mentalidades?! Não sei, de uma coisa tenho a certeza, nas minhas apresentações vi crianças ciganas a chorarem de alegria e de orgulho, desconheciam sobretudo a sua história. Para mim tentar é sempre uma enorme vitória independentemente do resultado.


Faz parte do programa do Conselho da Europa ROMED, programa com foco na promoção de políticas de inclusão da comunidade cigana. Que importância tem para si fazer parte deste programa?


Sim, sou formador do Conselho da Europa desde 2013 na área da Mediação com os ROMA e fui coordenador do programa ROMED promovido pelo Conselho da Europa a nível nacional até 2018, em 2019 o programa ROMED tornou-se uma política pública e é o governo português que o promove actualmente.

Para mim promover espaços de diálogo entre o poder local e as comunidades ciganas locais através de metodologias de participação é quebrar uma relação de costas voltadas entre os governos locais e as comunidades ciganas e assim estimular a uma cidadania mais activa.

Acredito que é essa relação de respeito e colaboração que podem promover políticas inclusivas onde todos os cidadãos são responsáveis e assim o território é beneficiado…


É activista cigano há mais de 26 anos e é formador de história e cultura cigana. O que o tem motivado a ser formador, activista e autor e como tem sido trabalhar como activista cigano ao longo destes 26 anos?


O ser inconformado com a situação, com a ciganofobia que somos alvo!

Tenho 47 anos, não me recordo de um dia que não tenha sido olhado de esguelha, que alguém não se tenha enojado com a minha presença. Nem o facto de ser licenciado ou ter já sido autarca (assembleia de freguesia) minimiza o tratamento de que sou vítima, o que se destaca em mim na minha ida ao supermercado, a repartições públicas é o facto de ser cigano não são as minhas competências ou ser um bom cidadão, e com isso tenho um segurança a perseguir-me no supermercado ou a sra. das finanças a tratar com sete pedras na mão…

A ignorância propositada dos nossos políticos em Portugal ao negarem diariamente o racismo estrutural que infelizmente privilegia cidadãos em função da cor e pertença cultural. Não generalizo, numa sociedade estruturalmente racista há quem não o seja…

Por fim a grande motivação é ter orgulho em ser português e ser cigano, embora seja tratado como forasteiro no meu próprio país.

Tenho uma pequena esperança que o conhecimento possa minimizar toda esta intolerância, “Conhece-me Antes de me Odiares”…


Na sua opinião, como é que se pode acabar com o enorme desconhecimento da cultura cigana, com a ciganofobia e do genocídio cigano?


Com coragem política ao introduzir verdadeiramente a interculturalidade e multiculturalidade nas escolas, a representatividade nas instituições, com o fim da segregação espacial…

A partilha só se faz em conjunto, para se dançar o tango são precisos 2 bailarinos…

A distância e a periferia só geram medos e desconfianças…


Programa OPRE - 25 jovens universitários das comunidades ciganas recebem bolsas de estudos. Que importância tem este projecto para a adesão de pessoas ciganas à universidade e para a aceitação e o fim do racismo nas Universidades?


O Programa OPRE desde a 4ª edição que tem 40 bolseiros, o acesso destes portugueses cigan@s é a oportunidade deste país aceitar que as medidas de reparação histórica podem combater as desigualdades e provar que os pontos de partida podem influenciar o percurso e cidadania das pessoas. Até se normalizar a chegada de portugueses ciganos ao ensino superior o Programa OPRE é necessário! O racismo é um sistema que está entranhado, nas universidades os ciganos terão ainda de enfrentar esse flagêlo, infelizmente terão que provar aos demais que são bons, que são melhores 2 ou 3 vezes para serem aceite e a ouvir disparates e ofensas como “nem pareces cigan@” porque está frequentar uma universidade, subestimando a nossa capacidade cognitiva por sermos ciganos…

Quais são os seus sonhos para Portugal?


Um país que não nega, que assume e combate o racismo estrutural porque este processo não é irreversível.

Um país que não tem como mudar o passado, mas que pode mudar o presente e o futuro. O passado colonial e a ciganofobia de 500 anos não nos podem orgulhar, que país se pode orgulhar de ter sido um dos primeiros a escravizar?

A história não se muda, mas pode-se reparar o passado para um melhor presente e futuro! Está na hora!

Quero um país onde os jovens não tenham de emigrar, cidades com políticas para fixação de jovens…

Sonho com um país onde a representatividade política seja uma realidade, que as pessoas racializadas não sirvam só para colorir listas e abanar as bandeiras nas campanhas eleitorais…



Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.


Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Fátima Simões

23 De Fevereiro De 2023

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