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Entrevista à “Organização Comunista” da Alemanha



No vosso texto "Prática Revolucionária", vocês começam por dizer que "Uma prática comunista bem-sucedida só pode ser desenvolvida com base numa estratégia cientificamente fundamentada e correcta. Esta prática é em si a base - e a pré-condição para - o aperfeiçoamento do desenvolvimento da estratégia revolucionária. "


Numa época em que o movimento comunista internacional tem que lidar com questões complicadas, vocês acreditam que é importante pensar sobre a prática revolucionária? Esta pode ser a resposta chave para os problemas que o movimento enfrenta?


A prática revolucionária é, claro, em última análise, a razão pela qual nos organizamos em primeiro lugar. Estamos a construir uma organização para que ela possa desenvolver uma prática revolucionária.


No entanto, não pensamos que a resposta aos problemas e questões em aberto do movimento comunista venham simplesmente da prática. Vivemos uma profunda crise do movimento comunista na Alemanha, onde a classe operária não tem um partido que possa cumprir as tarefas revolucionárias do nosso tempo. Nenhuma das organizações existentes está em posição de fazê-lo neste momento, embora de forma alguma juntemos todas essas organizações numa amálgama e certamente reconheçamos que existem camaradas sérios em algumas delas que estão a tentar encontrar uma saída para a crise. Nesta situação, seria errado ver a tarefa principal como simplesmente organizar os trabalhadores na luta de classes, no local de trabalho ou nos sindicatos. Porque a pré-condição de uma luta de classes bem-sucedida é a existência do partido comunista. Isso é necessário para coordenar as lutas, para aprender sistematicamente com a experiência, para dar às lutas uma direcção política geral e para evitar que a luta de classes seja travada unilateralmente apenas em um determinado nível, por exemplo, apenas como uma luta económica.


Para construir este partido, a elaboração de uma estratégia correcta e cientificamente justificada é o pré-requisito. É claro que a experiência prática deve desempenhar um papel no desenvolvimento dessa estratégia, e é por isso que também estamos a tentar, na situação actual, desenvolver abordagens para nos ancorarmos nas massas através do nosso trabalho na fábrica, no sindicato ou no bairro. Mas a principal tarefa do nosso tempo, a nosso ver, é encontrar respostas para os problemas do movimento comunista através de um processo de esclarecimento e construir estruturas que sejam capazes de acção e permitam a fundação de um partido de novo tipo.


Num de nossos documentos, escrevemos sobre o processo de esclarecimento que iniciamos: "As pessoas de fora podem e devem, é claro, participar desse processo de esclarecimento sem ter que se organizar na Organização Comunista. O esclarecimento será trabalhado em diferentes grupos de trabalho temáticos nos quais se pode participar. Formamos grupos de trabalho sobre os seguintes temas abrangentes: Materialismo dialéctico; Economia política do imperialismo; Domínio burguês; Movimento operário revolucionário e Partido Comunista; Análise de classe; Imperialismo alemão; Sociedade socialista. No entanto, não estamos interessados num círculo de discussão académica, mas na construção de uma organização poderosa, disciplinada e eficiente. Vamos criar as formas de organização adequadas para isso. Também vamos desenvolver formas apropriadas para abordar as massas e para as organizar com base nos seus interesses, problemas e preocupações quotidianas. Para vincular estreitamente o esclarecimento teórico, a construção de uma organização e o amplo trabalho de massas, consideramos a tarefa central de criar as condições para a fundação do partido comunista."


Na nossa última assembleia geral em Fevereiro, decidimos elaborar um documento de auto-concepção no qual esclareceremos essas questões e responderemos mais concretamente ao que isso significa na fase actual.


Sobre o internacionalismo proletário e o movimento proletário das mulheres, vocês afirmam que "no capitalismo, as mulheres da classe operária são oprimidas de duas maneiras: como mulheres e como trabalhadoras". E "Enquanto fascistas e nacionalistas incitam a classe operária internacional contra si mesma, acreditamos na unidade fundamental dos interesses de todos os trabalhadores em todo o mundo. Lutamos contra todas as formas de racismo e opressão nacional e étnica e nos opomos a qualquer discriminação baseada em raízes, idioma, nacionalidade ou raça"(em: https://kommunistische.org/programmatische-thesen/programmatic-theses-of-the-communist-organization/).


Na vossa opinião, com que perspectiva deve ser conduzida a luta contra o fascismo e a opressão das mulheres?


Lutamos contra a opressão das mulheres sob o capitalismo não apenas por razões morais, mas porque essa opressão que divide a classe operária e enfraquece a sua luta, porque impede que as mulheres da classe operária de se organizem e lutarem pelos seus interesses. Tratamos essa questão a partir de uma perspectiva de classe, ou seja, não estamos preocupados com “a mulher” em geral, mas com as mulheres trabalhadoras e especialmente com as mulheres da classe operária. Embora agora também nos oponhamos a todas as formas de chauvinismo e opressão contra as mulheres ou pessoas de uma determinada cor de pele ou origem, assumimos que essas desvantagens continuarão a existir enquanto o capitalismo existir. Portanto, não é possível liderar uma luta real pela libertação das mulheres proletárias sem liderar a luta contra o capitalismo.


No que diz respeito ao fascismo, um problema é que muitas pessoas têm a ideia de que o fascismo é simplesmente uma ideologia particularmente desumana e anti-democrática. Claro que o fascismo é desumano e criminoso. Mas, com uma análise tão superficial, ignora-se que seu carácter criminoso resulta do facto de que o fascismo é justamente uma forma de domínio do capital. A sangrenta repressão do movimento operário, a guerra imperialista de roubo para conquistar novos territórios e subjugar outros povos, a campanha para destruir a União Soviética foram decididas em conformidade com os interesses dos grupos dirigentes do capital monopolista alemão, que em muitos casos também lucraram com isso muito directamente. O fascismo nunca teria chegado ao poder na Alemanha - e isso também se aplica a outros países - sem o apoio directo e indirecto dos bancos, da indústria, dos políticos e partidos latifundiários e burgueses. Foi o presidente do Reich alemão, Paul von Hindenburg, eleito em 1933 com os votos da Social Democracia (SPD), que então, a pedido de representantes da grande indústria e dos bancos, nomeou Hitler chanceler do Reich e abriu caminho para o terrorismo aberto da ditadura. O primeiro acto dessa ditadura foi o esmagamento do movimento operário, a proibição do Partido Comunista da Alemanha (KPD) e dos sindicatos. Nos anos seguintes, o capital conseguiu impiedosamente impor os seus interesses à classe operária porque a classe operária havia sido privada dos meios para se organizar.


O fascismo na Alemanha também só conseguiu ganhar uma base de massas porque a pequena burguesia foi duramente atingida pela crise económica mundial capitalista. Esses pequenos burgueses, que temiam o declínio social, formavam o grosso dos partidários do NSDAP (partido nazi alemão).


Assim, se entendermos que o fascismo é produzido pelo capitalismo e promovido e alimentado pelos representantes do capitalismo, então qualquer luta anti-fascista que não assuma a luta contra o capitalismo é equivocada e fadada ao fracasso. O grande poeta marxista Bertolt Brecht falou sobre isso: "Quem não quiser abrir mão da propriedade privada dos meios de produção não se livrará do fascismo, mas precisará dele".


Isso não significa que também não nos esforcemos para que o maior número possível de pessoas lute contra os fascistas e seu apoio estatal, mesmo que ainda não tenham reconhecido a luta contra o capitalismo como necessária. A criação de uma unidade de acção anti-fascista não tem que pressupor o reconhecimento da luta pelo socialismo. No entanto, é problemático quando os comunistas estão errados sobre esta questão e falham em reconhecer a ligação inseparável entre o capitalismo e o fascismo ou mesmo negam que o fascismo seja uma das formas possíveis de dominação burguesa.


Devido ao seu desenvolvimento histórico e ao facto de ter grande força económica, mas pouco poder militar e político, o imperialismo alemão sempre foi forçado a agir de forma particularmente agressiva e beligerante para fazer valer seus interesses. Essas condições básicas não mudaram até hoje. Pelo contrário, são actualmente agravadas pela crise da UE, que é imparável e ao mesmo tempo põe em perigo a concretização da política de poder do imperialismo alemão. Neste contexto, a necessidade de forças mais abertamente reaccionárias ou até fascistas como a AfD (partido "alternativa para a Alemanha") também deve ser compreendida. Portanto, é importante entender que a política da forma liberal-democrática de dominação burguesa sempre contém o germe da opção fascista e, dependendo dos desenvolvimentos históricos, as formas podem mudar. Os comunistas devem apontar as causas e como a luta contra o domínio burguês pode ser travada.


O papel da social-democracia precisa ser melhor analisado. Em partes do movimento comunista, a social-democracia é vista principalmente como uma força anti-fascista e aliada na luta contra o fascismo. Isso geralmente negligencia o facto de que a social-democracia também é um mecanismo para estabilizar o domínio capitalista e, portanto, não pode ser um aliado confiável contra o fascismo. De facto, os partidos social-democratas muitas vezes contribuíram objectivamente, inclusive na Alemanha, para o crescimento e para a ascensão ao poder do fascismo.


Considerando o “lado negro” da história alemã, qual a importância da reflexão sobre o nazismo e os seus crimes na Alemanha?


A reflexão sobre o nazismo ainda hoje desempenha um papel importante na Alemanha, por exemplo, nas aulas escolares. Portanto, o problema não é que os crimes do fascismo como um todo sejam negados, ocultados ou fundamentalmente minimizados, como certamente é o caso em outros países e também na Alemanha no que diz respeito aos crimes do colonialismo. Há, no entanto, uma memória selectiva: enquanto se fala relativamente do Holocausto, o extermínio de seis milhões de judeus pelos nazis, outros crimes contra a humanidade são muito pouco discutidos: por exemplo, o assassinato de centenas de milhares de ciganos e Sinti, o extermínio de mais de três milhões de prisioneiros de guerra do Exército Vermelho nos campos de concentração alemães, a guerra de extermínio da Wehrmacht na União Soviética e os crimes ali cometidos, como o massacre de Babi Yar na Ucrânia, onde dezenas de milhares de judeus soviéticos foram assassinados em poucos dias, ou o bloqueio de Leningrado, que visava explicitamente o extermínio da população de Leningrado e ceifou mais de um milhão de vidas.


A política de lembrança selectiva do Estado tem, é claro, razões políticas. A memória do Holocausto é mal utilizada pelo Estado imperialista alemão para os seus objetivos de política externa: a primeira guerra de agressão alemã depois de 1945, o ataque à Jugoslávia em 1999, foi justificada pelo governo social-democrata-verde da época, alegando que um "novo Auschwitz tinha que ser evitado". E a estreita relação com Israel, a venda de armas ao regime de ocupação e a acção conjunta nas guerras imperialistas na Ásia Ocidental também se justificam com os crimes nazis.


Ao mesmo tempo, a política oficial de memória alemã ignora quase completamente o pano de fundo do fascismo. A tomada do poder nazi é frequentemente apresentada como resultado das habilidades manipuladoras de Adolf Hitler, ou seja, de um homem. O movimento fascista é apresentado como um “movimento de massas vindo de baixo” sem mencionar os interesses da classe dominante por trás dele. Ao apresentar os nazis simplesmente como uma expressão do "mal", a visão das causas sociais e económicas do fascismo é obscurecida.


Ao mesmo tempo, a Alternativa para a Alemanha (AfD), um partido cujos principais políticos banalizam publicamente os crimes fascistas, está novamente sentada no parlamento há alguns anos. Isso também mostra que o "anti-fascismo" burguês, que apenas rejeita o fascismo por um humanismo hipócrita e não se opõe a ele com a luta comum da classe operária, mas sim com a democracia burguesa liberal, ou seja, outra forma de dominação capitalista, não pode combater efectivamente o fascismo.


Como a vossa organização avalia a luta contra o capitalismo em tempos de pandemia?


A pandemia de Covid-19 colocou novos desafios à luta de classes em todo o mundo, mas também na Alemanha. A política sistemática da burguesia de negligenciar o sistema de saúde, de arruiná-lo através de cada vez mais cortes e orientação dos hospitais para o lucro, tem mostrado agora terríveis consequências para a população, especialmente para a classe operária. Dezenas de milhares de pessoas morreram da doença na Alemanha - elas ainda poderiam estar vivas hoje se o governo tivesse adoptado uma política consistente de proteção à saúde. Mas já na primeira “vaga” da doença na primavera de 2020 ficou claro que isso não iria acontecer: é verdade que as escolas estiveram encerradas durante algumas semanas e também foram decididas outras restrições à vida pública (por exemplo a obrigação de usar máscara em salas e meios de transporte fechados). Mas assim que os números da infecção caíram novamente, as escolas foram reabertas para que os pais das crianças pudessem voltar ao trabalho. Todo esse tempo, a pressão foi construída por parte do capital para impedir um "confinamento" (lockdown) consistente e lutar contra a pandemia. A burguesia alemã queria uma política que apenas evitasse os piores efeitos de uma pandemia descontrolada, mas que ao mesmo tempo custasse o mínimo possível. Devido a essa política capitalista irresponsável, o número de infecções voltou a aumentar no final de 2020 a tal ponto que dezenas de milhares de pessoas morreram. Foi decidido um novo, mas novamente inconsistente "lockdown", em que as necessidades sociais e culturais das pessoas são desconsideradas, enquanto elas ainda têm que ir trabalhar. Isso não apenas transfere o peso da luta contra a doença para os trabalhadores, enquanto os capitalistas não assumem nenhuma responsabilidade, mas também impossibilita a erradicação efectiva do vírus.


Em total contraste com isso está a consistente política de saúde da Cuba socialista, que está a tentar desde o início por todos os meios necessários erradicar a pandemia e salvar o maior número possível de vidas. Mas outros países como Nova Zelândia, Vietname e China também mostraram que a pandemia não é uma "catástrofe bíblica", à mercê da qual a humanidade não pode fazer nada além de esperar, mas que é possível combater os vírus e também erradicá-los.


Na Alemanha, apesar das muitas vítimas da pandemia, há uma discussão sobre como avaliar a pandemia e a política do Estado. Em todas as grandes cidades, houve repetidas manifestações no ano passado de pessoas que pensam que a pandemia é uma invenção do governo ou que minimizam a sua periculosidade. Este movimento é dirigido contra as medidas do governo para proteger a saúde, contra a obrigatoriedade do uso de máscara, etc., e fala sobre essas medidas serem "autoritárias". Portanto, embora uma crítica adequada deva ser que o Estado dificilmente faz qualquer política de saúde séria, essas pessoas o criticam por tomar medidas de proteção à saúde. Assim, na nossa avaliação, essas manifestações são reaccionárias e de interesse do capital, que também não quer um combate consistente à pandemia por motivos de lucro.


A nosso ver, a pandemia indica a falência total do capitalismo. Mostra que o capitalismo como sistema é incapaz de proteger até mesmo a simples sobrevivência do povo e isso em um dos países mais ricos do mundo. Embora alguns países tenham conseguido combater o vírus com sucesso, mesmo sob condições capitalistas, o curso catastrófico da pandemia na grande maioria dos países capitalistas destaca a necessidade de uma sociedade diferente. Esses desenvolvimentos mostram que precisamos de uma sociedade socialista com propriedade social dos meios de produção e planeamento económico centralizado com a classe operária no poder, onde o bem-estar e a proteção da saúde da população estariam no centro do interesse social e, portanto, lutar e erradicar o vírus seria uma alta prioridade social. Mas não é suficiente apontar uma solução para o problema sob o socialismo. Porque a pandemia já é um grande perigo para o povo, ela deve ser combatida hoje.


Assim, apelamos à tomada de todas as medidas necessárias para erradicar o vírus e proteger a saúde, o que inclui o encerramento de todos os locais de trabalho não vitais por um período de tempo suficiente. Há alguns meses, uma ampla campanha da sociedade civil foi iniciada sob o nome de "ZeroCovid" (Covid Zero), pedindo tal estratégia de combate consequente à pandemia e ao mesmo tempo exigindo que medidas imediatas do Estado fossem tomadas para proteger os rendimentos da classe operária e pequenos empresários. Avaliamos essas reivindicações como correctas e necessárias e, por isso, apoiamos esta campanha.



Obrigado pelo vosso tempo, e todos os melhores votos para o vosso trabalho.



Projecto Vidas e Obras


Entrevista: Pedro Marques


Tradução: Loukianos Stathopoulos

15 De Junho De 2021

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