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Entrevista a Nuno Miguel Pedrosa

Entrevista a Nuno Miguel Pedrosa – Atleta de Basquetebol, Andebol, Paraciclismo e Presidente da Delegação APD – Figueira da Foz


Sofreste um grave incidente quando tinhas um ano de idade, anos mais tarde para superares as dificuldades e para te manteres em forma, aderiste ao ciclismo, e mais tarde ao basquetebol e andebol.

Em que é que estas modalidades te têm ajudado a enfrentar barreiras, o que é que essas modalidades te têm trazido e o que tens aprendido desde que começaste a praticar estas modalidades? O que nos podes falar sobre o incentivo que o desporto te tem dado?

Olá Pedro,

Antes de mais, convém colocarmos tudo sempre em perspectiva. Tenho a minha deficiência há cerca de 37 anos, parecendo que não a sociedade evoluiu imenso. Outra perspectiva é que fui nascido e criado numa zona extremamente rural em que a deficiência era visto como um bicho papão em que aquele que tinha uma deficiência era visto como um inútil e alguém que nunca iria conseguir nada da vida. Isto que digo parece ser bastante retrógrado, mas é algo que ouvi de forma recorrente. Na sociedade onde cresci o “normal” era que uma pessoa com deficiência passasse os dias em casa sem qualquer ocupação. O simples facto de ir estudar a 5 km de casa (ensino básico) levava a que pessoas dissessem abertamente que não valia a pena pois o garoto nunca iria ser ninguém na vida.

Felizmente, sempre tive a minha família que ajudou a rumar contra a maré e a pouco e pouco fui alcançando várias realizações e definindo novos objectivos.

Tudo isto para dizer que quando comecei a praticar desporto, já depois dos 30, estava a culminar uma fase muito importante da minha vida e não propriamente a iniciar. Foi a altura de consciência e aceitação plena da minha deficiência e de como lidar com ela.

No entanto, o desporto também me trouxe muita coisa. Trouxe essencialmente a consciência dos impactos que outras deficiências tinham na vida de cada pessoa e da forma como muitos conseguiam superar, ou não, essas limitações. Foi através do desporto que comecei verdadeiramente a conviver com outros cidadãos com deficiência e a verificar que muitos tinham vidas completamente integradas na sociedade e sem qualquer limitação de maior, mas também conheci e soube de muitos casos em que vivem marginalizados e à parte da sociedade, sem objectivos de vida e sem noção da forma como podem ter uma vida mais activa e dos benefícios que poderiam ir buscar por ter essa vida activa.

Mas além das modalidades que referiste tive ainda o prazer de ter sido convidado a participar em alguns campos de treino de Rugby em cadeira de rodas, o que se tornou também enriquecedor. Os atletas de rugby são em média cidadãos com deficiências mais limitativas que as dos atletas de BCR ou ACR. Essas experiências foram para mim muito motivantes porque me deram a oportunidade de conviver com estes atletas e ver como estes se conseguem manter activos no desporto e na sociedade e sempre com uma atitude positiva perante a vida.

A nível de saúde tenho tido ganhos consideráveis desde que comecei a praticar desporto, mas não só a nível de saúde. Comecei a integrar-me de outras formas na sociedade, não que estivesse mal integrado, mas acabamos por tomar outras opções e seguir outras direcções. Cada vez mais tenho vontade de ajudar outros cidadãos com deficiência a se superarem e a determinarem novos objectivos de vida.

O estar de forma quase diária em contacto com os meus colegas atletas na APD Leiria ajudou-me a relativizar cada vez mais as limitações causadas pela minha deficiência e a saber que os limites estão muito mais longe do que aquilo que o cidadão comum pensa. Foi por estes novos horizontes que começou, a certa altura, a nascer em mim a vontade de trazer uma delegação da APD para a minha cidade e assim nasceu a APD- Figueira da Foz que espero que consiga ajudar a mudar a vida de muitas pessoas com deficiência da região.

Teres aderido ao desporto através de várias modalidades, teres um mestrado de gestão e seres activo na APD mostra a tua visão aberta. Para ti qual é a importância que dás a essa visão aberta e positiva sobre as tuas limitações e disposição na superação de qualquer desafio?

Tudo isto que referes acaba por não ser nada de excepcional. Se pensarmos bem todos os cidadãos, sem excepção, deveriam praticar desporto/ exercício físico, todos os cidadãos deveriam ter uma formação, seja ela universitária ou mais técnico/ profissional e deveriam conciliar isto com uma actividade que os fizesse sair da rotina do dia a dia.

Repara, o exercício físico, seja federado/competitivo, ou não é cada vez mais importante numa sociedade tão sedentária. A formação, seja de que âmbito for, pode ajudar a que cada um de nós consiga alcançar objectivos mais exigentes na nossa vida profissional. O associativismo é uma opção. Uma forma de ocupar a nossa cabeça com algo diferente da rotina e que ao mesmo tempo pode contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária. No fundo tudo isto é aquilo que todos os cidadãos poderiam/deveriam fazer, mas tendo à mistura a componente da deficiência.

O desafio é fazer uma vida o mais normal possível dentro das limitações que a deficiência possa limitar cada um, mas sempre sabendo que é possível fazer mais um pouquinho. E, novamente, ter cidadãos com deficiência activos e integrados na sociedade e cada vez mais ser mais fácil contornar essas limitações naturais de cada um.

A participação na APD visa precisamente ajudar a que se criem condições para que as limitações do dia-a-dia, das nossas cidades e edifícios sejam aos poucos minimizadas e que o cidadão com deficiência tenha condições para ser o mais activo possível.

Disseste para a Figueira na Hora “Seremos representantes de todas as pessoas com deficiência, mas também elos de ligação com os representantes do poder local, estando nós disponíveis para auxiliar a CMFF na medida do que nos for possível” O que te motivou a abraçares a presidência da delegação da APD Figueira da Foz? Que apoio esperam prestar e que condições e mudanças pretendem promover para quem tem mobilidade reduzida?

Como sabes existem muitos tipos de deficiência e a APD é uma associação que pretende ouvir e ser uma referência para todos os cidadãos com deficiência. Ao tomarmos seja que posição for teremos de ser o mais isentos possível, não beneficiando ou prejudicando este ou aquele tipo de deficiência.

Tendo isto em conta e o facto de a APD ser uma associação de carácter essencialmente reivindicativo dificilmente iremos ajudar de forma personalizada este ou aquele cidadão, mas podemos ajudar a criar as tais condições para que as limitações de cada um sejam mais facilmente minimizadas.

Dou-te um exemplo. Os passeios das nossas cidades.

Os passeios das nossas cidades gostam muito de ser enfeitados com calçada à Portuguesa. A calçada é, só por si, um factor que pode limitar em muito a mobilidade de um cidadão com mobilidade condicionada (outra forma de dizer cidadão com deficiência ou mobilidade reduzida e mais correcta no ponto de vista). Eu próprio já me “esbardalhei” em plena baixa da cidade derivado das armadilhas que a calçada trás. Muitos arquitectos são defensores da calçada portuguesa porque dizem ajudar a drenar àguas pluviais e outras, mas depois acentam as pedras de calçada em cimento ou soluções betuminosas. Deste modo impedem a tal drenagem de àgua, mas prejudicam em muito a nossa mobilidade. Existe uma solução que defendo que seria positiva para todos, que seria deixar uma faixa de 80cm a 1 metro de um piso mais suave. Todos ficavam satisfeitos e até pode ser esteticamente bastante agradável. Outra questão recorrente é a dos passeios. Eu ando uns dias de cadeira de rodas, mas outros ando de próteses. Basta esta alteração para ver de um modo completamente diferente as dificuldades que as cidades nos trazem. Posso passar dezenas de vezes por um local deslocando-me com as próteses e não me aperceber de dificuldades de maior, mas ao passar no mesmo local com a cadeira de rodas posso nem sequer conseguir passar e ter de fazer dezenas de metros extra para chegar ao mesmo destino. Finalmente os transportes públicos. Fora das grandes zonas urbanas é praticamente impossível um cadeirante andar de transportes públicos. A sociedade e os nossos governantes têm de pensar muito bem essa situação.

Não vamos ajudar directamente ninguém, mas se conseguirmos pequenas alterações a vários níveis podemos estar a ajudar muitos cidadãos com mobilidade condicionada.

Desde que começaste a prática desportiva que tens sido vice-campeão e campeão por diversas vezes, e como atleta da APD tens participado em sessões de apresentação e esclarecimento. Em que é que o desporto e estas vitórias, e estes actos de cidadania desportiva podem ser uma ferramenta para o teu contínuo processo de luta contra as tuas próprias limitações e que a sociedade impõe e uma aprendizagem para quem tem também limitações físicas?

As vitórias e os títulos de campeão e vice-campeão são o menos importante. O que mais importa é a mudança de mentalidades e formas de estar da sociedade perante as limitações físicas e dos próprios cidadão com deficiência.

Dou-te um exemplo.

Na figueira tenho dois rapazes (o Rúben de 18 anos e o Bernardo de 22) que desde há cerca de três anos me falam em como gostariam de praticar desporto. Nenhum dos dois tem condições para vir a Leiria ou a outro lado praticar desporto adaptado federado e na Figueira não existe nada que os puxe para fazer desporto. A maior vitória seria colocar os dois e outros a praticar desporto e através deles chegar a mais pessoas e mudar mais mentalidades.

Colocar mais pessoal em actividade seja desportiva, seja profissional é o verdadeiro desafio e depois cada um deles vai ajudar a fazer a sua mudança de mentalidades. Troco mais uma pessoa a praticar desporto ou empregada e realizada por 50 sessões de esclarecimento!

Como têm sido estas experiências para ti?

Existe sempre algo novo e é sempre bom sentir que tocámos alguém e aos poucos estamos mais perto dos nossos objectivos. Estamos mais perto de criar algo diferente 😊

Quais são os seus sonhos para Portugal?

Acredito que ainda vou ver um Portugal verdadeiramente inclusivo e que muitas mentalidades se vão libertar de amarras e ver a pessoa com deficiência como uma válida e que apenas necessita de realizar cada tarefa de uma forma adaptada à sua limitação funcional, mas que a vai conseguir realizar.

Sonho que um dia deixemos de ter necessidade de apoios à contratação de pessoas com deficiência e que mesmo assim tenhamos uma taxa de empregabilidade semelhante às das pessoas sem deficiência.

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Obrigado eu Pedro 😊

Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques Correcção: Aristides Duarte

09 de Agosto de 2019

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