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Entrevista a Patrícia Labandeiro do Projecto “Despertar”

Referiu-me que a “Despertar” é uma entidade formadora que, entre outras missões e ofertas formativas, tem respostas de qualificação e reabilitação para pessoas com deficiência. Trabalham desde 94 no concelho de Viana do Castelo. Como tem sido importante promover a qualificação e reabilitação e colmatar algo que hoje, em 2019, ainda está longe de estar 100% garantido? Enquanto promotora, o que considera o que falta para que a sociedade esteja preparada para dar respostas positivas para pessoas com deficiência? A Despertar, sendo uma empresa de formação e serviços terapêuticos, tem como missão de base a promoção da igualdade de oportunidade e a contribuição para uma comunidade mais justa e equilibrada socialmente. Com esse “pano de fundo” (o desenho do mundo em que acreditamos, em que cada cidadão vê os seus direitos respeitados e tem acesso às mesmas oportunidades dos demais), uma das populações com quem mais trabalhamos (e gostamos de trabalhar) são as pessoas com deficiência. Sabemos que temos vindo a desenvolver um trabalho com impactos positivos e profundos no projecto de vida de quem até nós chega. Apostando em metodologias de formação muito activas e orientadas para os contextos reais de vida e para o mercado de trabalho local, temos atingido taxas de inserção profissional que muito nos orgulham e que nos asseguram que esse caminho e resultado é efectivamente possível. Há dificuldades mais genéricas na sociedade no que concerne à inclusão das PCDI, como a nossa baixa tolerância e elevado criticismo face à diferença. Mas especificando a dimensão que mais nos toca pelos objectivos centrais subjacentes ao nosso projecto (a inserção profissional), percebemos ao longo destes anos de intervenção que um obstáculo essencial é o funcionamento dentro de paredes das entidades especializadas de reabilitação. A criação de ambientes simulados e protegidos é um recurso útil e necessário mas apenas para pessoas com níveis de limitação que impeçam totalmente o ajustamento e adaptação ao mercado de trabalho (ou seja, uma baixa percentagem das PCDI). Este recurso pode ainda ser uma plataforma de preparação e uma intervenção de primeira linha, mas a passagem para os contextos reais e o movimento das entidades de reabilitação em direção ao mundo empresarial é premente e deveria ser uma exigência inerente a qualquer projecto que diz visar a inserção. Referiu-me igualmente que é muito raro estas pessoas atingirem um nível de integração socioprofissional digno e que permita uma vida autónoma. Para si, que mudanças nas estruturas e nas mentalidades são necessárias para se permitir uma abertura e para mudar este paradigma? Porque é que ainda há tanta dificuldade em haver progressão socioprofissional para pessoas com deficiência?

As mentalidades apenas mudam quando há confronto direto com experiências que invalidam essas teorias e perceções. Quando abordamos as empresas, não gastamos muito tempo e energia a “convencer” o empresário de que as pessoas com deficiência têm competências e capacidades funcionais que as tornam aptos para assumir postos de trabalho com um contributo válido para a empresa, na sua dimensão produtiva e na sua dimensão relacional. Pedimos apenas a abertura a um dia (ou apenas duas ou três horas) para receber um grupo de pessoas com deficiência e que atribuam uma tarefa para o grupo. Quase sempre, o grupo de formandos executa com eficácia a tarefa proposta em menos tempo ou com mais qualidade do que o esperado. É nesta experiência que coloca os empresários, os responsáveis operacionais e os colaboradores de uma X empresa em relação directa com pessoas com deficiência que aceitam, cumprem e executam com afinco e alegria uma tarefa profissional, que a mudança acontece… Poderíamos discorrer sobre os inúmeros obstáculos à progressão socioprofissional das PCDI, sobre os inúmero preconceitos que persistem e sobre o paradigma que não nos levou à inclusão por que ansiamos, mas preferimos apontar caminhos e soluções. A nossa experiência, já nos mostrou que as empresas estão, na sua maioria, abertas a conhecer e a explorar a hipótese de integração de PCDI nos seus quadros de pessoal. Não tomam por si a iniciativa, pois a dinâmica empresarial com todas as suas exigência leva a um foco nos mecanismos de produção e crescimento em que, por vezes, não “cabem” as medidas mais orientadas para a responsabilidade social. Contudo, quando são abordados e convidados a iniciar esse processo de forma estruturada e consciente, quase sempre, acedem a esse desafio. Se as entidades de reabilitação promoverem mais contacto dos seus utentes com as empresas e ouras organizações que podem empregar PCDI, estarão a promover essa mudança de mentalidade e de paradigma pela forma mais relevante e impactante em que pode concretizar-se: através da verificação de uma realidade que invalida a verdade anterior. O vosso trabalho também se foca na igualdade de género e na integração de populações vulneráveis. Fazem várias formações, actividades lúdicas, têm palestras e oficinas; de que forma estas actividades são essenciais para o ensino pela igualdade de género e pela integração? De que forma podem estes eventos ser transformadores para a vida das pessoas a quem dirigem o vosso trabalho? A promoção da igualdade de oportunidades e da equidade social são valores e focos da missão que estão sempre subjacentes às actividades que desenvolvemos. Acreditamos que mesmo as intervenções ao nível da parentalidade, do acompanhamento terapêutico e do desenvolvimento pessoal são veículos para a construção de comunidades mais felizes e equilibradas. O sistema relacional base de uma comunidade ou sociedade, é a família. Famílias com dinâmicas saudáveis que consigam viver de acordo com princípios de solidariedade, integridade e sustentabilidade, ajudarão a criar comunidades mais coesas e mais abertas ao apoio mútuo e à empatia para com o outro. Para além das iniciativas que nós organizamos e desenvolvemos, como por exemplo os encontros “Pais à Conversa” que acontecem desde 2015 e que já versaram temáticas com o Mindfulness na Educação, Pedagogia Waldorf, Parentalidade Consciente, Filosofia para Crianças, Sono Infantil, Desenvolvimento da Linguagem, Nutrição Infantil, entre outros, somos também convidados a participar em palestras e acções formativas de outras entidades e parceiros sociais. Ao nível da Igualdade de Género os Meetups do movimento nacional Girls Lean In do qual somos representantes em Viana do Castelo, têm sido experiências muito enriquecedoras e inspiradoras. Neste Meetups convidamos mulheres que tenham histórias de vida e projectos de liderança ou transformação social para partilhar, demonstrando que os “obstáculos de género” são ultrapassáveis e que qualquer mulher pode e deve conceber o seu projecto de vida de forma independente das supostas limitações que por vezes nos são incutidas na educação, na comunicação social e nos ambientes mais tradicionalistas. Já realizamos 14 Meetups, com 25 convidadas e cerca de 400 participantes em plateia. Estes encontros, tal como acontece no “Pais à Conversa” resultam em partilhas que têm impacto no processo de desenvolvimento de cada pessoa, família, equipa de trabalho, comunidade… absorve-se a energia da acção e da progressão de outros, discutem-se pontos de vista, criam-se sinergias, lançam-se sementes para parcerias! Acreditamos sobretudo que esta experiência relacional “real”, em contacto próximo e focada na transformação que queremos para o mundo e nas soluções, geram comunidades mais pró-activas, optimistas e felizes! Trabalham numa lógica de parceria com outras empresas e organizações e desenvolvem projetcos e actividades em conjunto - como conseguem estabelecer estas ligações consistentes e qual o benefício desse trabalho em rede? Efectivamente somos uma empresa em constate simbiose com o nosso meio envolvente. Estamos atentos ao que acontece na nossa comunidade e procuramos dirigir ofertas que sirvam os reais interesse e necessidades dos Vianenses, com especial enfoque nas populações mais vulneráveis ou nas dinâmicas que podem pôr em causa o bem estar e equilíbrio social. Por exemplo ao nível do acolhimento e inserção de população migrante sentimos que teríamos um contributo a dar para potenciar a sua integração e para valorizar a solidariedade e tolerância cultural dos Vianenses. Somos parceiros da Câmara Municipal de Viana do Castelo no Plano Municipal de Integração de Migrantes e para além do desenvolvimento de formação para migrantes e para técnicos de entidades com responsabilidade nesta matérias, lançámos uma campanha de sensibilização que enaltece a dimensão positiva a experiência que os migrantes têm na nossa cidade. “Viana acolhe com Amor” é uma campanha em que migrantes agradecem aos vianenses a sua abertura e apoio. Em cada “problemática” social em que actuamos, gostamos de investir no reforço do que acontece de positivo e promover as boas práticas. Ora, se estamos em constante adaptação às dinâmicas sociais locais, só faz sentido que actuemos em articulação com as entidades de acção social, de educação e de saúde. Somos membros da Rede Social e da Comissão Social de Freguesias, que se constituem como organismos promotores do trabalho concertado e em cooperação sustentada. Esta forma de nos colocarmos na nossa comunidade e de unir esforços com outras empresas e instituições é o único meio através do qual conseguimos atingir resultados naquilo que é a nossa motivação base transversal a todos os núcleos de acção: a transformação social e o impacto na vida comunitária. Quais são os vossos sonhos para Portugal? Uma dos nossos princípios é o de pensar globalmente mas agir localmente. A Despertar actua em Viana do Castelo e temos uma forte ligação à nossa comunidade e até à tradição e identidade vianense. Assim, a nossa felicidade e missão concretiza-se com uma visão de acção local. Preferimos definir o que sonhamos para a nossa região, da qual temos um conhecimento intrínseco e abrangente do que equacionar objectivos globais que podem não corresponder às necessidades prementes e ao próprio ambiente identitário de cada região. Claro está que globalmente sonhamos com um País em que todos os cidadãos tenham oportunidade de criar e concretizar projectos de vida que levem ao bem estar integral (muito genérico, nós sabemos). A nível mais local esperamos que as famílias possam usufruir de todos os benefícios e riquezas da nossa região, que as pessoas com deficiência atinjam a conquista que mais impacto tem na inserção (posto de trabalho), que quem chega à cidade seja acolhido com tolerância e solidariedade, que quem vive em ciclos de pobreza e exclusão possa receber apoio institucional consistente que ajude a quebrar esse ciclo e a reconstruir uma vida digna, que se desenvolvam projetcos locais inovadores e que potenciem a qualidade de vida dos vianenses, que a mulher vianense nunca se veja limitada na sua independência e na sua carreira devido a preconceitos de género, que as nossas crianças cresçam em ambientes educativos que promovem o desenvolvimento integral, que a comunidade evolua nas práticas agrícolas e ambientais que contribuem para a sustentabilidade, que cada vianense saiba que em fases de vida mais desafiantes existem serviços e profissionais competentes e comprometidos com uma filosofia de trabalho em que não existe intervenção que não seja o resultado de uma relação humana genuína. O foco no nosso trabalho e do nosso sonho para a comunidade local poder-se-ia congregar em duas palavras/dimensões: inclusão e felicidade! Internamente, enquanto equipa, queremos continuar nesta linha de acção que também nos permite viver a nossa própria experiência de transformação, crescimento e busca da realização profissional e felicidade global. Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho. Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques Correcção: Jú Matias 29 de Maio de 2019

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