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Entrevista a Irene Pimentel – Investigadora – Doutorada em História Institucional e Política Contemp


Fotografia De: Pedro Medeiros


O seu Pós-Doutoramento aprovado pela FCT é sobre «O processo de justiça política relativamente à PIDE/DGS, na transição para a democracia em Portugal».

Sobre a PIDE escreveu também o livro “A História da PIDE”; “Os Cinco Pilares da PIDE” , “O Caso da PIDE/DGS” e “Biografia de um Inspector da PIDE”. Tem estes trabalhos sobre a PIDE, um inspector e os seus pilares.

O que podemos e devemos aprender sobre a PIDE e sobre o fascismo/Estado Novo e sobre o sofrimento das vítimas de Salazar e Caetano ? O que a levou a fazer estes vários trabalhos de investigação sobre a polícia política do fascismo de Salazar e Caetano?

Enquanto pessoa activa politicamente durante a Ditadura de Salazar e, sobretudo, de Marcello Caetano, tive sempre a noção de que poderia vir a ser presa pela PIDE/DGS. Eu tinha ideias feitas – embora não o soubesse – sobre a polícia política do Estado Novo e, ao desistir de um tema que tinha inicialmente pensado estudar para o meu doutoramento em História Contemporânea, percebi que eu queria verdadeiramente perceber como essa instituição policial funcionava. Não só a nível da instituição, mas a nível da prática. O que me interessa sobretudo é ver de que forma essa política funcionava, quem eram os seus elementos, de que maneira servia a Ditadura e o ditador, quais eram os seus alvos e as suas vítimas, e que eficácia tinha essa polícia contra os seus principais inimigos políticos. Por outro lado, filosoficamente, politicamente e psicologicamente, interessa-me também saber como pode um ser humano torturar outro ser humano, ao contrário de todos os valores éticos e morais nos quais fomos educados. Uma das conclusões que tirei, ao caracterizar também a Ditadura portuguesa através da actuação da sua polícia política, foi o facto de a PIDE/DGS não ter sido um Estado dentro do Estado Novo, mas, sim, uma polícia que serviu directamente o ditador, especialmente Salazar, enquanto instrumento principal contra os adversários políticos deste último.

Escreveu estes livros sobre Salazar, a oposição, a história política do fascismo português: “História da Oposição à Ditadura em Portugal; Salazar, Portugal e o Holocausto”; “Espiões em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial”; “Cardeal Cerejeira”; “A Cada um o Seu Lugar - A política Feminina do Estado Novo”; “Inimigos de Salazar”; “Vítimas de Salazar” Como é para si poder abordar a história do fascismo português, a luta, as vítimas de Salazar e as lutas dos inimigos de Salazar? O que a tem levado a trabalhar e estudar o Estado Novo, a oposição, a política de memória através do estudo da PIDE/DGS e a luta feminina do Estado Novo?

Após grandes explicações historiográficas gerais já terem definido o Estado Novo de Salazar, considerando-o fascista ou autoritário, muito semelhante a outros regimes ditatoriais ou totalitários ou, pelo contrário, bem singular e diferenciando-se do fascismo italiano, do regime de Franco em Espanha ou de Hitler na Alemanha, pensei que seria interessante caracterizar esse mesmo regime através de algumas das suas instituições específicas – as organizações estatais femininas e de juventude, a Igreja católica, ou a polícia política. A situação das mulheres sempre me interessou enquanto cidadã e, por isso, também enquanto historiadora. Sobretudo, interessou-me estudá-la durante a Ditadura portuguesa, comparando-a com a que vigorou noutros países europeus na mesma época. O facto de o regime português ser muito elitista e hierarquizado, sem mobilidade social e considerando que cada um teria o seu lugar e a sua função, fez-me analisar quais seriam o lugar e a função reservada às mulheres pela ideologia e a prática salazarista. Dado que estudei a acção da PIDE/DGS também me interessou depois de analisar os seus principais alvos – os seus adversários e inimigos políticos. O período da II Guerra Mundial e o nazismo – sou de uma geração que nasceu após o fim desta mas muito marcada pelos horrores do Holocausto – foram sempre assuntos que me interessaram muito. Pensei também que era essencial analisar o que foi a neutralidade portuguesa entre 1939 e 1945, o relacionamento do regime de Salazar com os dois lados beligerantes, com os refugiados que tentaram salvar-se através de Portugal, questionando se Salazar de alguma forma atenuou o sofrimento dos judeus às mãos dos nazis.

A História das mulheres faz parte das suas áreas de investigação. Que importância é que esta investigação e temática deve ter?

Penso que tenho caracterizado o regime através desse tipo de abordagens. Comecei aliás a minha – tardia – carreira de investigadora, analisando precisamente duas instituições salazaristas, que se relacionaram com as jovens e as mulheres portuguesas – A Obra das Mães e a Mocidade Portuguesa Feminina -, num estudo em que recorri à análise comparativa com instituições similares do fascismo italiano e da Alemanha nazi, entre outros.

Como já escrevi anteriormente, penso que é muito importante estudar especificamente a ideologia e as instituições da Ditadura relativamente às mulheres e de que forma a sua situação social e familiar evoluiu exponencialmente em Portugal. Não se pode esquecer que, após ela estar subjugada no seio da sociedade e da família, onde o marido era sempre o chefe ao qual ela devia obediência, durante a ditadura, as mulheres portuguesas, graças ao «25 de Abril de 1974», passaram a gozar na lei de uma das mais avançadas situações a nível europeu.

Na sua opinião, como se conseguirá quebrar a enorme desigualdade e ainda uma falta de valorização da mulher e da sua história?

Durante séculos as mulheres não existiam a nível histórico, pois eram raras as que puderam destacar-se nos campos político, social e cultural, salvo excepções de algumas rainhas e escritoras. Com a historiografia “a partir de baixo”, e - deve-se dizer - com o avanço mundial do feminismo, verificou-se que a própria ausência e desaparecimento do papel das mulheres era de carácter ideológico. E a História das Mulheres surgiu com grande importância nas últimas décadas do século XX. Neste momento, de subida dos populismos nacionalistas e de extrema-direita, não por acaso, os estudos sobre as mulheres e de género estão sob ataque. É certo que também a História sonbre as mulheres tem sofrido de algumas derivas essencialistas e identitárias, mas o que há a fazer é descobrir novos caminhos para esse tipo de estudos, defendendo-os dos ataques e procurando uma evolução onde seja central a luta contra a desigualdade entre homens e mulheres.

Desde que iniciou os seus estudos tem visto alguma mudança na discussão e aprendizagem da História?

Infelizmente, nos últimos tempos, como já disse anteriormente, a História enquanto disciplina de aprendizagem está também sob ataque. Aos elementos da extrema-direita que chegaram ao poder e têm uma metodologia populista, interessa eliminar todas as disciplinas que ajudam a pensar de forma autónoma. Veja-se o ataque aos intelectuais e às elites (e aos políticos) por parte de potenciais ditadores. Bolsonaro, Trump, Órban, Duterte ou Salvin que se dizem representantes do povo (bom) e combatem as elites e os intelectuais (maus e corruptos) perceberam as grandes vantagens de se ignorar a História, e, por isso, tentam eliminá-la, substituindo-a por um revisionismo anti-histórico e um negacionismo relativo aos regimes ditatoriais no passado ou ao Holocausto e a outros genocídios. Da mesma forma, o ataque à Filosofia e à Sociologia (caso concreto de Bolsonaro, no Brasil) é uma via ideológica de chegar a novos tipos de regimes ditatoriais e autoritários.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

Que se mantenha uma democracia, cada vez mais aprofundada, com menos desigualdades. Que se mantenha e aprofunde também Estado Social, se possível numa Europa com o mesmo tipo de valores éticos, de solidariedade entre gerações e com uma preocupação cada vez maior pelo bem-estar das pessoas num planeta em perigo que há que salvar.

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques Correcção: Aristides Duarte

08 de Maio De 2019

08 de Maio de 2019

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