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Entrevista a Carla Ravazzini – Psicóloga e Formadora

Desde Novembro/2017 que é formadora de Educação, Género e Cidadania na Casa do Professor. Que importância tem tido, para si, ser formadora e trabalhar com estes temas tão importantes para a nossa sociedade? O que aprendeu desde que começou a estudar e a leccionar estes temas?

R: Percebo o exercício da formação como uma oportunidade para desenvolver competências e fundir duas áreas profissionais, de que gosto particularmente. Se por um lado, a psicologia clínica possibilita a atuação com natureza clínica e preventiva, enfatizando um processo desenvolvido a duas vozes, a formação privilegia o acesso a um grupo de pessoas e às sinergias que resultam dos grupos. E ainda que ambas as funções assumam objetivos distintos, dado que decorrem num contexto iminentemente relacional gozam de uma complementaridade que me fascina. Ministrar formação em igualdade de género, especificamente para professores e professoras, representa um compromisso e responsabilidade sobre o domínio dos conteúdos, uma vez que o fim último é a co construção de um sistema educativo cada vez mais plural e inclusivo. A escola, o currículo e os materiais pedagógicos são veículos de perpetuação de desigualdades e estereotipias de género, reproduzindo representações da ordem de género da época e do contexto socio politico onde os grupos e/ou indivíduos se inserem. Capacitar o corpo docente para que possam, de forma mais competente e eficaz, identificar e erradicar assimetrias e desigualdades junto de alunos e alunas é contribuir para a mudança sustentada de comportamentos. E isso é algo, porque acredito numa sociedade que se quer justa e não castradora de oportunidades, que acarreta responsabilidade mas dá-me um gozo particular. E muito ainda há fazer nesta matéria!

Prestou serviço comunitário como voluntária, no projecto "Dar que Pensar", como gestora da pasta da comunidade entre Outubro de 2014 e Abril de 2015, participando no Alívio à pobreza, no Combate ao desperdício alimentar e na Erradicação da fome na comunidade local. Dedica-se igualmente ao activismo em Viana do Castelo, na Amnistia Internacional Portugal, desde Abril de 2016. De que forma têm sido determinantes e fundamentais para o seu desenvolvimento o projecto “Dar que Pensar”, o trabalho na Amnistia e o trabalho no alívio da pobreza? Como vê a possibilidade da erradicação total deste tipo de problemas? Por que motivo é importante reflectir e trabalhar em prol dos direitos humanos?

R: É indiscutível a minha apetência natural para intervir junto de públicos em situação de vulnerabilidade e os projetos que tenho vindo a abraçar, não só profissionalmente mas também na qualidade de voluntária e de forma desinteressada, espelham isso mesmo. Creio que a par desta predisposição, são as experiências e aprendizagens que resultam do contacto privilegiado com quem tudo perdeu (por vezes até a dignidade) que nos modificam como pessoa e assumem um valor inestimável. Durante dois anos fui psicóloga num projeto que atua junto de população na condição de sem abrigo e em risco de exclusão social, e asseguro-lhe que recebi tanto destas pessoas…foi uma experiência que me modificou por completo. Acredito (por muito “piroso” que isso possa parecer) que quando as pessoas se unem em prol de uma causa e/ou causas, o “mundo” pode tornar-se num lugar melhor. Por outro lado, dado que não concebo a existência de vida depois da morte, questiono-me frequentemente: se perder a capacidade de me inquietar com a violação de direitos fundamentais, com a injustiça social, com o preconceito e exclusão, será que efetivamente isso é viver???

Trabalhar em prol do combate à exclusão e alinhar o comportamento com aqueles que são os direitos humanos universais, não pode nunca assumir-se como uma atividade solitária ou um conjunto de medidas avulsas. Quando cada um/uma de nós perceber que a cidadania não se aprende por processos retóricos mas experienciais, estaremos verdadeiramente a congregar esforços para uma causa que se quer coletiva.

Participou no seminário Associação Vencer Autismo, na área de estudo Educação Especial com Ênfase em Pessoas com Autismo. De que modo foi para si enriquecedor ter participado neste seminário, e como foi determinante para o seu conhecimento sobre as pessoas com autismo? O que pode dizer-nos sobre a vivência com as pessoas com autismo?

R: A minha formação enquanto psicóloga habilita-me não só a identificar, diagnosticar e intervir nos défices que resultam do espectro, como amenizar o impacto que uma perturbação global do desenvolvimento exerce na pessoa e na sua família. Não creio que a participação neste seminário tenha desenvolvido mais essa competência, nem foi esse o propósito da minha inscrição. Essencialmente o que procurei foi “beber” do testemunho de quem sofre na primeira pessoa as inúmeras dificuldades que se colocam a pessoas, quando percebidas como “diferentes” e nesse sentido, o formato relativamente informal da palestra, facilitou a discussão e partilha. Nos projetos profissionais em que tenho colaborado não é expressivo o contacto com pessoas com patologia associada às perturbações globais do desenvolvimento. Eventualmente porque comparativamente com as perturbações de humor e ansiedade, são menos prevalentes.

Participou igualmente no IV Seminário - Associação de Paralisia Cerebral de Viana do Castelo. Como foi para si ter participado num seminário sobre esta lesão cerebral, um tema para o qual a sociedade ainda não está suficientemente aberta, existindo ainda muito desconhecimento sobre esta lesão? Como se pode mudar este paradigma e estes preconceitos?

R: Acredito que a forma mais eficaz de eliminar preconceitos, dado que estes emergem essencialmente do medo e ignorância, passa pela sensibilização, literacia e contacto. Uma criança e/ou adulto com paralisia cerebral é alguém que sofreu uma lesão e/ou anomalia cerebral, num período crítico do desenvolvimento do sistema nervoso central. A lesão afeta essencialmente o controlo da postura, movimento e equilíbrio, podendo coexistir, ou não, a presença de outros défices nomeadamente na cognição, comunicação, percepção, atenção e concentração. É necessário explicar às pessoas que a paralisia cerebral não é um défice intelectual, nem impede (dependendo da localização da lesão e extensão) a existência de uma inteligência “normal” e/ou acima da média. E isto é particularmente pertinente de desmistificar. A reabilitação e a integração da criança, jovem e adulto com Paralisia Cerebral, através do desenvolvimento máximo das suas potencialidades, exigem a erradicação de crenças erróneas, que frequentemente conduzem a ações paternalistas e assistencialistas, por parte de técnicos e profissionais. Não só no caso desta lesão particular, mas também no que se refere à saúde mental em geral, onde impera o estigma e preconceito, é imperioso perceber a pessoa e as suas potencialidades para alem daquilo que são os rótulos e/ou diagnósticos. As pessoas não são as suas doenças e/ou perturbações!

Foi oradora em 2017 na acção de sensibilização “Vamos falar de Depressão", foi líder de grupo nas Aldeias de Crianças SOS do Projecto "face to face" e foi oradora do Núcleo de Estudantes de Educação Básica da Universidade do Minho, numa acção de formação sobre luto infantil. De que forma é importante para si abordar o tema da depressão, trabalhar o luto infantil e trabalhar num projecto importantíssimo como as Aldeias de Crianças SOS?

R: São várias questões distintas… A depressão e o luto infantil integram temáticas que fazem parte do meu reportório de atuação, enquanto psicóloga clínica. Sendo que estas duas ações específicas, no grupo Antolin e no núcleo de Estudantes de Educação Básica, e ainda que com públicos distintos, tiveram o denominador comum da prevenção e capacitação. A depressão é atualmente a segunda principal causa de morte, de pessoas entre os 15 e 29 anos de idade. No ano de 2015, um total de 300 milhões de pessoas em todo o mundo sofreram de depressão (OMS, 2017). O elevado grau de incapacidade que a perturbação acarreta impõe, entre outras, medidas com enfase na prevenção. A possibilidade de dinamizar uma ação sobre a temática para trabalhadoras do setor fabril, a pedido da empresa, não me podia deixar mais satisfeita, sobretudo porque denota uma consciência pela problemática e o respeito pela saúde dos recursos humanos. Afinal as empresas são as pessoas! Relativamente ao processo de luto, especificamente no infantil, há um enorme desconhecimento sobre a temática, sobretudo na forma como a criança vive, sente e compreende o processo. Naturalmente que o luto infantil tem que ser sempre compreendido à luz do desenvolvimento cognitivo da criança e das suas características. Infelizmente ainda se acredita que a criança não compreende a perda e para a “proteger” esta deve ser poupada de a viver, quando na verdade a boa resolução do processo de luto implica necessariamente esse confronto. Contribuir para o aumento do conhecimento da temática junto de públicos estratégicos (futuras educadoras de infância) não só faz parte do compromisso que tenho com a minha profissão, como foi, pelas razões enumeradas, de extrema pertinência e importância. Relativamente à colaboração com o projeto Aldeias SOS, foi algo que me deu muita satisfação, ainda que a natureza das funções tenha sido fora da minha área de formação/atuação. As Aldeias SOS possuem um dos modelos de acolhimento de crianças e jovens mais diferenciadores do mundo, pois replicam uma aproximação com um modelo de família, do qual faz parte a figura da “mãe” SOS e de “irmãos/ãs”. É um projeto que procura dar uma “segunda oportunidade” a crianças e jovens que pelas mais variadas razões são afastados das suas famílias biológicas, e é impossível não nos rendermos à sua missão! Na base também é de direitos humanos que se trata. A organização utiliza uma metodologia internacional de angariação de fundos - o “face to face”. Este projeto operacionaliza a sua ação através do recurso a equipas de rua distribuídas por vários distritos do país, tendo eu tido o privilégio de integrar a equipa de Braga, que numa abordagem direta de pessoas em locais públicos, divulgam e informam sobre o trabalho da organização e convidam a comunidade a juntar-se à causa (amigos/as SOS). Reconhecendo que a sustentabilidade da missão da organização (à semelhança do que acontece com outras instituições/organizações do 3º setor) depende substancialmente da generosidade da comunidade, foi muito gratificante ter colaborado para esse propósito. Quais são os seus sonhos para Portugal?

R: Esta é uma questão difícil…são tantos…uns mais exequíveis que outros… Mas essencialmente desejo que as minhas filhas e o meu filho possam decidir, sem constrangimentos, construir o seu futuro no país de origem, sem que tenham que emigrar…desejo que possam ver os seus méritos e esforços reconhecidos, sem que tal dependa do seu sexo de pertença. Gostaria de poder viver o suficiente para ver o meu país ter apenas como contrastes: a paisagem, o relevo e o clima.

https://www.aldeias-sos.org/ Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho. Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques

Correcção: António Chagas Dias 16 de Abril de 2018

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