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Entrevista a Sara Gouveia uma das fundadoras do Festival Humano e Investigadora

Em entrevista no É a Vida Alvim referia que o Festival HUMANO “é da comunidade para a comunidade”, e apela à liberdade de expressão, à criatividade, à apresentação de projectos de defesa dos direitos humanos. O que vos levou a criar um Festival para valorizar a liberdade de expressão, de criação, de ideias?

Antes de mais, obrigada pelo interesse e pela entrevista. O Festival HUMANO foi uma ideia que me assaltou há pouco mais de um ano, paralelamente a um momento em que eu sentia existir um profundo desconhecimento dentro da nossa sociedade actual mais jovem no que diz respeito à importância dos direitos humanos. Fazer um festival de divulgação e reinterpretação dessa mensagem foi como juntar 2+2 para mim, porque eu era profissional de gestão de eventos de profissão, e nos tempos livres fazia acção social. É um daqueles momentos em que acreditamos tanto no que estamos a pensar, que chega a ser assustador. É aí que intervém o Pedro Malveiro – ele tornou esta ideia possível, dando-lhe um nome, uma identidade mais comunitária, e um sentido totalmente social e voluntário no que toca ao próprio acontecimento do festival. Na prática, foi a ida ao café mais longa da minha vida, mais efusiva e avassaladora. Quando percebemos que tínhamos inventado algo que ainda não existia, sentimo-nos profundamente entusiasmados.

Desde que começaram a realizar o Festival o que conseguiram mudar e o que esperam conseguir mudar com a vossa mensagem e a vossa actividade?

O Festival pretende ser uma plataforma livre, de abertura a todo o cidadão, para expressar aquilo que bem entende serem os seus direitos, sempre que essa mensagem seja coerente com a actual Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esta premissa começou por se repartir em actividades de entretenimento paralelas a uma feira de Organizações Não Governamentais, com ênfase nos direitos humanos. Ao longo do tempo, percebemos que esta montagem era profundamente inibidora. Notámos, na primeira edição, que o maior sucesso surgiu da abertura de um palco a pessoas que nunca tinham sido convidadas a subir. Então começámos a pedir às pessoas para EXERCEREM os seus direitos – “dá voz aos teus pensamentos, apresenta o que quiseres, mostra o que vales, sê quem tu quiseres” – vendemos sonhos. E esse resultado, sim, foi absolutamente inesperado e muito transformador. Sem-abrigos que vieram ao primeiro dia do festival, no segundo dia apareceram aperaltados. Pessoas que passavam na rua iam buscar os amigos para dançar. O projecto são tomense “Wake Up Africa”, que era até então uma ideia sem apoios, foi finalmente concretizado. Dar voz e projecção a quem nunca teve essa oportunidade, sem qualquer discriminação, foi a nossa maior vitória.

Diz o vosso website que “O Festival HUMANO surge como uma resposta à necessidade de consciencialização do ser humano para os seus direitos universais.1” Na sua perspectiva quais as necessidades existentes que conduzem ao apelo para a consciencialização. Por outras palavras que direitos se têm perdido e se podem perder por falta de consciência e mobilização social?

Creio que dar voz ao pensamento de qualquer cidadão, sem qualquer segregação e com um profundo sentimento de partilha que não é alvo de julgamento, foi a maior necessidade respondida. Hoje temos poucos festivais com uma forte componente conceptual e artística que tenha entrada livre. É o que se entende por um festival social, que já existe fora de Portugal, mas que pouco se exerce cá dentro. Quanto à divulgação dos direitos humanos, também é um objectivo presente, mas é para mim ainda um desafio – ainda precisamos de trabalhar em mais formas apelativas de chamar a atenção para este conjunto de informação fundamental ao crescimento dos nossos jovens. Atenção que o objectivo não é tornar todo o mundo a favor desta convenção dos DH – mas sim torná-la conhecida, acessível, e bem entendida por todos.

Contam com uma feira de Organizações Não Governamentais. De que forma a junção de várias lutas, objectivos sociais, culturas podem ser enriquecedoras e contribuir para passar a mensagem da consciencialização?

As ONGs trabalham em campos de intensa consciencialização das comunidades para problemas ligados ao nosso bem-estar social. É importante elas serem celebradas – apesar de ser enorme a controvérsia ligada à existência destas organizações, o nosso festival é a favor do seu crescimento e da proliferação do seu bom trabalho. Julgamos que colocá-las numa praça pública, ao alcance de todos, gera oportunidades de interacção que são fundamentais para que as comunidades se envolvam nos seus problemas comuns, e para que o próprio cidadão “encontre a sua causa”.

O Festival foi realizado em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Porque escolheram estes países?

Em Cabo Verde, o festival aconteceu porque a oportunidade surgiu. As Nações Unidas abriram um concurso à AIESEC, onde eu era voluntária, para organizar uma festa de celebração do dia mundial do voluntário. Apresentámos esta proposta, e foi aceite (e financiada). Viajámos então para São Tomé, porque 1 – o povo é extremamente receptivo, 2 – as actividades culturais ali têm uma enorme aceitação, e 3 – porque tínhamos imenso interesse em voltar a trabalhar com africanos com ascendências lusitanas, que poderia mais tarde tornar o festival um ponto de contacto muito feliz entre os PALOPs.

Para si e para o Pedro Malveiro como é realizar um Festival de direitos humanos e de apelo à criatividade e à cidadania activa? Como é que a comunidade e a cultura africana foram determinantes para a escolha do local?

Estes países têm populações muito acessíveis e proactivas. Os jovens respondem bem aos desafios, sem demasiadas perguntas ou receios. Apesar de a burocracia ser terrível pelos atrasos e, como diz a expressão são tomense, muito “leve-leve”, sabíamos que muito pior seria lançar este festival na Europa, pelas exigências legais tremendas. Também encontrámos pessoas menos globalizadas, menos individualistas, que davam o tom comunitário e participativo que queríamos associar ao festival. O que era importantíssimo, porque este festival é totalmente dependente dos projectos que as pessoas querem apresentar.

Tem uma marca de moda consciente, e de comércio solidário, a Sukupira. Num momento em que o capitalismo está cada vez mais forte com as “Cetas”, os “TTIPS” e as “Tisas”, a escravizar cada vez mais... De que forma o seu projecto é essencial e um grito contra o capitalismo que referi?

A SUKUPIRA é um escape a uma sociedade de consumo viciosa e absurdamente consumista, tentando alertar os consumidores de que é muito importante sabermos quem faz as nossas roupas, em que condições, e com que direitos. Não lhe chamaria um grito contra o capitalismo, porque a nossa principal mensagem não é de ataque, e também não queremos vender uma ideia demagógica sobre o que é o consumo num mundo extremamente dependente do capitalismo. Mas queremos apresentar uma alternativa, estender possibilidades – mostrar que há outras formas de fazer compras, que há preocupações a serem tidas, e que esse momento de regozijo que é ir às compras, muitas vezes narcisista e egocêntrico, pode-se tornar altruísta e mais responsável.

Integrou a equipa da Amnistia Internacional Portugal, frequentou um curso de direitos humanos e fez voluntariado internacional. Através da sua experiência como voluntária, do trabalho no Festival, e na Amnistia e o que aprendeu no curso, que mais respostas espera dar na defesa dos direitos humanos, no sentido de uma maior consciencialização e mobilização social?

Quem faz voluntariado ouve muitas vezes a frase “não vais mudar o Mundo, vais-te mudar a ti próprio”. E essa é a maior verdade. Esse alastrar de horizontes, que me proporcionou uma descrença no ser humano avassaladora, foi felizmente também pontuado por deliciosas surpresas e por um renovado optimismo. Eu descobri que há imensas respostas por dar. E que o desconhecimento desta área é grave, e que deve estar mais presente, porque nos afecta nas decisões mais repentinas e mais frequentes, sem que nós sequer tenhamos consciência disso. Para mim, é importante não me esquecer. E continuar a tocar neste assunto. Despertar a discussão. Forçar-me a receber novos pontos de vista. Ser mais responsável sobre as minhas decisões, para comigo, para com os que me rodeiam, e para com o meu redor. Ser mais compreensiva e ponderada para com o que me é desconhecido – seja uma religião, uma ciência, um grupo cultural, ou uma pessoa que cruza o meu caminho. E espero que essa tolerância seja entendida e que esse respeito tenha um crescimento exponencial, para lá da minha voz e da minha própria vontade. Projectos, esses, terão continuidade, com contornos ainda indefinidos, mas sempre entusiastas.


Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques Correcção: Ana Bastos

02 de Dezembro de 2016

1 Através das artes cénicas, plásticas e performativas, procura o desenvolvimento social participativo e a divulgação desses mesmos direitos fundamentais. Para acrescentar uma componente de pedagogia e de educação, promove paralelamente uma feira de Organizações Não Governamentais presentes no local, que são também convidadas a participar nas actividades do festival. O Festival HUMANO é um festival social, apartidário e sem fins lucrativos, com uma forte componente de integração das comunidades. Com esta candidatura,

pretendemos levar o Festival HUMANO até São Tomé e Príncipe.

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