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Entrevista à Comunista Ana Pato

No XIX Congresso do PCP falou sobre a luta anti-fascista e da forma como o fascismo se apresenta, sempre de forma renovada. De que forma podemos aprender com as experiências passadas do fascismo? Com as lutas anti-fascistas dos comunistas?

O fascismo confirmou-se no século passado como uma forma particularmente violenta de regime (ou de regimes, atendendo às especificidades nacionais sem, no entanto, querer branquear, como alguns convenientemente pretendem, traços comuns e gerais).

Acho que uma das principais lições que podemos tirar dessas experiências passadas, em relação com as experiências actuais, é que o capitalismo tem uma grande capacidade de adaptação às circunstâncias e de fazer valer formas de regime e formas de governo que melhor garantam a sua preservação enquanto sistema. É isso que fundamentalmente sempre está em causa.

Se, em determinados momentos e lugares, a social-democracia é o melhor garante para, por via do poder do Estado, promover a apropriação privada da riqueza criada, noutros momentos e lugares, as formas ditatoriais são o recurso necessário. Aliás, são conhecidas as ligações desses Estados fascistas às grandes empresas.

Dessas experiências podemos aprender como o capitalismo é um sistema económico capaz dos piores horrores contra os seres humanos, individualmente considerados, e contra a humanidade.

Mas podemos também aprender – e isto não é uma proclamação de boas intenções: é um facto – que é possível derrotar os piores projectos, mesmo quando a correlação de forças nos parece (e é) extremamente desfavorável. E isto dá-nos uma perspectiva histórica e de futuro.

A derrota do nazi-fascismo é uma lição contra a desistência e contra a abdicação. Essa luta mostrou-nos como os homens e as mulheres são capazes dos maiores feitos, sobretudo se inseridos num colectivo que confira sentido e poder à sua acção.

Essa luta mostrou-nos como os comunistas estiveram na linha da frente contra o fascismo e na defesa da democracia e como foram capazes de promover as alianças que na altura se impunham com os demais sectores democráticos.

Refere que é preciso combater os seus ideais. Tendo em conta a História Europeia, Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, as principais ditaduras fascistas em que os seus regimes foram derrotados, o que falhou e falha para que se consiga derrotar definitivamente a ideologia?

Não há, creio, uma resposta única e simples: a situação é, por natureza, complexa. Mas, pelo menos para situar o problema, é preciso termos em contra três coisas: o fundamento material da ideologia, a sua autonomia relativa face a esse fundamento e a sua função prática. Não nos esqueçamos que (peço desculpa por relevar algo que é tão bem sabido) a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante. E é este sistema que promove tal ideologia. Por isso, verdadeiramente, não se pode falar da derrota definitiva da ideologia fascista sem se ter em conta a derrota definitiva das suas causas.

E, mesmo assim, a complexa mediação que existe entre as causas objectivas e o conjunto das representações da consciência que aquelas originaram (em que a ideologia se insere, seja ela verdadeira ou mistificadora) faz com que o desaparecimento das causas não implique imediatamente o desaparecimento definitivo de determinada ideologia.

(E, já agora, permita-me este parêntesis, uma forma mistificadora de apresentar o problema do fascismo e da sua ideologia passa por apresentá-lo como resultado de indivíduos, além do mais loucos, escondendo as suas verdadeiras causas: os interesses objectivos colectivos de determinada classe)

Mas, sem dúvida, que se pode e deve (é, aliás, um imperativo, uma tarefa primeira dos comunistas!) falar de combater, no quadro da actual situação, a ideologia fascista. É um problema de correlação de forças (no plano objectivo e subjectivo). Uma das funções práticas da ideologia fascista é dividir a classe trabalhadora, de que estas encontrem nos seus inimigos de classe um seu falso representante. Pois os comunistas sabem bem que é na unidade de todos os trabalhadores que reside a sua força e capacidade transformadora.

Como referi, fez uma abordagem sobre o fascismo, para a juventude comunista, de forma geral, o que podemos aprender sobre a nossa ditadura fascista, sobre a luta comunista, as privações, a fome, a tortura e o apoio a Hitler...?

Para além do que foi dito acima de forma geral, acho que, apesar dos mais de 40 anos que nos separam do 25 de Abril (e 40 anos é muito para um jovem de 15 anos, por exemplo), existe ainda memória histórica na juventude portuguesa, pelo menos junto de algumas camadas, do que foi a ditadura e a resistência a ela. Os comunistas são tidos – e justamente – como os principais (embora não únicos) resistentes antifascistas em Portugal. Para isso muito contribui, de forma insubstituível, a JCP, o PCP e também a URAP. Para a preservação da memória, para a denúncia, para que não mais se repita.

O caso português mostra também muito bem como o fascismo se tratou de aplicar pela força e recorrendo ao poder do Estado a aceleração da concentração de capitais: mas deste aspecto, por exemplo, creio que não há uma percepção generalizada, e ainda menos na juventude.

A tarefa de hoje não é só a da preservação da memória; é também o do combate ao branqueamento e à reescrita da história. E este trabalho de branqueamento e reescrita avança, tem resultados, e os meios de combate são desiguais: desde logo as orientações dos manuais escolares (seja por via da omissão ou da deturpação ou da utilização de categorias históricas de carácter duvidoso) e o papel da comunicação social dominante, nas mãos de grande grupos económicos.

"… é preciso contrariar a ideia errada de que anti-fascista é aquele que lutou antes do 25 de Abril” De que forma é que vê como errada esta ideia? Que perspectiva tem sobre quem lutou durante os 50 anos (1) de ditadura e hoje passou para o lado do 25 de Novembro/cia/fmi...Como se pode mudar esse paradigma de falta de luta?

Antifascista é aquele que lutou no passado e aquele que luta no presente contra o fascismo. São os velhos e são os novos. As principais tarefas que se impõem hoje são, no entanto, talvez diferentes das do passado. E, creio, que um dos aspectos centrais da luta antifascista hoje é o da preservação da memória por um lado (é também um trabalho de denúncia) e, por outro lado, o do combate ao branqueamento e reescrita da história pelas classes hoje outra vez dominantes (e que tremeram com a revolução dos cravos). Deste ponto de vista, é um trabalho sobretudo ideológico. Mas passa também pela defesa (ideológica e também prática) do conteúdo democrático do regime tão fortemente atacado: passa por lutar contra o impedimento da acção dos sindicatos, o impedimento de manifestações, de Reuniões Gerais de Alunos, etc.

Em todos os momentos históricos houve traidores dos interesses dos trabalhadores e das causas proclamadas. Nuns casos houve mudança do lado da barricada, noutros casos não. E isso é desde logo uma lição que se transporta do passado para o futuro.

Não creio que haja falta de luta. Mas isto não quer dizer que o nível dessa luta esteja ao nível da ofensiva. Não está. É necessário intensificar e agudizar essa luta. Porém, há sim a disseminação da ideia geral de que não há luta. E essa ideia visa paralisar. No entanto, é uma afirmação que não corresponde à prática. Veja-se, por exemplo, as grandes acções da CGTP, as pequenas lutas nos locais de trabalho, as lutas da juventude, as acções do movimento da Paz ou mesmo acções de carácter político-partidário promovidas pelo PCP e pela CDU.

A sua dissertação de mestrado foi: «Materialismo e Idealismo na Física do Final do Século XIX e Início do Século XX a partir de Materialismo e Empiriocriticismo de Lénine. O caso exemplar da interpretação bohriana da mecânica quântica» O que aprendeu? Para quem não tem conhecimentos sobre as teorias Leninistas em traços gerais o que significa e como podemos aprender sobre estas teorias e estudos?

Ao ler Materialismo e Empiriocriticismo ficamos – eu pelo menos fiquei – com a percepção da imensa actualidade e pertinência daquelas ideias. E as razões são várias. Aquele debate trata-se de uma disputa historicamente localizada, mas, a partir dela, sobressai todo o conjunto da teoria materialista e dialéctica do conhecimento. E isso seria já de si suficiente. Mas lá transparece também por que não é indiferente, de um ponto de vista prático, a adopção de um ou outro ponto de vista filosófico. Seja isto na filosofia, na ciência ou na política. Veja-se, pois, como Lénine considerou relevante estudar um enorme conjunto de obras para intervir polemicamente num debate motivado por uma situação em que o posicionamento político e o posicionamento filosófico dos intervenientes não coincidia em muito casos.

A partir da exposição da teoria do conhecimento que nesta obra de Lénine é exposta, na qual se inclui uma abordagem ao idealismo na física do seu tempo, eu olhei para os textos de Bohr, um dos fundadores da mecânica quântica, e concluí que neles perpassava um conjunto de interpretações idealistas e agnósticas dos resultados desta disciplina científica, cujos problemas filosóficos se transportam para os dias de hoje.

De que forma é que este estudo a desenvolveu enquanto comunista e enquanto investigadora de História e Filosofia?

Não há nada que dispense um comunista de estudar. Um comunista que não estude, que não aprenda infelizmente não está a cumprir o seu papel. Não estou a dizer que isso seja apenas uma responsabilidade individual. É também colectiva.

Não estou a falar daquela aprendizagem que se obtém na intervenção prática, que é, não haja dúvidas, imprescindível e insubstituível. Estou a falar da aprendizagem da teoria revolucionaria. Isto porque a vanguarda tem de estar munida do conhecimento científico do desenvolvimento da história e da sociedade para se saber situar nela e saber orientar a acção das massas. E isto não é algo que, por si, se obtenha nas tarefas e na intervenção diária. Achar isso é um engano.

Não estudar significa deixar-mo-nos orientar não por um entendimento científico dos processos, mas sim ficarmos à mercê do chamado senso comum que não é mais do que os valores da ideologia burguesa que paira no ar em tudo o que fazemos. Significa deixar estagnar a teoria revolucionária, em face de um mundo em desenvolvimento.

O facto de ter sido a partir de uma situação académica que pude ler aquela obra de Lénine teve a grande vantagem de, por um lado, me obrigar ao estudo cuidado e rigoroso das ideias, de me ter proporcionado o tempo e acrescentado outro tipo de motivação e de, por outro lado, de poder tentar contribuir para a divulgação do materialismo dialéctico e das suas potencialidades – pelo menos assim espero. A partir daqui, tenho o objectivo de olhar para as diferentes interpretações da mecânica quântica e tentar perceber em que medida elas correspondem à oposição, mais fundamental, entre materialismo e idealismo.

Como devemos e podemos ver a queda da RDA/União Soviética, o rumo de muitos partidos comunistas para o euro-comunismo, a fuga das democracias para o capitalismo puro e duro como em Portugal e Espanha? Através da História e da Filosofia como podemos aprender e desenvolver o país e o mundo para o progresso?

Como se diz, o século XX não foi o da “morte do comunismo”, mas sim o do nascimento do comunismo como forma nova e superior da sociedade.

E a construção dessa nova forma de sociedade tem os seus revezes. E a derrota da URSS e dos países socialistas foi um grande revés, não só para esses povos, mas para todo o mundo. Significou mais guerra, mais pobreza, menos direitos sociais, políticos, económicos... Resumindo: um retrocesso civilizacional à escala global. Com a existência da URSS, disseminou-se a ideia de que havia a possibilidade de uma transição pacífica do capitalismo para o socialismo e importantes Partidos assimilaram essa ideia programaticamente. Foram, de facto, mais depressa ou mais devagar, abdicando de uma perspectiva revolucionária e transformando-se em ou aliando-se à social-democracia. E isso deixa a classe trabalhadora desarmada.

Aquilo que podemos aprender a partir da História e da Filosofia é a tal perspectiva revolucionária (teórica e prática) de que falava acima. Mas esta não é a que se ensina, de forma geral, nas escolas.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

Resumindo: o socialismo. Com tudo o que isso comporta. Só que despedido de uma perspectiva utopista. Marx, Engels e Lénine deram-nos esse contributo, o que nos coloca mais próximo da sua realização.

(1) Ditadura militar e a Ditadura do Estado Novo

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques Correcção: Mário Martins

27 de Dezembro 2016

26 de Dezembro de 2016

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