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Entrevista ao Actor Miguel Hurst

Como foi participar no filme e série “Njinga, Rainha de Angola”, acerca de uma das mulheres mais importantes deste país?

A participação no filme foi um processo de construção muito interessante e complexo. Falo não só da construção do meu personagem, Njali (conselheiro e amigo de infância da Rainha), mas de todo um processo de estudo histórico do enredo, que tive o prazer de assistir de perto.

O meu personagem foi mencionado numa obra holandesa do século XVII. Foi difícil arranjar referências que-me pudessem ajudar a construir o mesmo de um ponto de vista mais psicológico, pois pouco havia escrito sobre ele. Esta foi a primeira dificuldade.

Ultrapassada, através de recorrência a outras ferramentas, senti que tinha algo concreto para animar o Njali.

Houve uma parte de treinos físicos e de treino de armas como a Zagaia (arco e flecha), lança e espada que completaram este processo de construção.

Neste sentido fui, e tenho a impressão que os meus colegas também, muito bem preparado para enfrentar a palavra “Acção”.

Foi enriquecedor estar envolvido no ambiente do parque da Kissama, onde estivemos semanas a fio, no meio de macacos, elefantes, hipopótamos, crocodilos, rio, sanguessugas, mosquitos etc... etc... etc...

Foi sentir o ambiente das aldeias, que outrora devia ser muito parecido. Portanto estivemos a filmar em condições, únicas na minha carreira, ideais par dar veracidade à estória.

A importância de participar nesta produção que, do ponto de vista histórico, é um dos pontos altos da História de Angola, foi para mim um dos pontos altos da minha carreira. Assim, claro que foi preenchedor e enriquecedor. Gostei do personagem e senti-me honrado de poder participar nesta aventura. A qualidade técnica e de representação dos colegas, complementaram esta minha satisfação

Disse em entrevista ao Novo Jornal “Estamos a criar uma classe de artistas incultos”. Como se pode mudar este paradigma? O que é preciso mudar para que a cultura chegue a todas as profissões e se consiga realmente aprender com ela?

Sim, afirmei-o, pois na altura o ensino artístico ainda não era uma realidade concreta no nosso país. Hoje em dia temos duas escolas (média e superior) que, nos seus passos iniciais, estão a tentar colmatar esta lacuna. O ensino, a informação, as políticas direccionadas e sustentadas, são a solução para resolver este paradigma.

Não basta ter talento e uma história cultural muito rica. O investimento nestes valores através de políticas apropriadas, essas da responsabilidade do estado e dos órgãos de tutela, que se devem responsabilizar pela implementação do ensino (que deve começar no sector primário), dos apoios (que devem ser constantes), da divulgação de criações nacionais (a nível nacional e internacional), da preservação e manutenção da nossa memória colectiva (que tem de ser prioritária), são a chave para termos sucesso no mundo artístico-cultural e podermos falar numa “Imagem de arte e cultura angolana”, numa cultura visual angolana.

Entrou na série “Riscos”. Como foi participar numa série que mudou a ficção nacional e que marcou a juventude, ao ponto de ainda hoje muita gente se recordar por ter sido uma série muito importante?

Bem... Sem dúvida que esta série marcou toda uma geração, tanto em Portugal (de onde é oriunda), como em Angola (onde foi vista diversas vezes).

A minha participação, soube-me muito bem. Foi a primeira vez em que-me foi dado a liberdade de poder representar como eu sentia o personagem. Com isto eu quero dizer que me foi permitido um campo de acção muito vasto. Dei-me muito bem com os realizadores e estes apostaram na minha criatividade. Foi um dos passos mais importantes na construção, que continua, de mim como actor.

Este ano entrou no filme “A Ilha dos Cães”, uma ilha com um nome do qual não se conhece o significado, que tem uma fortaleza que foi a prisão dos inimigos e que passadas algumas décadas está a servir para a construção de uma estância turística. (1) Para si representar neste filme onde se fala sobre a prisão, sobre a vida dos pescadores, sobre o capitalismo a sobrepor-se às gentes e a fazer esquecer a história dramática e penosa dos pescadores e presos é fundamental? Que significado tem para si entrar nestes filmes que abordam temas tão importantes?

Claro está que, do ponto de vista sócio-político, antropológico, ético, humanista, ambientalista. etc... etc... etc... É sempre importante participar neste tipo de “statements”.

Mas não nos podemos esquecer que sou actor. Fui chamado a interpretar um personagem, ao qual tive que dar vida, veracidade... O qual tive que sentir, para poder ser possível, estas questões postas na sua pergunta, fazerem sentido.

Assim sendo; foi dos personagens mais fortes que fiz até hoje. Pedro Mbala foi um dos maiores desafios que enfrentei até agora. Penso que aprendi muito com o Jorge António (realizador) com o Toni (dir. fotografia), com a minha super colega Ciomara Morais, com o José Eduardo óptimo actor, enfim... Aprendi imenso sobre a arte da representação. Fiquei mais humano!!!!!!

Deu a cara e a voz ao filme da Diana Andringa “Operação Angola: Fugir para Lutar”, sobre a fuga clandestina de 60 estudantes das ex-colónias portuguesas e de Portugal. Para além de querer conhecer melhor a história dos seus pais, o que mais o motivou e o que aprendeu com as histórias que ouviu, e com o processo de investigação para poder contar este acontecimento tão fracturante para esses estudantes, para os seus filhos e para outras gerações angolanas?

Cresci num meio de ideais revolucionários únicos, quando abordados do ponto de vista da história da luta de independência dos países africanos de expressão portuguesa.

A história já a conhecia, pois os meus pais tiveram uma participação activa nela. Foi por causa dela, que eu nasci na Alemanha.

Há razões, que na resposta anterior mencionei, que para mim foram de vital importância:

Não podemos nem devemos deixar lacunas na nossa História. Temos obrigações, como artistas, de deixarmos testemunhos que possam servir de referência às gerações futuras.

Como crescer sem as mesmas? Como construir sociedades com uma identidade particular, sem exemplos de tenacidade de vontade de afirmação absoluta? Não se pode!!!!!

Portanto, o que me motivou em primeira instância, foi a vontade “egoísta” de fazer uma homenagem aos meus pais. O que me empurrou para esta aventura, obrigado Diana, foi a necessidade intrínseca do meu ser, de contar a nossa História e deixar esta documentação a alimentar a nossa memória colectiva!!!

Foi director do Instituto de Cinema em Angola, trabalhou também no Elinga Teatro com António Ole e foi director do departamento do elenco da TPA. De que forma é que estes trabalhos foram enriquecedores para si, o que aprendeu e como é que estes trabalhos e os acima referidos foram determinantes para a sua formação enquanto pessoa e enquanto actor?

Trabalhei com o António Ole (“meu mestre” e nessa altura cenógrafo e designer) num projecto que, como Director e co-fundador do Grupo de Teatro Pau Preto, produzi e encenei. A co-produção com o Elinga Teatro foi, nesse ano, a primeira. Nunca trabalhei para o Elinga, só em regime de colaboração e com muito prazer.

Foi a minha primeira encenação em território angolano. O que me introduziu profundamente no mundo “da tábua” nacional.

A experiência no IACAM (6 anos) e na TPA (4 anos) ajudaram-me a conhecer melhor o meu país, ajudaram-me a entender melhor o interior e a complexidade de estruturas estatais angolanas. Tive a oportunidade de contribuir tanto no campo legislativo (Lei de cinema) e criativo (FICLuanda) como no lúdico (lancei muitos actores na TV) deste país.

Todos os trabalhos em que participei de corpo e alma, marcaram o meu desenvolvimento como pessoa e como actor óbviamente.

Será que como pessoa fiquei mais satisfeito? Mais amargo? Mais adulto? Mais reflexivo? Mais sozinho?... Quem sabe, acho que foi de tudo um pouco. Tenho uma certeza: Fiquei mais EU!!

Quais são os seus sonhos para Portugal e para Angola?

Este tipo de pergunta são sempre um pesadelo de responder...

Paz, amor, prosperidade, liberdade, coerência. Deixem-nos ser como somos e aproveitem o bom que podemos dar ao país. Não desperdicem. Não somos eternos...

Luanda, 30 de Setembro, 2016

(1) http://filmpt.com/a-ilha-dos-caes/

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Jú Matias

30 de Setembro de 2016

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