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Entrevista à Rapper Capicua


Título Da Foto Clara Não Foto De Pedro Geraldes


Diz que o seu Maria Capaz é para satirizar o facto de as mulheres que são rappers serem consideradas como Marias Rapazes. Desde que começou a cantar e desde que lançou este álbum Maria Capaz, tem sentido alguma mudança na visão sobre as rappers, vendo-as mais como capazes do que como rapazes? O que é que é preciso para que se consiga quebrar esta visão machista?

Acho que tudo o que está fora da norma provoca estranhamento e isso é normal. E acredito que, à medida em que começa a haver mais visibilidade e exemplos de mulheres no Rap, o exotismo esmorece. A tendência será a de começar a haver mais miúdas que começam a fazer música e para quem nem se põe essa questão... Até porque o género não é critério válido para catalogar e avaliar a música de ninguém e haverá certamente uma evolução progressiva nesta matéria...

Já tem 11 anos de percurso como cantora rapper militante no underground. Em que é que esse percurso contribuiu para o sucesso destes álbuns como Capicua?

Se não fosse esse percurso no circuito Hip Hop, não teria as ferramentas que tenho hoje (quer técnicas, quer humanas) para fazer o meu trabalho. Aprendi muito com o Hip Hop, a cultivar o espírito DIY, a desenvolver a auto-superação, a praticar a competição saudável entre pares, entre muitas outras coisas que são importantes para quem quer desenvolver a sua capacidade de trabalho e o seu espírito criativo. Para além disso, foi o Hip Hop que me fez apostar na minha vocação para a escrita e, anos mais tarde, num percurso profissional ligado à música.

Que bagagem é que lhe deu a participação em Ep.s, ter feito mixtape sozinha e ter colaborado com produtores e rappers?

Deu-me a experiência e a segurança necessária para me aventurar para um primeiro disco “a sério”!

O seu álbum Sereia Louca fala muito sobre as mulheres, sobre as bonitinhas e sobre a realidade que as mulheres vivem. Qual é a sua motivação para protestar através das letras e nas entrevistas sobre a vida da mulher e da sociedade em geral?

A minha música espelha as minhas preocupações, causas e bandeiras. Como mulher e defensora dos direitos humanos, o feminismo é, obviamente, uma delas. E como tal, tem grande protagonismo nas minhas canções. Sou daquelas românticas que ainda acreditam que a música é uma ferramenta para a mudança do mundo.

Teve a ideia para o nome do projecto da Marta Bateira – Beatriz Gosta e contribuiu para o formato do projecto. Como vê o sucesso deste trabalho? Como se sente por ter contribuído de alguma forma para a sua construção?

Muito orgulhosa. Fiz e faço parte da equipa que está por trás do canal Youtube e vejo com muito entusiasmo o seu desdobramento em outros formatos e meios. Fico muito feliz porque sempre acreditei no talento da Marta e gosto muito de ver o seu trabalho em TV e rádio. Ela merece tudo isso e espero que possa vir a fazer muitas outras coisas como Beatriz Gosta!

Começou aos 15 anos a fazer graffitis. O que representou para si fazer arte de rua e poder intervir através dessa arte?

Foi uma fase muito enriquecedora. Não só porque é sempre bom desenvolver um trabalho criativo, mas porque através do Grafitti estreitei muito a minha relação com o espaço da cidade. Aprendi a mover-me com muita liberdade na cidade, durante a adolescência e a sentir-me em casa.

Hoje a sua intervenção/protesto é através das letras que escreve. Como vê a importância de intervir em várias frentes e como vê o seu processo de aprendizagem quer na luta social, quer na música ao longo destes anos?

Acho que a música me deu a confirmação de que as minhas palavras têm um impacto e que posso exercer a minha cidadania através delas. Além disso, tem aberto outras portas, para que possa estender a minha acção e influência, como por exemplo nas conferências e debates para que me convidam, nas crónicas na revista Visão, em projectos sociais em que estou envolvida, como o OUPA (integrado no programa “Cultura em Expansão” da CMP), etc.

Cresceu a ouvir Zeca Afonso, José Mário Branco e Sérgio Godinho. Hoje partilha o palco com Gisela João e M7. Qual a influência que todos estes artistas tiveram / têm em si? O que é que adquiriu através dos seus trabalhos que lhe permitiu evoluir?

A música que os meus pais ouviam e que marcou a minha infância levou-me a associar palavra e música como indissociáveis. E palavra não apenas enquanto objecto estético, mas enquanto veículo de discurso, enquanto forma de posicionamento. Acho que foi por reconhecer o mesmo poder no Rap, anos mais tarde, que me envolvi com a cultura Hip Hop!

Já tocou com intérpretes de diversos estilos, inclusive de outro tipo de rap. Em que é que essa partilha de vivências, experiências e saberes culturais, sociais e musicais contribuíram para o seu crescimento enquanto pessoa e enquanto artista?

É sempre bom fazer música com outras pessoas, porque aprendemos sempre muito e experimentamo-nos na aproximação a outras linguagens. É muito inspirador!

Refere que as mulheres têm muita dificuldade em assumir que gostam do que fazem, que falta uma socialização das mulheres para conquistar o espaço público, que há falta de noção para a falta de direitos e para a repressão das mulheres por se viver numa sociedade patriarcal. Como se pode consciencializar as mulheres para lutarem contra a violência, para lutarem para conquistar o seu espaço, o seu trabalho?

Eu não disse que as mulheres têm dificuldade em assumir que gostam do que fazem, eu digo é que as mulheres não são estimuladas a fazer o que gostam! Há uma pressão social para que priorizemos os relacionamentos, a família, o cuidado com o corpo e outras coisas que nos desviam do desenvolvimento dos nossos talentos e projectos pessoais. E acho que, para combater esta e outras formas de condicionamento, temos de desconstruir as bases da nossa cultura patriarcal e começar a falar sobre isto, a fazer diferente e a estimular-nos a nós próprias, umas às outras e aos nossos filhos, a viver de uma forma mais livre!

Quais são os seus sonhos para Portugal?

Que consigamos ultrapassar estes anos difíceis dando prioridade às pessoas e não aos números. Que ponhamos o interesse comum, acima do interesse de alguns e que tenhamos em conta que é preciso pensar o país e a Europa segundo um novo paradigma.

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Fátima Simões

10 de Outubro de 2016

07 de Outubro de 2016

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