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Entrevista ao Professor, Maestro e Mestre da Cultura Paulo Tojeira

Tendo em conta que o Tocándar é um projecto importante, como é que é possível que há anos estejam com dificuldades em encontrar um espaço com condições dignas para os alunos, e sejam constantemente esquecidos e desprezados pela autarquia? Como é que tem conseguido aguentar o barco e conquistar cada vez mais jovens?

Na verdade, com muita persistência e imaginação, vamos conseguinto manter este projecto em funcionamento. Foram dados passos no sentido de se arranjar uma solução definitiva para a nossa instalação. É uma solução que não nos agrada, mas foi a solução possível. Entretanto, estamos em instalações provisórias, cedidas pela câmara municipal. Ensaiamos no Parque da Cerca (um dos parques da Marinha Grande), o que até nos agrada, excepto quando chove! Nessas alturas, temos de usar de artes de magia, para conseguirmos cumprir satisfatóriamente os objectivos traçados. Temos actividades abertas a todos às quartas e aos sábados e temos núcleos em escolas do 1º ciclo e na APPACDM.

“Projecto Identidade na Diversidade” como é que surgiu este projecto em parceria com a APPACDM? Para o Paulo é importante promover actividades culturais com estas pessoas especiais? Ao longo de 10 anos com os utentes da APPACDM o que é que tem aprendido, tem sido uma experiência enriquecedora?

Um belo dia, estávamos a ensaiar perto da APPACDM e vários utentes vieram ver o que se passava... Fui convidá-los para integrarem o nosso projecto! E tem sido um caminho muito interessante, com aprendizagens mútuas.

Mas creio que se quem de direito assegurasse um pouco de condições, poderiamos realizar um trabalho ainda mais interessante, tanto na APPACDM, como nas escolas do 1º ciclo e na Associação de Reformados, onde tivemos já um núcleo (o Kotandar).

Já leva 16 anos à frente dos Tocándar. Como se sente ao dar alegria aos jovens, a permitir-lhes mais aprendizagem, darem largas aos seus sonhos, criarem mais amizades?

Provavelmente, darei alguma coisa aos jovens com quem percorro estes caminhos. Mas eles dão-me também muito! Trata-se, portanto, de uma troca em que ambas as partes se sentem felizes e realizadas. E o que nós inventamos todas as semanas, ninguém imagina! Fico com a certeza de que a juventude é a melhor coisa do mundo! Quando conseguimos ter cumplicidades, estamos a construir os homens e as mulheres de amanhã! E, por outro lado, é muito interessante criar linguagens comuns, a partir do estudo das nossas tradições.

Apresentou recentemente o espectáculo de homenagem a Adriano Correia de Oliveira. Ter-se solidarizado à homenagem a este homem fulcral da música popular portuguesa e de protesto teve um sabor especial? Foi gratificante?

É uma honra ser convidado a participar como apresentador num espectáculo de homenagem a um grande expoente da cultura. Até porque tive também a honra de partilhar o palco com o Adriano. Guardo dele a figura de um “doce gigante”. Eu coordenava um grupo de jovens, muito jovens e andávamos de norte a sul a participar em iniciativais culturais, no pós 25 de abril de 1974. Faziamos parte do concerto, que normalmente era encerrado por ele. Convidáva-nos sempre a tocarmos alguma coisa em conjunto. Era para nós um grande orgulho... e era impressionante aquela modéstia...

Como é que nasceu o gosto pelas tradições, pela cultura? Desde que se dedicou à partilha dessas tradições e à sua descoberta o que é que tem recolhido que queira referir?

Eu sempre me conheci a “rimar” com as diversas artes tradicionais. Esse apetite vem certamente das minhos opções de vida e certamente apuradas pelo fecto de ter vivido 11 anos no estrangeiro, onde estudei. Quando fui viver para o estrangeiro, Bulgária, decidi, com alguns colegas, “montar” um grupo de música portuguesa, sobretudo tradicional e um rancho folclórico. Como “vale mais cair em graça, que ser engraçado”, foi um sucesso. Realizámos grandes espcetáculos por todo o país, divulgando a nossa cultura. Durante esse período, tive oportunidade de estudar melhor diversos aspectos da nossa identidade.

Desde a existência do grupo têm trocado experiências com outras bandas e colaborado em Cds. É um trabalho essencial para si e para os jovens, para o conhecimento da música, e pela troca de experiências?

Temos colaborado na gravação de alguns Cds e editámos também dois CD´s nossos. Para além de dois DVD´s. Fomos , aliás, o primeiro projecto português a editar um DVD de percussão.

Diz na entrevista ao blogue anteriormente referido que o maior obstáculo que tem encontrado nos Tocándar é a enorme falta de cultura existente, como é que se combate esse grande problema?

Para alterar essa realidade, é necessário trabalhar em multiplas direcções. As escolas têm um papel muito importante. Provavelmente, chegará o dia em que todos os alunos terão educação musical até ao 9º ano... e terão a possibilidade de aprender dança... etc. Mas as colectividades e as autarquias, também têm um papel muito importante. Algumas assumem o seu papel. Outras, nem tanto... Para algumas autarquias, nomeadamente, é muito mais “proveitoso” dar “pão e circo” ao povo, do que trabalhar em prol de uma identidade cultural.

Até onde podia chegar se a Associação Tocándar tivesse mais reconhecimento?

Provavelmente teriamos já uma intervenção regular ao nível das escolas do 1º ciclo no nosso concelho. E poderiamos até “replicar” a nossa experiência por outras cidades. A percussão é uma espécie de “vírus”: espalha-se com uma enorme facilidade. Apesar de todas as limitações, creio que temos desenvolvido um trabalho assinalável.

Uma das suas últimas publicações no blogue Grizalheiro é sobre a ex-URSS e sobre um ciclo de filmes. O que é que o fascina na ex-URSS? Para si a extinção das Repúblicas Socialistas foram um grave percalço para o progresso do mundo?

Eu estudei na Bulgária, mais precisamente na República Popular da Bulgária, que considero a minha segunda Pátria. Tive a oportunidade de fazer uma licenciatura, uma especialidade e um doutoramento. Tive também o privilégio de conhecer centenas de jovens de todo o mundo, hermanados na busca de um saber científico, social, cultural, político. A R. P. da Bulgária não era um país perfeito. Não haverá certamente países perfeitos... Mas creio que muitas necessidades essenciais estavam bem resolvidas: acesso gratuito a uma educação de qualidade, em todos os níveis de ensino; acesso gratuito a cuidados médicos; habitação a preços controlados e indexados aos vencimentos; bens de primeira necessidade a preços controlados; etc. Mas, naturalmente que nem todas as soluções encontradas para a realidade búlgara eram do meu agrado.

A questão que refere e sobre a qual escrevi no Grizalheiro, tem a ver com a Grande Guerra Patriótica. É uma série de filmes (6), que dão pelo nome de “Libertação” – Osvobojdenie. Retratam a epopeia do Exército Vermelho no combate ao nazi-fascismo, que termina com a tomada do Reichstag. Nele são evidenciados o heroísmos dos soldados e dos povos soviéticos e a extraordinária capacidade de organização e liderança dos oficiais superiores e de Stalin. Creio que é um documento essencial para se entender o curso da guerra, sobretudo na actual realidade, em que se pretende reescrever a história. O que me fascina… tudo o que é humano me fascina! E creio que, sem o envolvimento da URSS, os seus povos, exércitos e liderança, todo o decurso posterior da história teria sido muito diferente…

Depois da desintegração da URSS o mundo não ficou melhor… antes pelo contrário. E um dia, com o distanciamento temporal adequado, pensadores insuspeitos farão a análise que hoje já é perceptível ao nível de alguns teóricos de vanguarda: o fim da URSS originou, objectivamente, um extraordinário retrocesso civilizacional; os erros e até traições decorrentes do processo de construção e desintegração da URSS, oferecem inesgotáveis fontes de ensinamento aos povos de todo o mundo.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

O “25 de abril de 1974” é uma “revolução inacabada”! Sabemos todos que as revoluções não têm data marcada... As lutas dos povos têm altos e baixos. Mas é certo que não podemos ficar como a nêspera, “que estava na cama, deitada, muito calada, a ver o que acontecia”… O nosso povo tem de ser agitado, informado, organizado e a parte mais consciente e activa deste povo, há-de tomar as rédeas na construção de uma sociedade de “novo tipo”, incomparavelmente mais democrática que as anteriores…

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: B.T

07 de Junho de 2016

07 de Junho de 2016

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