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Entrevista ao Realizador e Encenador Jorge Silva Melo dos Artistas Unidos

Como actor, representou para João César Monteiro, Manoel de Oliveira ou João Botelho., realizadores tão importantes para o cinema Português. Também passou por Milão e por Berlim. De que forma esses factos o fizeram enriquecer enquanto actor?

Como actor trabalhei sobretudo em espectáculos de que eu também era o organizador. No Grupo de Letras, no Teatro da Cornucópia, ou por vezes nos AU. Mais tarde, em França, na Alemanha e na Suíça com Jean Jourdheuil com quem partilhava igualmente a ideia do espectáculo. No cinema fiz pequenos papéis em alguns filmes com realizadores que prezava, foram as únicas vezes em que trabalhei "para o desejo de outros". E não gostei nada, estava sempre a pensar em como poderia ser aquilo, estava sempre a pensar enquanto realizador e não conseguia o abandono que o actor tem de ter à música do outro. É como quem não sabe dançar, não conseguia aprender o ritmo que me era imposto pelo outro. Nesse aspecto, aprendi a fragilidade do trabalho do actor e tento, ao trabalhar com eles do "lado de cá", ouvir-lhes o tempo mais do que imprimir-lhes uma vontade, segui-los mais do que mandar neles, amá-los mais do que ser obedecido. E tenho-me dado bem com isso. Também por sentir a fragilidade do actor, tento convencê-los a criarem projectos próprios, a não dependerem dos outros, a não terem medo. São as pessoas de quem mais gosto, vivo com eles.

As minhas estadias em Berlim (com Peter Stein) ou Milão (com Strehler) ou em Lyon (com Patrice Chéreau) foram a acompanhar espectáculos fulcrais desses grandes criadores. Eu era estagiário. E aprendi a intensidade do ensaio, o seu lado sagrado, o respeitar o momento paradoxal e único do gesto do actor.

Essas vivências tiveram influência no facto de mais tarde se tornar cineasta e encenador?

Fui cineasta e encenador antes de ter partido para Berlim e para Milão. Já fazia filmes e já tinha uma década de teatro. Sim, tiveram enorme influência na minha maneira de repensar o teatro e o cinema, foram três anos felizes a pensar em aproveitar tudo, a disciplina e a indisciplina, o rigor e a liberdade, a fidelidade e o ritmo. Mas comecei a fazer teatro e cinema como autodidacta, sem cursos nem canudos, com paixão apenas. E muito teatro e muito cinema - e muito livro .- e muita pintura vistos.

Fundou o Teatro da Cornucópia com o actor e encenador Luís Miguel Cintra e formou uma Cooperativa (Cooperativa de Cinema) entre 75/79, o que foi certamente uma aprendizagem enriquecedora. Considera que foram dois pontos essenciais para a sua formação enquanto profissional no meio do teatro e cinema?

Sim, eu tinha 23 anos. Foi lá que comecei, foi lá que consegui pensar activamente. E o que é pensar activamente? Ensaiar...

Os Artistas Unidos, de que foi igualmente fundador, comemoraram 20 anos de vida em 2015. Como têm sido estes 20 anos a fazer teatro, filmes, exposições, recitais e seminários?

Não foram fáceis, foram dolorosos e bonitos. Tanta gente, tanta gente que encontrei, tantos autores, tantos actores, tantos trabalhos. Mas tudo na corda bamba, mal instalados, dependente de poderes muito injustos, de modas que se afirmam, de traições. Mas durmo feliz. Angustiado, inseguro, assustado, mas feliz.

Viver a cultura, as artes, poder proporcionar outro tipo de experiências ao público, conhecer novos autoras/autores, actrizes/actores, conhecer outro tipo de intelectualidade… Que riqueza cultural lhe tem proporcionado tudo isto a si e ao público?

Ainda ontem o Mário de Carvalho me dizia: é o melhor de nós, isto que conseguimos criar. Nem sabemos bem como eram as políticas de Florença dos Medicis (injustas, más, com toda a certeza) mas o Michelangelo ainda nos ilumina a vida, ainda nos abraça e consola. E impulsiona para exigirmos um mundo mais bonito. E, dedicando-me eu ao teatro mais do nosso tempo, como é bom ouvir as vozes de quem ontem ainda, estava a pensar no mundo de hoje, como é bom encontrar do outro lado do mundo, gente que tem uma palavra para nós, tão bom.

Foi convidado pela Gulbenkian para fazer um documentário sobre Palolo. Entretanto, encontrou Álvaro Lapa, que lhe disse haver mais histórias para contar, e então surgiram Glicinia, Bartolomeu, Álvaro Lapa e António Sena. O que significa para si contar estas histórias e poder partilhá-las com os espectadores?

É a minha vida. Foi com estas pessoas que aprendi a viver, a ver, a olhar, a opor-me, a amar. Gosto de os lembrar. E como faço parte do mundo do espectáculo, gosto de lhes recolher a voz e a imagem, gosto deles e quero que os espectadores os amem. Já são mais de dez estes retratos. E, se um dia alguém os juntar., teremos ali um belo retrato da segunda metade do século XX, o "meu tempo", é dele que sei falar.

Para comemorar os 20 anos dos Artistas Unidos levou à cena a peça “Jogadores” , sobre pessoas que estão ameaçadas pela pré-reforma e/ou reforma e que não sabem como vão conseguir ultrapassar o futuro na terceira idade. Este é para si um assunto essencial visto que, neste momento, a grande maioria das pessoas dessa idade está a passar por isto?

É tremendo deitarem-se para o lixo as pessoas que acumularam saber, experiência, teimosia. Faz dó. E mal tiveram "vida activa", aos 45 já não prestam para esta sociedade dominada pelo populismo da juventude.

Disse em entrevista ao jornal I que está apreensivo com o futuro dos Artistas Unidos e com a Política do Teatral. Que comentário lhe merece essa situação e o facto de os artistas estarem continuamente em risco, tendo em conta tudo o que têm dado à Cultura?

Tem sido sempre assim, não conheço nenhum artista que tenha tido uma velhice tranquila. Mas o que mais medo me mete é não estarmos a estabelecer plataformas para um futuro próximo: que teatro vai ficar de nós? Há neste momento uma uniformização de poéticas que muito me envergonha, criou-se um dogma que neste momento tem um batalhão de militares,. soldados, bispos, programadores, directores, essas coisas. E há uma hegemonia estéctica que é apavorante. Feita à sombra da palavra "democracia". E com "juventude" escondida lá atrás. Não estou nada contente. Mas não sei se ainda consigo resistir a esta onda reaccionária.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

Queria "em cada esquina um amigo".

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques Correcção: Fátima Simões

05 de Junho de 2016

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