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Entrevista ao Activista João Ventura

Entrevista ao Activista João Ventura que escreve para o Café Central e Junta a Tua à Nossa Voz

Como surgiu a vontade de participar em duas páginas de luta e dar conhecimento de iniciativas, textos, movimentos, entre outros para o povo facebookiano? O que tem aprendido com esta actividade?

Na verdade participo em mais uma página (para além daquelas duas) e sou co-administrador de diversos grupos. A minha motivação reside, por um lado, no divulgar de notícias que não são dadas pela comunicação social ou em sendo, muitas são deturpadas e contêm meias verdades. Também dar a conhecer ao público facebookiano iniciativas e propostas de diversas organizações políticas, sociais e culturais que passam ao lado nos órgãos de comunicação. A outra razão é a boa sensação de que presto, como tantos outros, bom serviço às causas dos trabalhadores, dos injustiçados, dos jovens, das mulheres, etc. Quando verificamos que a comunicação social se tornou parcial e foi, de forma geral, tomada pela oligarquia financeira, é meu dever e dentro das minhas modestas possibilidades, agir e colaborar na denúncia. Não devendo ser o principal eixo é no entanto uma ferramenta de trabalho na luta mais geral dos povos.

Quando me perguntam o que tenho aprendido com esta actividade, surge desde logo o enriquecimento pessoal, porque quando procuro informação alternativa estou também a ser informado e, estando melhor informado, estou melhor preparado para dar combate. Não só ao nível daquela rede social como no contacto directo com outras pessoas que faço amiúde estendendo assim o meu activismo para fora do facebook. Aprendi que textos longos quase nunca são lidos e por isso assume importância maior um bom “boneco” e um resumo curto que chame a atenção para o conteúdo do texto, isto acontece principalmente quando partilhamos a informação por outros grupos. E aprendi, embora por vezes esqueça isso, que não adianta entrar em diálogo (comentar/responder a comentários) com quem não quer dialogar mas tão só provocar.

Partilharam um vídeo do Porta dos Fundos, “Delação”, a falar sobre os acontecimentos relacionados com a operação “Lava Jato” e a corrupção instalada no Brasil. Com os últimos acontecimentos na sociedade brasileira considera importante expor a essência das manifestações, da verdade e do processo histórico do Partido dos Trabalhadores (P.T.)?

Antes de mais queria salientar que nas páginas Junta a Tua à Nossa Voz, como em outras como é o caso de canal #moritz @Ptnet, há vários editores e nessa conformidade, não consigo acompanhar tudo o que se publica e isso inclui o vídeo citado. No Brasil, como no resto do mundo, a corrupção é um facto, não vale a pena esconder. Todavia, uma coisa é estar ao lado do povo brasileiro e na sua luta por melhor e mais democracia, estar ao lado dos trabalhadores na luta pelos seus direitos, outra bem diferente é, sob a capa da “anti corrupção” pretender uma solução para aquele país que passa pela destruição das conquistas alcançadas, pela subserviência aos EUA.

Temos de compreender que o que se passa hoje no Brasil é apenas um episódio de uma longa-metragem cujo tema é a América Latina e a sua luta pela independência face ao poderoso vizinho do norte. É evidente que há um conjunto de erros crassos praticados pelo PT que seguindo a via social-democrata mostra que não é possível juntar aquilo que é antagónico. Como o imperialismo não dorme em serviço e aproveita-se (muito) bem destas “modernidades”, a coisa acaba por ficar feia e vira-se o feitiço contra o feiticeiro. A hora é de união em torno da democracia contra o golpe que é o que no fundo pretendem os arautos da “honestidade”.

Publicaram uma notícia sobre os lucros ultra-milionários que os accionistas dos CTT auferiam, bem como a situação precária dos seus trabalhadores. Este não é o único caso de privatizações de instituições ou serviços públicos nos últimos 40 anos, de que forma estas medidas prejudicam os trabalhadores, o povo e o país?

A Constituição da República Portuguesa prevê na alínea b do artigo 80.º, a coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção, ou seja, uma sociedade de economia mista. Mas prevê também na alínea seguinte, a propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse colectivo. Por fim na alínea f do artigo 81.º prevê assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral.

O que temos vindo a assistir nos últimos anos é a deriva neoliberal dos governos PS/PSD/CDS que tudo privatizam não tendo em conta os interesses do país e do povo. Sectores chaves da economia devem ser públicos e seriamente escrutinados ao contrário do que sempre sucedeu com administrações designadas pelos governos no sentido de promoverem um mau trabalho para criar um álibi favorável às privatizações. Com elas, perdem os governos que não beneficiam dos lucros dessas empresas e que poderiam ser aplicados em favor dos mais desfavorecidos; perdem os trabalhadores com as novas políticas de contratações, despedimentos e/ou redução de pessoal “negociada”; perde o país quando muitas destas empresas mudam a sua sede social para países fiscalmente mais atractivos e ganham os accionistas que não produzindo coisa nenhuma e vêem os seus lucros aumentarem, fruto do trabalho de outros. Os dirigentes dessas empresas, como os citados CTT ou a EDP, por exemplo, recebem individualmente, um salário superior à soma dos salários de algumas centenas de trabalhadores.

São solidários para com a luta do povo do Curdistão, o que podemos aprender com este conflito, e de que forma deve ser visto, tendo em a escassa informação séria e livre que nos rodeia?

A luta do povo curdo é um conflito que se estende desde há décadas cheio de perseguições, torturas e morte. Os Estados Unidos e também os países membros da NATO têm a sua quota- parte de responsabilidade neste interminável conflito. Com a dissolução do império otomano foi reconhecido em 1920 o direito do povo curdo à autodeterminação e à formação de um Estado curdo independente que pela divisão imperialista do mundo nunca viria a acontecer. Desta forma o Curdistão ficou dividido entre a Turquia, o Iraque e a Síria, tendo sido até hoje, especialmente perseguido pelo regime turco que inclusive proibiu os termos curdo e Curdistão, a cultura, a língua, etc. Lembro que a Turquia é desde 1952, membro daquela aliança militar. É um facto indesmentível que a poderosa comunicação social “democrática”, omite, distorce e não informa sobre as razões daquela luta. Da mesma forma que silencia o armamento procedente dos EUA, França, Alemanha ou Inglaterra enviado ao regime de Ancara. Muito mais há a dizer sobre o sofrimento do povo curdo sendo, o que escrito está, apenas um resumo curto da história deste povo. E é nessa conformidade que somos solidários com a causa e a justíssima luta do povo curdo.

Partilharam um texto sobre a Comuna de Paris. Como é que este acontecimento vos influenciou? Como pode ser enriquecedor o conhecer melhor, para reforçar a nossa luta de hoje?

A Comuna de Paris faz parte da vasta luta do proletariado e também dos povos. Sendo um dos acontecimentos históricos essenciais para compreender a luta de classes, entende-se que seja escamoteado e menosprezado por alguns historiadores burgueses.

Na minha infância e juventude, dada a escassez económica da família, uma mãe só com 3 filhos a cargo, não permitia o acesso aos livros, ao teatro, numa palavra, à cultura. Só após o 25 de Abril essa janela foi aberta o que provocou uma corrente de ar cultural em que tive necessidade de ler muito e depressa, um conjunto de obras essenciais para compreender o que se estava a passar em Portugal e no Mundo. Quando da Revolução era um entre muitos jovens que de política nada conhecia ou sabia.

Isto para dizer que só muito mais tarde tive acesso ao conhecimento das diversas lutas dos trabalhadores e dos povos pela sua emancipação. O início do meu activismo, digamos assim, nasce mais porque desde que me lembro, sempre tive um sentimento do que era justo ou injusto e uma tendência (mesmo na escola) de estar ao lado do mais frágil do que pela influência deste ou daquele acontecimento. Mais tarde, devido ao contacto com gente mais velha e experiente na vida e na luta, fui então aprendendo e crescendo com as histórias e as vivências que me eram transmitidas.

O meu activismo no facebook é coisa recente e reside na necessidade de aproveitar as novas ferramentas (tecnológicas neste caso) para ajudar e levar até outros o que não se conta nem diz mas que faz parte de nós enquanto seres humanos, enquanto trabalhadores, enquanto colectivo. Um dado que se aprende com a Comuna de Paris é a necessidade da organização dos trabalhadores, libertar-nos das amarras que nos prendem ao capitalismo e a destruição do estado burguês. Não é possível construir um Estado socialista se não rompermos com as grilhetas. Daí, a necessidade de estarmos atentos ao aparecimento de novos movimentos ou partidos que mais não servem, com uma linguagem “moderna”, para quebrar o querer das massas e em atitudes conciliatórias deitar por terra as suas legítimas aspirações.

Li em tempos numa revista política, uma frase da autoria de Aurélio Santos que caracteriza o que foi a Comuna de Paris. Dizia assim: “a derrota da Comuna é a de uma mãe que morre, pagando o tributo de dar à luz um filho forte, que lhe vai suceder na luta”.

“A que preço estava o quilo do refugiado” retirado da página do Facebook “Café Central”, foi uma reacção à notícia do acordo entre a Turquia e a UE? Estes jogos prejudicam, quem está mais frágil, quem caminha por uma UE cada vez mais preocupada com o seu umbigo e com um medo terrível de tudo o que venha depois da Turquia. De facto, a UE tem actuado de forma muito pouco solidária ou intercultural, valores que estão consagrados na Declaração dos Direitos dos Cidadãos da União Europeia. Os refugiados são um foco de grande preocupação. Fugiram de uma guerra para ficarem trancados numa zona tampão, onde os seus direitos também não são respeitados, ou não conhecêssemos a Turquia de Erdógan e os países barreira da UE.

Como podemos consciencializar as pessoas das graves consequências dos actos da UE e levá-las a tomar uma posição solidária, a lutar por melhores condições para as pessoas em movimento, e o fim do negócio de seres humanos entre UE e da Turquia de Erdógan?

Quase me atrevo a dizer que não haveria necessidade de consciencialização das pessoas se todos agíssemos como seres humanos inteligentes e sensíveis. No entanto sei que assim não é. Muitas pessoas estão presas a interesses pessoais mesquinhos, outras enfermam de má formação intelectual; o racismo e a xenofobia são realidades presentes. Outros ainda manifestam uma grande ignorância e reagem ao medo imposto subtilmente.

O papel ou a tarefa daqueles mais conscientes é, exactamente, contar a história toda, como tudo começou, quais os interesses instalados por detrás de cada conflito e a quem serve o estado de guerra permanente em que vivemos.

Como atrás referi, as publicações no facebook servem mais como denúncia das atrocidades cometidas do que propriamente para esclarecimento dada a longa exposição e complexidade dos casos. Se encontrarmos nas redes sociais um pequeno conjunto de pessoas que lêem os artigos publicados na sua totalidade é já um avanço. Acontece que a maioria não os lê, e isso nota-se nos comentários produzidos em que repetem o que a comunicação social dominante propaga. O trabalho do esclarecimento tem de ser feito junto do nosso vizinho, do nosso colega de trabalho, no café. Nas redes sociais depressa o confronto de ideias resvala para a ofensa pessoal ou até para a partilha oriunda de blogues manhosos, apresentados como credíveis, mas pouco ou nada sérios. Numa linguagem de campanha eleitoral, digo que esse esclarecimento de forma a entendermos o que se passa e ganhar as pessoas para a tomada de posições mais solidárias deve ser feito porta-a-porta.

Magnatas do calçado escondem dinheiro ao fisco. Referem que nesta conjuntura não é possível aumentar o salário mínimo nacional. Tendo em conta este tipo de notícias e situações, como é que é possível desconstruir a ideia que o patronato quer passar: “que não há dinheiro e é impensável o aumento do salário mínimo”?

O patronato é useiro e vezeiro neste tipo de argumentação. Nunca há dinheiro para os trabalhadores, apesar de serem estes quem produz mercadoria, nunca há dinheiro para pagar mais impostos sobre os lucros, no entanto o dinheiro aparece para satisfazer os caprichos do patronato quando não amiúde sonegam as receitas provenientes do trabalho para aplicá-las em paraísos fiscais. Julgo que de forma geral esta ideia ou esta narrativa do patronato já não cola, tantos são os escândalos vindos a público. É certo que muitos trabalhadores ainda não compreendem a arma poderosa que têm nas suas mãos para o derrube do status quo, e tendo isso em consideração é importante a publicação de artigos sobre economia política e, acima de tudo o estudo do marxismo como ferramenta imprescindível à compreensão das relações do trabalho.

Este é mais um tema, entre tantos outros, que encerra alguma complexidade e não é fácil transmitir através das redes por forma a chegar ao grande público facebookiano, embora não seja um bicho-de-sete-cabeças, também é certo que os grandes meios de comunicação fazem passar uma dificuldade maior do que aquela que contém, com o seu vocabulário de economês; os comentadores encartados que falam de forma cerrada e muito técnica, tentando, uns e outros dessa maneira fazer passar a ideia que a economia não interessa a todos e que apenas diz respeito a uma elite.

Pela minha parte faço o que posso recorrendo muitas vezes a partilhas de Eugénio Rosa, ou procurando na net alguns artigos de economistas marxistas.

Uma vez que há menos gente a ler jornais e cada vez são menos os jornais sérios e credíveis, não era tolo se os economistas marxistas portugueses, como o citado Eugénio Rosa, aproveitassem mais esta nova forma de divulgação que são as redes sociais mesmo sabendo que nem todos leriam os artigos, mas a alguém haviam de chegar.

Sobre a história do nazismo e o apoio de diversas personalidades importantes ou grandes empresas a esse regime horrendo. Como consideras que a História deveria ter guardado a memória das mesmas? Por outra palavras, lembramo-nos da Coco Chanel ou do Hugo Boss pelos estilistas que foram e não como colaboradores do regime nazi. Na tua opinião, como devemos reagir a este apoio?

Não sendo de agora, há da parte de alguns a tentativa do branqueamento do fascismo em Portugal, Itália e Espanha e, obviamente a negação dos crimes do III Reich. Devemos todos guardar a memória daqueles tempos e revelar às gerações mais novas com verdade e seriedade o que aqueles tempos e regimes foram, como começaram, quem os apoiou.

No caso concreto do nazismo e dos apoios do patronato mundial que não só alemão é preciso lembrar que empresas como a Kodak, a IBM, a General Electric, etc., não sendo alemãs apoiaram directa ou indirectamente o nazismo. Se é certo que de há muito são conhecidos os nomes e as siglas, certo é também, que devemos voltar ao tema com frequência para que não caia no esquecimento e no futuro possamos evitar que a humanidade passe por tamanha provação. Todavia, o que se passa hoje à escala global, não sendo o regime nazi que conhecemos, assumem alguns Estados um comportamento que roça o nazismo. E quanto à mortandade de seres-humanos, “está bem e recomenda-se” tal a quantidade de guerras e conflitos, alguns em nome da Liberdade e Democracia que grassam no planeta.

Quais são os teus sonhos para Portugal?

Essa parece-me uma pergunta de concursos para Miss qualquer-coisa. :)

Os meus sonhos extravasam o meu umbigo. É claro que todos queremos estar bem, ter o nosso conforto, as nossas pantufas…mas não consigo ficar bem comigo apesar das dificuldades enormes que atravesso de momento, sabendo que outros há com situações muito piores que a minha e o caso dos refugiados está aí para comprovar isso. Como estão as crianças sem pais na Palestina, no Líbano ou na Síria Assim, em vez de sonhar ou construir castelos de vento, colaboro na medida das minhas possibilidades na rede social facebook, quase de forma militante porque me “obrigo” diariamente na actualização das páginas e na partilha para grupos em que sou co-administrador ou não, e milito, não me limitando apenas ao pagamento da minha quota, no Partido Comunista Português, contribuindo modestamente para o fim da exploração do homem pelo homem, na defesa da Paz, por um mundo melhor, mais solidário e fraterno.

O meu sonho para Portugal e para o Mundo são verdadeiramente aqueles que Karl Marx preconizava "na fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza colectiva, só então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever nas suas bandeiras: De cada um, segundo a sua capacidade; a cada um, segundo as suas necessidades."

Obrigado pelo teu tempo, votos de bom trabalho.

Eu é que fico agradecido se o meu testemunho servir as causas em que acredito serem as melhores para a Humanidade e também, porque não, apoiar-vos nesta interessante iniciativa. Um grande abraço!

Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Ana Bastos

09 de Abril de 2016

Correcção: Ana Bastos

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