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Entrevista ao Investigador e Antropólogo José Bastos

Entrevista ao Investigador e Antropólogo José Bastos – Tem investigado sobre Imigrantes e Etnias nomeadamente a Etnia Cigana, Maria Lamas Activista Política.

Para que se perceba alguma coisa da minha vida e obra é melhor começar pelo princípio. Partindo de uma base de cristianismo politico típica dos católicos progressistas dos anos 60 estudei psicologia (ISPA, 64-68 e 71) para perceber o mal-estar humano. A psicologia académica foi uma ‘disciplina’ completamente decepcionante, mas entretanto ‘encontrei’ Freud (que ninguém ensinava ou referia) e tomei a fundo a pesquisa da sua obra teórica - ainda hoje não apreendida pela generalidade de seguidores e detractores – bem como a formação teórica e clínica (SPG, 1971-74; SPP 1988-1992). Freud forneceu o campo teórico para as questões que tenho sobre as origens e soluções viáveis para a redução do mal-estar humano - para ele, “Mal-estar na Civilização” (1930).

Através de Freud (Totem e Tabu 1913) percebi que a antropologia é incontornável e licenciei-me também em Antropologia Social e Cultural (ISCSP 1977), tendo-me doutorado em Antropologia e Psicanálise (FCSH 1996).

Leccionei no ISPA (1975-80), na Faculdade de Letras (“Introdução à Psicanálise”, 1975-88) e na FCSH 1987-2010) A minha pesquisa complementar tem como campo de base a obra de Marx, que partiu da mesma questão que Freud – a alienação - pelo lado histórico e politico. Na minha geração, os freudo-marxistas (de Reich a Marcuse) representavam o esforço, nem sempre bem sucedido, de integração dos dois campos teóricos.

Os meus campos específicos de progresso, como investigador pós-freudiano, nada tiveram a ver com a indústria clínica - denominei-os “Análise das Produções Culturais” (desde 1975) algo que os clínicos tinham descurado, e “Análise dos Processos Identitários” (desde 1997), dois campos do Freudo-marxismo que não tinham sido trabalhados. Ambas exigiram a criação de métodos e instrumentos de pesquisa inovadores e conduziram a resultados teóricos avançados que aqui não poderei desenvolver.

PROCESSOS IDENTITÁRIOS - A pesquisa sobre Processos Identitários - a meu ver, a peça de topo que faltava em Marx e em Freud e impedia o freudo-marxismo de avançar – deu origem à minha tese de doutoramento “Portugal Europeu”, Celta, 2000) e à minha Lição de Agregação de 2005 (Para uma Antropologia dos Processos Identitários / Toward an Anthropology of Identity Processes, FCSH/Colibri, ed, bilingue, 2013), tendo sido apresentada numa série de 4 conferências, na Universidade da Califórnia – Berkeley, em 2003 e, na Europa, no contexto do IMISCOE (ver adiante).

A criação de um Centro de Investigação, em 2003 (CEMME – Centro de Estudos de Migrações e Minorias Étnicas) permitiu a entrada numa rede de Excelência Europeia, o IMISCOE, com sede na Universidade de Amesterdão (400 investigadores de 14 países) e à participação no C7 sobre Identidade e Racismo, à publicação do texto sobre “identidade” no seu State of the Art de 2007 e à co-edição de “Identity Processes and Dynamics in Multi-Ethnic Europe, (Amsterdam University Press, 2010).

PORTUGUESES CIGANOS, RACISMO E EXENOFOBIA - A pesquisa sobre os Portugueses Ciganos (que vem de 1987) partiu de um convite da Secretaria de Estado da Juventude, deu origem a três livros (Portugal Multicultural, Fim de Século, 1999; Filhos Diferentes de Deuses Diferentes, Observatório da Emigração, 2005; e “Portugueses Ciganos e Ciganofobia em Portugal”, Colibri/FCSH 2013) e desembocou na criação do site, associado à minha página do Facebook, “Portugueses Ciganos e seus Amigos” (2012).

Assume a questão identitária não através das estratégias de diferenciação mas das estratégias de racismo e xenofobia pelas quais uma nação se valoriza criando um pólo negativo que imobiliza para ter um comparante identitário favorável, que lhe confere ‘superioridade’ de forma garantida, contra as ‘inferioridades’ que grupos historicamente em situação vantajosa lhe atribuem e ele incorpora mais ou menos conscientemente, o que induz depressão identitária e surtos de megalomania. Escrevi em 1997, que o caso dos Portugueses Ciganos era o caso mais drástico de racismo em Portugal, incomparável com a situação de minorias étnicas africanas, sul-americanas e asiáticas ou do leste europeu.

Em síntese – Freud e Marx fizeram-me perceber o que faltava nas suas obras – os Processos Identitários – e eu criei métodos de investigação com resultados avançados.

MARIA LAMAS, O MACHISMO INSTITUCIONAL E A GUERRA DOS SEXOS - Estava a trabalhar dois livros (sobre Freud, numa perspectiva inovadora) e sobre a “América”, enquanto foco histórico do actual Mal-Estar na Civilização que dá pelo nome de ‘Ocidente’, e ‘caíu-me em cima’, casualmente, há dois anos, parte da correspondência amorosa de Maria Lamas (1893-1983), o que alargou o meu campo de pesquisa para os tópicos associados de Narcisismo e Racismo (duas manipulações da Identidade), Agressão, Ocultação e Esquecimento (três das suas contra-partidas Dinâmicas).

É promotor da página do facebook da Activista e Defensora dos Direitos das Mulheres Maria Lamas. Qual foi a importância de se ter dedicado à investigação duma das maiores activistas das mulheres do século XX? O que tem aprendido?

De que forma o seu trabalho de divulgação possa ser motivador para muitas mulheres?

1) O meu actual “projecto Maria Lamas” pretende desocultar a vida e obra da Mulher de maior vulto na História Politica do século XX, lançada, não por acaso, no esquecimento. Em curso, a escrita de duas biografias, de um Livro de Pensamentos, de um Livro de Textos Seleccionados, de um livro de Cartas a Maria Lamas por Intelectuais e Políticos e de dois livros de Correspondência Amorosa; do lançamento de um “Seminário Maria Lamas” no Departamento “Faces de Eva”, da FCSH e de uma Colecção Maria Lamas” (6 livros, em 2016 a 2019), no Município de Torres Novas, de onde era natural, tudo visando a reedição da sua Obra. Maria Lamas não ‘reconhecia’ qualquer ‘inferioridade às mulheres – bem pelo contrário, orgulhava-se das Mulheres e por duas vezes promoveu grandes Exposições, em Lisboa – em 1930, em 11 salas do ‘Século’, cheias durante 2 meses, o Certame da Mulher Portuguesa – e em 1947, na SNBA, a Exposição de Livros de Mulheres de todo o Mundo (1600 livros de 35 países).

Não se trata do feminismo clássico, associado à Guerra dos Sexos e ao Machismo Opressor –trata-se de criar um mundo melhor marcado pela valorização das diferenças, pela cooperação paritária e pela admiração mútua.

Em 2010, com Susana Trovão, promoveu este estudo “Comparando relações de género, intergeracionais e familiares em populações imigrantes e minorias étnicas: debates ‘privados’, denegação pública e outras mediações” o que concluíram com esta comparação?

Como pode este estudo ser essencial para uma adequada reflexão sobre o que pode advir das relações de género entre estes grupos que geralmente são postos de parte.

2) O mesmo objectivo tem a ver com a análise do papel identitário que desempenha a Ciganofobia em Portugal e na Europa – uma patologia identitária expressa na história – com uma intensidade de cerca de 70% - que só poderá ser superada pela publicitação de um milénio de perseguições e marginalizações a um povo indiano raptado militarmente do vale do Indo, vendido em mercados de escravos da Pérsia, por muçulmanos, desde 1019 (vai para mil anos), um povo que foi escravizado na Roménia durante mais de cinco séculos (uma escravização mais longa que a dos Africanos levados para as Américas), bem como pela declaração europeia de um período de discriminação positiva como está a ser feito para as Mulheres e para os Afro-Americanos na Califórnia, para os Afro no Brasil e na África do Sul e para os ‘intocáveis’, e ‘tribais’ na Índia (o que levou ‘intocáveis’ à Presidência da União Indiana e ‘tribais’ a Governadores de vários Estados da Índia).

Não existe integração possível sem reconhecimento do crime histórico, sem o pedido público de desculpas pelo Estado e sem a atribuição compensatória de um período de discriminação positiva – o mesmo que em Portugal está em vigor a favor das mulheres quando se mobiliza um regime de quotas políticas.

De que modo esta comparação pode ser motivadora para se discutir mais sobre estes temas, e conhecer as realidades das relações de género em várias vertentes dessas populações?

3) As confrontações intergeracionais e de género - cuja infra-estrutura ontogenética Freud designou como “complexo de Édipo’ e como ‘superação do complexo de Édipo” (base das posições políticas de Esquerda, a atitude ética favor dos oprimidos, e de Direita, a atitude sociopática a favor do machismo e dos opressores) em que os homens dominam e exploram as mulheres e as crianças, e que Marx considerou como a infra-estrutura biológica da luta de classes – encontram-se, na nossa pesquisa, que cria as suas hipóteses teóricas e os seus intrumentos de pesquisa – desemboca na descoberta que as identidades nacionais se distanciam entre si por apoio (um conceito tanto de Marx como de Freud) nessas confrontações identitárias intergeracionais e de género. Partindo de uma amostra representativa e de um inquérito tendo como variáveis as diferenças nacionais entre portugueses e os seus referentes históricos (espanhóis e norte-europeus), a identidade ideal e a identidade pessoal dos respondentes, bem como as quatro identidades intergeracionais (adulto versus criança) e de género (mulher versus homem) e cruzando os perfis identitários encontrados os portugueses atribuem perfis positivos a “Portugueses” (altamente ‘femininos’ e ‘infantis’, isento de ‘defeitos” sociais) e a “norte-europeus” (altamente ‘adultos” e viris”, com oito ‘Defeitos’) eminentemente políticos) e relegam os espanhóis para um perfil indiferenciado, altamente carregado de defeitos políticos e sociais (20 em 25 traços). O elemento organizador da diferenciação reside na oposição entre “terno e pacífico” versus “frio e agressivo”, relevantes em todos os perfis.

A dimensão dramática e problemática advém do valor social dado subjectivamente ao ‘familialismo’ feminino e infantil e da contradição com uma governância politica colonial e imperialista, de raiz anglo-americana, vista como “dominadora” e “exploradora”, própria do tipo de homem que Freud designou como ‘narcísico’ ou ‘homem de acção’ (1931), que não busca ser amado mas agredir.

Realizou dois riquíssimos trabalhos sobre a etnia cigana “Reflexões sobre a questão cigana em Portugal” “Portugueses Ciganos e Ciganofobia em Portugal”, o que devemos conhecer sobre as questões ciganas portuguesas?

Disse em entrevista à Fernanda Câncio que escondem a classe mais baixa cigana e que há ciganos que não se identificam uns com os outros. Das reflexões que tem feito sobre a realidade das famílias ciganas, das suas classes, da forma como se integram com a sociedade ou como existem preconceitos sobre elas, de que maneira é que esse trabalho pode ser uma ferramenta fundamental para conhecer melhor essa realidade e permitir uma melhor integração, e o fim da discriminação?

4) Decorre das pesquisas que é preciso combater científica, politica e juridicamente (a) as patologias identitárias inconscientes que “admiram” a violência anglo-americana (depôs de terem ‘admirado’ a brutalidade nazi), o militarismo e a difusão infantil do militarismo entre as crianças em jogos e nos media, que leva a repetidos assassinatos em escolas por jovens armados que admiram a personalidade gorilóide de ‘Rambos’ e de bons ‘super-heróis’ americanos legitimados pelos maus super-montros ‘vilões’; (b) as patologias identitárias que legitimam a violência e a dominação masculinas na vida sexual e conjugal, matando em Portugal dezenas de mulheres por ano sem que surja qualquer campanha de Estado que humilhe os cobardes assassinos; e (c) as patologias identitárais raciais que legitimam a violência ‘branca’, ‘protestante’ e ‘ocidental’ (que os americanos designam como WASP, atribuindo-lhes o serem ‘donas da América’) sobre as minorias étnicas.

Nem Portugal nem o Protectorado Europa desenvolveram até agora qualquer politica cultural mediática e educacional que desautorize e deslegitimize o Imperialismo, o Militarismo, o Colonialismo, o Machismo, o Riquismo e o Racismo, sociopatias (isto é, doenças mentais destrutivas da vida social, sexual, económica e politica), historicamente reforçadas e ideologicamente organizadas, cujo nome sintético é ‘Ocidente’ (nazi ou ultra-liberal) – sendo cientificamente óbvio que o machismo, a aliança intergeracional viril e a ‘adoração acrítica’ do ‘Pai’ e do Phallus, constituem o fundamento das restantes sociopatias politicas.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

5) E que esse é o meu sonho e a minha contribuição como investigador Freudo-marxista e como cristão politico, em busca de companheiros para esta luta cientificamente esclarecida.

José Gabriel Pereira Bastos (Novembro de 2015)

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

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17 de Novembro de 2015

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