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Entrevista a Helena Pato

Entrevista a Helena Pato - Promotora e Fundadora do Grupo do Facebook Fascismo Nunca Mais!

O que a motivou para a abertura deste espaço de discussão sobre os 48 anos de Salazar e Caetano?

A preservação da memória do regime fascista é, a meu ver, uma questão central na cidadania. Importante, mas muito descurada. E também é importante não se esquecerem os progressos obtidos com a implantação da democracia. Custa-me ouvir dizer que agora se está pior do que dantes – isto é, objectivamente, uma enormidade, fruto de desconhecimento do que era o país antes do 25 de Abril.

No princípio, ao criar o Grupo Fascismo Nunca Mais, a minha intenção era abrir um espaço no facebook onde se pudessem divulgar documentos, fotos e testemunhos do período da ditadura de Salazar e Marcelo Caetano. Acreditei (e acredito) que essa partilha podia ser de grande utilidade, no sentido da consciencialização daqueles que não viveram esse período da História de Portugal, ou cujas vidas se desenvolveram à margem da realidade do regime. Refiro-me a jovens de hoje e, também, àqueles que só após a revolução do 25 de Abril foram tomando contacto com aspectos do regime fascista, que lhes tinham “passado ao lado”. Tinha (e tenho) a impressão que, durante estes 40 anos de Democracia, se salientou a repressão fascista, em detrimento das lutas que, estoicamente, foram travadas, então, pela melhoria das condições de vida, contra a guerra colonial, pela Liberdade e pela Democracia. Tinha (e tenho) a certeza que, ao longo do período da democracia nascida com a revolução, se projectaram, com grande ênfase, nomes de alguns dos combatentes e vítimas, deixando numa quase absoluta sombra milhares de portuguesas e portugueses, que se bateram com enorme determinação e coragem contra o regime. Eram alguns destes que queria lembrar, dar voz ou evocar, neste grupo. Por outro lado, eu tinha conhecimento do existência de estudantes universitários ou gente ligada a projectos culturais, que revelam grande interesse pelo tratamento destes temas (ditadura fascista em Portugal) e que procuram obter testemunhos pessoais. Creio que acompanhar este grupo pode ter algum interesse, até mesmo, para os historiadores.

Durante a vida do Grupo temos verificado que ele responde a muitas das nossas preocupações e atinge alguns dos objectivos que nos propomos. Conseguimos um certo equilíbrio nas biografias dos antifascistas, em que trouxemos para a ribalta muita gente quase desconhecida de quem frequenta o Grupo. Satisfaz-nos a colaboração surpreendente de gente anónima (lado a lado com investigadores, historiadores, juristas que não evocam o seu curriculum), um incontável número de pessoas que partilham, no grupo, materiais que descobriram na net ou que lhes pertencem. Todos os dias chega muito “material” ao grupo, que contribui efectivamente para a preservação da memória – ainda que, como é natural num espaço deste género, apareça anarquicamente, sem que haja preocupação em dar seguimento a um tema: um “post” sobre o Tarrafal em 1940 pode ser seguido de uma foto da crise académica de 1962…

Tocam-nos alguns testemunhos de grande autenticidade, vindos de pessoas que viveram durante a ditadura, e que não se coíbem de narrar, em comentários, a sua própria experiência ou a experiência familiar; mas notamos que são poucos aqueles que têm algo de pessoal a contar. É com alguma tristeza que verificamos que uma fotografia do dia 25 de Abril tem 10 vezes mais “likes” do que um “post” sobre o Forte de Peniche, ou 20 vezes mais do que uma curta narrativa sobre uma greve operária reprimida, na década de 60.

Desgastante (às vezes, no limite da nossa desistência como administradoras do Grupo) é a dificuldade de fazer respeitar a única regra de funcionamento do grupo: “ Apenas se aceitam “posts” sobre a ditadura fascista de 1926 a 1974”. Há implícita, na atitude dos desrespeitadores, como que uma espécie de secundarização do tenebroso regime de Salazar e Caetano, ao remeterem-nos para a justificação de que fascismo é também o que se está a viver hoje em Portugal, logo “vamos, mas é falar de mal do Cavaco”…

O grupo cresce de dia para dia, o nº de membros ronda os 8700, na sua maioria serão da área da esquerda, mas tenho a ideia que metade deles são pessoas que ignoram o que foi o regime fascista e não estão interessados em saber o que foi… Depois, às vezes, receio que este espaço responda a anseios saudosistas de gente da minha geração que se deleita com a recordação da sua juventude… – o que se revela em alguma troca de comentários.

Foi uma das fundadoras do Movimento Democrático de Mulheres. Como foi ter ajudado a erguer um movimento que luta pelos direitos das mulheres, pela igualdade na sociedade, no trabalho, por melhores condições de vida para as mulheres? Como foi desenvolver esse trabalho e que conhecimentos adquiriu?

Foi das grandes experiências da minha vida. Tudo começou em Paris, para onde eu tive que ir, acompanhando o meu marido, que se viu obrigado ao exílio em 1962.

Conheci Maria Lamas (então exilada), logo que cheguei a Paris. Ela aparecia, aos meus olhos de jovem, como um exemplo de mulher combativa e muito preocupada com a situação da mulher em Portugal. Presa para sempre às «Mulheres do seu País» e sabendo do meu interesse pelas questões da condição feminina e pela sua situação, Maria procurava convencer-me da importância de organizar em Portugal um Movimento que as unisse nos seus anseios.

Insistia sempre em que um tal movimento deveria nascer “no interior do país”, como uma iniciativa a ser lançada por mulheres e com a participação, desde logo, de uma grande diversidade, quer do ponto de vista social e profissional, quer das suas opções políticas e religiosas, e não com origem numa determinada formação partidária. Esta estratégia tinha em mim um enorme eco. Eu não me revia em algumas perspectivas feministas em moda na época, mas discordava frontalmente da forma como era organizada a participação portuguesa nas iniciativas mundiais (destinadas a um debate de natureza diferente do feminismo), sobre a situação feminina e sobre a luta das mulheres no mundo. As mulheres portuguesas estavam quase sempre representadas pelas mesmas delegações partidárias, ou por delegações com orientações «enfeudadas» partidariamente.

Por isso, a ideia do que veio a ser o «Movimento democrático das mulheres» cedo integrou os meus projectos, no campo da actividade política, quando voltei a Lisboa em 1965 (por morte do meu marido). No princípio de 1966, voltei a Paris por uns dias e fui visitar Maria Lamas. Disse-me então uma frase que, depois, em 69, vim a repetir em grandes reuniões de mulheres: «Não te esqueças do nosso Movimento de Mulheres. Agora que voltaste ao nosso país, podes empenhar-te na sua criação». Assim aconteceu. Logo que houve condições para isso, cumpri o prometido, o que me valeu algumas noites sem dormir, em 1967, na PIDE (a minha prisão ocorrera por outra razão, mas o inspector Mortágua cedo me deu conta de que conhecia os passos que eu começara a dar nesse sentido). Quando, seis meses depois, fui libertada de Caxias, deixei passar pouco tempo e retomei os passos para lançar uma iniciativa. Passámos de um grupo de cinco para um grupo de cerca de 50, em que havia comunistas, católicas, socialistas e até monárquicas… Reuníamos sempre em casas particulares. Chamávamos-lhes encontros “tupperware” e vezes houve em que algumas de nós levávamos sacos com essas caixas, para iludir a vigilância policial.

A 19 de Maio de 1969, convocámos alguns jornalistas amigos para a Cooperativa Padaria do Povo (Lisboa), convidámos várias mulheres a estarem presentes, e fizemos a apresentação de um manifesto já assinado por uma dezena de destacadas mulheres (notabilizadas por diferentes razões e de diversas tendências políticas). Estava lançada a «Comissão Democrática Eleitoral das Mulheres» (1969, CDE) e, nessas eleições legislativas de 69 (Outubro), arrancaram grandes movimentações de mulheres, integradas na CDE e com representação nas suas estruturas de direcção. Porém, só em Dezembro desse ano, se decidiu atribuir-lhe formalmente o nome MDM e fazer um emblema com um logótipo (muito abrangente), um belo desenho de um artista plástico: um rosto de mulher com as letras MDM. É pena que, com o andar dos anos, esse logótipo original tenha sido substituído pela actual papoila…

O MDM começou, de facto, por ter uma expressão muito ampla e diversificada, com milhares de mulheres a debaterem, no país, de norte a sul, as suas preocupações. Faziam-se reuniões muito concorridas, ao ar livre ou em diferentes espaços. Até em salões paroquiais…Tanto tomavam a palavra mulheres domésticas, como advogadas ou operárias. Para falarem das suas experiências, das desigualdades sociais ou económicas (relativamente ao homem); para darem testemunho da forma como, nas suas famílias, a mulher era encarada; mais tarde, (só por 1970) trouxe-se a questão da guerra colonial para as lutas do MDM. Tanto quanto me lembro, à medida que o tempo corria, e nos afastávamos do período eleitoral de 1969, o medo da repressão aumentava e as reuniões (agora ilegais) tinham voltado a ser feitas em casas de gente conhecida e começado a ficar mais restritas. Mas não posso dar testemunho do que se passou a partir de 1970, já que, tendo eu sido incumbida de uma outra tarefa partidária, tive que abandonar a direcção do MDM, onde ficaram duas grandes líderes: a Luísa Amorim e a Helena Neves.

É autora deste livro “Saudação, Flausinas, Moedas e Simones” sobre a juventude no fascismo. Como foi viver a juventude e o que podem os jovens aprender com as narrativas publicadas neste livro?

Depois desse livro, publiquei um outro, talvez mais completo: “Já uma estrela se levanta”. A minha intenção, com ambos, foi justamente “contar” aos jovens que tinha havido quem não se conformara com o regime ditatorial de Salazar e de Marcelo Caetano. Gente que lutou, que sofreu a resposta violenta da repressão, gente teve de partir para o exílio para fugir à prisão ou à guerra colonial. Mas houve a preocupação de mostrar, no conjunto das “historinhas” dos dois livros, que esses combates se desenrolavam em clima de grande solidariedade entre os antifascistas. Deixar a ideia de que mantínhamos sempre a esperança de que iríamos conseguir derrubar o regime e vencer as lutas que, sucessivamente travávamos. A meu ver, por isso éramos felizes e tínhamos vidas de uma riqueza humana inigualável. Vivíamos na perspectiva de: “Já uma estrela se levanta”, ou “isto vai, amigos, isto vai…”. Os convívios (semi-clandestinos), que organizávamos para angariar fundos para as famílias dos presos políticos, eram encontros animados de muitos amigos, e com a participação daqueles que vieram a ser os grandes cantores de intervenção: Adriano, Zeca, Fanhais, JJ Letria, Manuel Freire etc.). Contávamos quase sempre com o Carlos Paredes. Vivíamos, entre o trabalho, o estudo, a luta e a repressão, e a festa…

Os referidos livros não pretendem senão passar o testemunho de alguém que viveu tudo isto. É certo que a minha experiência, no que respeita à dureza da repressão de que fui vítima, não foi das mais amargas. Mas não foi fácil aguentar 6 meses de isolamento e a tortura de sono, sem quebrar…Às vezes penso que também isso, além do resto por que passei, fizeram de mim uma pessoa diferente, e talvez melhor. Aguentei e andei em frente. Mas outros ficaram irremediavelmente destruídos, para toda a vida. O fascismo foi, de facto, uma tragédia para milhares de famílias.

Com as iniciativas que tenho tomado em prol da memória (a escrita, a acção no Movimento Não Apaguem a Memória – a que presidi – o Grupo Fascismo Nunca Mais), quero apenas ser mais uma pessoa a contribuir para que a memória do fascismo não se apague. Porque, embora eu não acredite que possamos regressar a um regime semelhante, nunca se sabe o que nos pode trazer a evolução social e política na Europa, e no nosso país. Conhecer o passado ajuda a prevenir o futuro. O alheamento da maioria dos portugueses relativamente ao passado, a forma passiva com que defrontam o presente, e a sua postura perante o futuro, em termos de política nacional, não auguram nada de bom…

Trabalho de Grupo no Ensino Básico é o seu segundo livro. Como professora que esteve no núcleo de professores do movimento docente no fascismo esse trabalho de luta pode ter servido como base para o livro tendo em conta uma escola democrática? Que contributo pode ter este livro nos dias de hoje em que o ataque aos professores e escola pública é mais forte que nunca? Como vê o ataque que tem sido feito aos professores e à escola pública?

O livro “Trabalho de grupo no Ensino básico” foi algo inevitável na minha vida profissional. Tendo eu feito uma determinada opção de método, para o ensino da Matemática, e verificando que os poucos professores inicialmente ligados a esta prática didáctica tinham, como eu, um elevado grau de sucesso nas turmas que leccionavam, senti a obrigação de aprofundar os meus conhecimentos nesta área da Pedagogia e, impôs-se-me partir para a divulgação da referida metodologia de ensino (cujas bases práticas estão contidas no livro). Divulgando um guia prático para a acção, ajudaria os colegas na superação dos obstáculos à concretização desse método (habitualmente referidos nos estágios que orientávamos e nas sessões de formação que fazíamos no país).

A minha participação no movimento docente (Grupos de Estudo do Pessoal Docente – GEPDES) que, no início da década de 70 esteve na origem dos sindicatos de professores, nascidos a 2 de Maio de 1974, surge na sequência de uma opção pessoal e partidária por um ensino de qualidade, uma Escola Democrática, e pelo livre associativismo da classe docente. Hoje, tal como há 40 anos atrás, defendo o Ensino Público, uma Escola Pública. E repudio todos os ataques de que tem sido alvo, com o objectivo de a desmantelar. Sem docentes com uma ligação estável ao Ensino, uma formação adequada e vencimentos condignos não pode haver – na minha opinião – um ensino de qualidade. O Sistema Público de Ensino foi ferido de morte por este ministro Nuno Crato, que acumula a incompetência pedagógica com a total incapacidade para gerir um ministério e uma opção ideológica de direita ultra-reaccionária. A questão da qualidade do ensino, em meu entender, não tem sido claramente equacionada. As associações de professores (Matemática, História, etc.) não se fazem ouvir e os sindicatos docentes mudaram o rumo, do que eram no seu início, para uma estratégia centrada na defesa dos interesses da classe.

Tem um vídeo de apelo ao voto e de narração sobre como foi votar e o quão foi difícil conseguir eleições livres. Como foi para si lutar pelo direito ao voto, o que lhe custou, o que significa ter direito ao voto, o que pode o voto consciente mudar? E refere que nunca se absteve, qual é a sua opinião sobre a abstenção, tendo em conta que vai já imparável nos 66%(1)?

Para as mulheres da minha geração o direito a votar apareceu muito tarde, em 1968. Foi a Lei n.º 21378 que acabou com a discriminação em função do sexo. O direito a eleger e a ser eleito para a Assembleia Nacional passou a ser concedido às mulheres, agora em igualdade de condições com os homens, mas continuavam excluídos os cidadãos que não sabiam ler e escrever, isto é, na sua maioria as mulheres (uma vez que o analfabetismo era bastante maior nas mulheres). Desde aí, votei sempre, mesmo sabendo que as eleições eram uma fraude, por maior que fosse a vigilância que a Oposição tentava fazer. A possibilidade de votar em eleições livres só aconteceu com a implantação da Democracia, em 1974. O meu direito ao voto e o dever que sinto de votar, em cada acto eleitoral, são por isso inalienáveis. Não prescindo deles. O voto em liberdade é uma das grandes conquistas de Abril e, embora a democracia não fique confinada ao poder de eleger e de ser eleito, eu atribuo-lhe uma muito grande importância. Durante a Ditadura, ao longo de 40 anos, houve uma enorme batalha nossa, da Oposição, por eleições livres. Muita gente foi presa nessa batalha. Agora, nos actos eleitorais, o povo diz o que pensa, escolhe aqueles em quem acredita e estão garantidas condições para haver confiança nos resultados. Pessoalmente, aceito sempre esses resultados, mesmo que gostasse que tivessem sido outros. Alguma coisa há “de falhado” nesta democracia quando os portugueses votam contra os seus próprios interesses. Mas isso, a meu ver, radica na limitada importância que a esquerda (toda) tem dado à educação e à formação para a cidadania. Quarenta e um anos depois da Revolução, ainda não fazemos “escolhas livres” daqueles que queremos à frente de um Governo ou para Presidente da República. Estamos enredados em teias de propaganda partidária, em querelas desprestigiantes para a política, e em campanhas manipuladas pela comunicação social. Como o nível cultural da população é muito baixo, não há capacidade crítica. Perante a diversidade de produtos, não se lê o rótulo para se saber a composição, compra-se pela embalagem, pela sigla a que estamos habituados – não se opta por aquele que tem melhor qualidade ou que, no momento, é o mais indicado para a nossa saúde.

A abstenção nas eleições, quando corresponde a um “não sei em quem votar” ou “eles são todos iguais”, ainda é a atitude mais honesta. A Democracia só pode sobreviver quando a maioria dos cidadãos perceber que “eles são todos diferentes”, e fizer uma escolha pessoal, consciente. A elevada taxa de abstenção é um sintoma de doença e não uma doença, em si. A sociedade tem que curar a doença, quer dizer, sanear e fortalecer a vida democrática e educar para a cidadania – esta é, a meu ver, a única via que nos conduz à descida da abstenção. O alheamento dos cidadãos da vida política nacional convém muito a quem apenas quer usar a sua intervenção nos actos eleitorais. (E aí temos a direita a recolocar, prontamente, pilhas nos instrumentos de comando eleitoral, reanimando à pressa, mas com saber, o voto dos mais frágeis – manipuláveis na sua ignorância e ausência de espírito crítico).

Tem recolhido muita informação sobre a ditadura do estado novo, sobre as lutas, as torturas, os campos de concentração, entre outros. O que tem aprendido sobre o fascismo português, e o que podem os jovens e menos jovens tomar conhecimento, e aprender sobre esta parte negra da história do país? O que sofreu com a tortura?

Pode parecer estranho, mas eu estou convencida de que, no Grupo «Fascismo Nunca Mais», eu sou, dos seus membros (já cerca de 9000), a pessoa que mais tem aprendido. Apenas por uma razão – para além das inúmeras pequenas pesquisas que tenho feito – serei a única pessoa que lê tudo o que ali é partilhado, “posts” e comentários (que muitas vezes acrescentam conhecimentos ou vivências).

Sei que os jovens têm colhido muita informação, no grupo – alguma para trabalhos escolares ou académicos. Mas são sobretudo os professores de História do ensino básico e secundário quem nos dá “feedback” da utilidade deste grupo. Levam do Grupo artigos, fotografias, testemunhos, com que animam as suas aulas, quando tratam do tema “Estado Novo”.

É sobretudo dos mais idosos que se espera colaboração e é dessa colaboração que vive um grupo com estas características. Não podemos deixar de salientar a colaboração preciosa de alguns membros do grupo, que não só viveram de perto o regime fascista e acompanharam a sua evolução, como são pessoas muito conhecedoras do que foi produzido em matéria de legislação e de documentação da Oposição. Curiosamente, pessoas oriundas de diferentes sectores ideológicos na luta antifascista.

Quanto à minha experiência pessoal como vítima do fascismo, são quase inexistentes as referências que lhe faço, no grupo. Quero evocar e dar voz àqueles que não tiveram a minha possibilidade. Eu, já escrevi dois livritos, dei umas dezenas de entrevistas a falar desse lado da minha vida, dei longos testemunhos num filme (“O medo à espreita”) e a duas rádios (Antena 1 - “No limite da dor” e TSF). Sinto que, a partir de agora, estou a repetir frases que já disse, a perder autenticidade.

Mas vou, todos os anos, às escolas, conversar com os alunos. É uma obrigação que me imponho: aceitar os convites dos professores mais conscientes e empenhados na preservação da memória. Gosto pouco de abordar o lado festivo/folclórico do dia 25 de Abril e da manifestação do 1º Maio…. Prefiro falar com os jovens do que foi a ditadura de Salazar e Caetano.

Como vê a luta pelos direitos das mulheres, o que foi conquistado e perdido, como deve a mulher actuar pela situação presente e ter consciência do que se viveu?

Nesta fase da nossa construção da Democracia, os direitos das mulheres estão no essencial garantidos pela Constituição e em legislação específica. O problema está, agora, no fazer respeitar esses direitos. A todos os níveis, desde os poderes públicos aos privados, e por todos os cidadãos. Sindicatos e organizações não governamentais mais vocacionadas para a condição feminina, têm um importantíssimo papel, nesta batalha da exigência do cumprimento desses direitos. A mentalidade feminina ainda está muito condicionada por valores retrógrados, de submissão social ou ao homem, pela sua condição de género. Há um trabalho, neste campo, que tem que começar na educação e nas escolas pré-primárias – assim não sendo, a igualdade de género e o respeito pela Mulher na sociedade estarão sempre sujeitos a uma lentíssima evolução.

Penso, no entanto, que deixou de fazer sentido as mulheres organizarem-se e actuarem sem a participação dos homens nestas batalhas.

Quando foi discutida a questão das quotas nas listas candidatas à Assembleia da República, discordei desta opção. Continuo a pensar que, no quadro da vida política/partidária e da cidadania, as mulheres farão o seu percurso sem precisarem de “concessões”. Do que venho constatando, desde há anos, as mulheres cada vez mais sobressaem no percurso escolar e académico, na vida profissional e na cidadania. Talvez por isso se esteja a fazer a bom ritmo o equilíbrio entre o nº de mulheres e de homens, nos órgãos de poder e em cargos de direcção (pública e privada).

O que significou o 25 de Abril para si, como vê o facto de a revolução ter falhado e hoje o estado estar mergulhado em corrupção, cada vez menos direitos, mais violência policial, muito mais desemprego, pobreza, mortes, tudo relacionado com as políticas. E como devemos lutar e sair deste paradigma?

Como se depreende das minhas respostas anteriores, não tenho a visão de que a Democracia esteja em risco ou que se tenham perdido os direitos conquistados na Revolução de Abril. Penso que, no essencial, se mantêm as liberdades e os direitos adquiridos na sequência da revolução, que nos trouxe um regime democrático. Mas é verdade e muito preocupante que o fosso entre os mais ricos e os mais pobres venha sendo cavado a alta velocidade e (creio) já seja maior do que antes do 25 de Abril. Os mais ricos estão cada vez mais ricos e os mais pobres cada vez mais pobres. Os apoios sociais remendam e paralisam-nos na contestação.

Contudo, Portugal não vive à margem da Europa e do mundo. A corrupção e a crise são flagelos mundiais, tais como as grandes catástrofes. A diferença talvez esteja nos factores que os determinam, e não tanto nos agentes seus causadores. Actualmente, há um capitalismo, num estádio diferente daquele que, na minha geração, conhecíamos e para o qual tínhamos uma “chave mestra”. Deixou de servir. Víamos exemplos de sociedades nos antípodas do capitalismo. Deixaram de existir.

Sinto-me numa fase histórica do mundo e do nosso país. Preocupo-me muito com o amanhã, mas o pior é que do lado daqueles com quem mais me identifico não vem qualquer resposta para esta questão: “Como se combate este leão que ruge em todas as direcções, amedronta, esmaga e vence os povos democráticos?”

Quais são os seus sonhos para Portugal?

Os meu sonhos para Portugal? A curto prazo, correr-se com esta gente medíocre, incompetente, que defende os interesses do grande capital sem pátria nem rosto. A médio prazo, ver reforçada a estrutura democrática do país e alcançada uma Democracia plena – económica, social e política.

(1) Segundo as últimas europeias

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: B.T.

14 de Junho de 2015

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