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Entrevista ao escritor e alfarrabista Manuel Monteiro

O seu livro O Falcão Albanês é sobre a procura da cultura, uma mulher desempregada a lutar pela sua vida através duma banca na Feira da Ladra, um antigo revolucionário que trabalha com a desempregada e dum velho operário. O que o levou a escrever sobre a nossa actualidade, sobre a luta pela vida duma desempregada, pelo seu salário, do operário por manter o seu passado e as suas ideias?

Como dizia Ortega e Gasset, o homem é ele e as suas circunstâncias. A minha condição social, vivendo sempre no meio operário e popular, e a minha formação progressista, condiciona e incentiva a minha produção literária e a minha prática social.

Assim, os meus romances, e este é já o segundo, o primeiro chama-se SEI ONDE MORA O HERBERTO HELDER, têm como personagens centrais figuras populares que buscam as duas vertentes principais da vida humana: o pão e a cultura.

Esta minha formação e origem social implicam também que eu, mesmo na produção literária, me comprometa com o tempo que vivemos. Este tempo de nuvens negras que as classes dominantes lançaram sobre os mais fracos e pobres e que nos lembram os tempos, não muito distantes, da ditadura, em que a falta de liberdade e a miséria faziam parte do nosso quotidiano.

Quero, no entanto, fazer notar, que a minha escrita não é panfletária. Não, o meu estilo aproxima-se muito da escola dos escritores latino-americanos: o realismo mágico ou fantástico.

O Manuel costuma vender livros na Feira da Ladra com uma banca de livros. Mostrar como é esse trabalho tão imperioso como dar vida e cultura às pessoas através dos livros foi uma forma de valorizar essa profissão?

É engraçado, mas eu desde sempre que tenho uma paixão louca pelos livros e a minha vontade, desde a juventude, era trabalhar nesta área. Mas as circunstâncias da vida não o tinham permitido.

Até que, aos sessenta anos, desempregado, pensei: é desta que vou realizar o meu sonho.

Tirei a licença de feirante, aluguei um espaço na feira da Ladra, comprei umas tábuas e uns cavaletes e montei uma banca no sítio onde passam multidões. E assim eu realizei o meu sonho da forma mais intensa que se possa imaginar. Não numa livraria onde entra uma ou outra pessoa, mas num largo onde centenas e centenas de pessoas vão à minha banca, folheiam os meus livros e vão comprando alguns.

Não é maravilhoso?

Acresce a tudo isto o facto de eu me lançar também a produzir livros, a escrever poesia e romances. Na realidade os meus romances vendem-se na minha banca e, às vezes, forma-se uma espécie de tertúlia relâmpago, onde eu troco impressões com os meus leitores.

O seu percurso político já é longínquo, passou pela UDP e sempre esteve activo. Já tinha bases para a criação do Livro O Falcão Albanês, no entanto enquanto escreveu que aprendizagem obteve de mais pesquisa, de análise sobre a política, sobre a cidadania, sobre a luta por um emprego, pelas suas ideias?

Sim, a minha experiência política é fundamental em tudo o que produzo. Sempre fui um homem pobre e o único legado que posso deixar aos meus filhos, netos e amigos é o património de uma vida de luta e coerência.

E em que é que o seu activismo de anos lhe permitiu elaborar mais facilmente este livro?

A actividade politica no campo revolucionário foi a minha grande universidade. Nessa actividade contactei com grandes vultos da nossa cultura e fui impelido a ler, e até a estudar, os grandes autores mundiais, de todas as áreas do pensamento. Não tendo uma formação universitária clássica tenho essa formação mais livre, espontânea e profunda de chegar à cultura pela prática política.

Qual foi a importância para si de ter sido um dos fundadores da UDP, que bagagem trouxe do tempo dessa militância, do tempo do PREC e da Revolução?

Tinha vinte e poucas Primaveras quando participei na fundação da UDP. Agora tenho quase setenta Outonos. Mas os sonhos e a procura são agora iguais aos desse tempo, talvez com mais desilusões à mistura. Mas eu daria tudo para voltar a viver esses tempos maravilhosos do PREC em que vi o futuro radioso nas mãos deste povo.

Refere-se como poeta rebelde, como é ser poeta rebelde? E como poeta rebelde, como activista, e um homem que como agente cultural escreve livros, vende-os como alfarrabista, recita poesia deve ter uma responsabilidade acrescida, se deve transportar o activismo, a rebeldia, a cultura para o público, e para que possam aprender e agir?

Rebelde, em qualquer área, é não se entregar à rotina, ao fatalismo, é não aceitar as prepotências dos poderosos, é acreditar na revolução como a parteira da história. Nessa condição de homem não integrado no sistema procuro fazer chegar, sem paternalismo, esta mensagem de insubordinação aos jovens.

Esteve na Guerra Colonial, trabalhou numa fábrica vivendo situações antagónicas na guerra colonial. Estava inserido num grupo maoista mas com génese fascista, e na fábrica apesar dos direitos serem mais expressivos que o normal e de o pessoal de trabalho ser jovem o ambiente era cinzento e castrador, em que é que todo esse processo contribuiu para o seu saber, para a formação política, cultural, cívica da pessoa que é hoje? Independentemente de o ambiente ser cinzento e castrador, dizia há 8 anos que essa fábrica era o seu sonho. O que é que falta para que esse sonho se cumpra e todos os operários possam ser respeitados e ter os seus direitos?

Como canta o Zé Mário Branco: O que eu andei para aqui chegar…De facto, de camponês nas encostas do Alvão, a operário na grande Lisboa, depois na guerra colonial, ainda revolucionário profissional durante cerca de quinze anos, deputado, autarca. E depois o regresso de novo ao anonimato da fábrica, essa fábrica que foi para mim um lugar de sombra e luz. A seguir outras milhentas actividades e depois, aos sessenta anos, o desemprego. E a escolha de alfarrabista, por gosto e necessidade.

E agora aqui estou. E podia dizer, como disse o Luiz Pacheco à juventude: quero que os operários se fodam! Mas não. Quero que os trabalhadores, pela via da revolução, que é a única via que conheço, derrubem o capitalismo e construam um sistema mais justo.

Depois começou nas greves, nas comissões de trabalhadores e moradores, e contra a NATO. Vê estas lutas como um marco para a sua vida social e política?

Como já disse atrás, estas lutas foram a minha grande universidade. Nelas aprendi em meses o que se não aprende em anos. É claro que um operário não deve cair no praticismo, na acção pela acção. Deve fundir esta acção com a busca, através da teoria, de um conhecimento superior da sociedade onde está inserido.

Como se pode fazer cumprir os ideais e sonhos do 25 de Abril?

A resposta é sempre a mesma: pela luta e pelo conhecimento.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

A missão histórica e progressista do capitalismo acabou. E, conforme a burguesia, quando verificou que o sistema feudal era um entrave ao avanço social e civilizacional, derrubou esse sistema e essa classe e se assumiu como vanguarda da humanidade e criou um mundo novo, também o proletariado tem que cumprir essa missão histórica: derrubar a burguesia e o capitalismo e instaurar a sociedade socialista.

É certo que isso já foi tentado, já quase metade do mundo viveu essa experiência socialista e tudo falhou. Mas, como diz o poeta: o caminho faz-se caminhando. Essa primeira tentativa falhada foi um ensaio para a definitiva vitória que nos conduzirá a um mundo novo.

Obrigado pelo seu tempo. Desejo-lhe a continuação de um bom trabalho.

Obrigado eu e a continuação deste vosso meritório trabalho em prol da cultura…

Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques

Correcção: B.T.

12 de Junho de 2015

Correcção: B.T.

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