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Entrevista à Actriz Vânia Jordão

Que importância teve para a tua aprendizagem cultural e historial o facto de teres participado na peça “O Príncipe de Spandau”, de Hélder Costa?

Foi a peça mais crua e dura onde participei até agora. Duma escrita fantástica, não era de esperar outra coisa do autor, duma frieza brutal digna da época que retrata. O Nariz fez uma adaptação da peça e fê-la pelo olhar de 4 mulheres nazis. O olhar feminino nesta história cruel. A fase de pesquisa foi algo intensa porque precisava de perceber como seria viver naquela época não como vitima mas como vilã. Deparei-me com imagens e histórias completamente surreais, cruéis, intensas. Até para o público tenho consciência que não foi um espectáculo bom de se assistir no sentido factual. No entanto, deu-me muito prazer entrar naquela personagem. Foi um projecto muito particular também porque fez parte duma série de apresentações no âmbito do estágio do curso de Teatro da ESAD. CR.

O que pensas da situação penosa de muitas actrizes e actores como tu que, em vez de poderem fazer vida de palco e representação, têm de dar muitas horas a outros trabalhos para poderem ganhar o seu sustento?

Sei que não é um mal nacional e sim mundial, mas a questão é que quando me dizem isso eu penso sempre: “Mas eu vivo aqui! Foi aqui que nasci e fui educada, este é o meu país que com todos os seus problemas ainda me faz sentir algum orgulho na sua gente.” A questão é que é aqui que sinto na pele a arte ser posta de lado como se não fosse essencial à formação de um ser humano e à sua educação como é a Matemática ou a Língua Portuguesa. É a situação em que vive uma percentagem gigante de artistas, infelizmente. Se um professor tem direito a exercer a sua profissão, ou um juíz ou um engenheiro porque é que um actor ou pintor ou encenador ou músico não pode viver da sua profissão também? A arte neste país não tem valor algum e isso parte primeiramente de casa, da educação. Ninguém ensina aos seus filhos que é tão importante conhecer arte como saber falar português. As pessoas chegam a sentir-se “ultrajadas” quando se pede 5€ ou 10€ de entrada para uma peça. Eu sinto-me ultrajada quando as faço de graça!

Encenaste, representaste e apresentaste “O Autozinho da Barca do Inferno”, uma peça de Gil Vicente para as crianças. O que nos podes contar sobre essa experiência, que foi também o teu trabalho final no curso na EPAMG?

A EPAMG foi uma das responsáveis pelo meu crescimento e aprendizagem. Em todos os sentidos e ao longo de 3 anos. Tive oportunidade de experimentar muitas coisas novas, técnicas, conhecer locais, pessoas e isso só pode trazer coisas boas a quem tem na observação do mundo e do ser o seu trabalho como eu acho que um actor tem de ter. A escolha dessa peça para trabalho de final de curso colocou-me no inicio alguns medos. Estamos a falar do grande nome (devo corrigir-te porque a peça foi reescrita para crianças por Afonso Lopes Vieira mas baseada na original de Gil Vicente). A acrescentar a isso a apresentação para ao público mais difícil de todos, as crianças. Mas eu adorei a experiência, era apresentado na Casa-Museu Afonso Lopes Vieira e só pelo prazer de poder ir todos os dias para aquele lugar mágico valia a pena.

No terceiro ano do curso representaste em três peças para o projecto de aptidão de três colegas. Em que é que esse facto contribuiu para a tua formação enquanto actriz?

Experiência!!! Durante quase 3 meses andei a saltar de projecto em projecto sempre a correr, decorar textos, preparar personagens, vestir e despir em espaços mais pequenos do que eu enquanto decorriam cenas na sala ao lado, etc, etc. Foi muito gratificante! Conheci muita gente, trabalhei em projectos completamente distintos com públicos muito diferentes também e tive oportunidade de compreender no todo como é composto um projecto e preparar-me para realizar os meus.

O que tens aprendido com a experiência de representar no Grupo de Teatro o Nariz?

O Nariz tem sido o meu pilar. É a minha casa do coração. Foi nesta companhia que mais dei e me deram. Não querendo nunca desfazer as outras experiências que tive, foi neste grupo de pessoas e excelentes profissionais que encontrei uma casa onde aprendi e aprendo todos os dias, em todos os projectos, em todas as conversas, em todas as noites, com todos os textos, com todas as representações. E aproveito o facto de estarmos a falar desta companhia que representa as artes em geral em Leiria e no seu concelho para criticar a forma como tem sido mal tratada nos últimos anos pelo município a quem sempre deu tudo! É mais uma das vergonhas do nosso país. É sempre mais importante dar valor a politicas e politiquices do que a cultura. O Nariz e os seus fundadores e colaboradores devem ser respeitados e apoiados! Há 25 anos que fazem história e dão cultura QUASE GRATUITA à população, mas infelizmente são tratados como se pouco valessem e aprenderam a sobreviver numa selva de interesses. É uma falta de respeito tremenda o que fizeram e fazem com quem tanto dá.

Em que é que influenciou a tua vontade de seres actriz o facto de teres apresentado a peça dos Maias e o poema da deusa de Vénus que escolheste na escola em Peniche? Isso fez-te crescer?

Nessa altura já tinha o bichinho a correr dentro de mim. Queria entrar nas peças todas e todos os meus trabalhos acabavam sempre por ter uma apresentação original ou diferente das restantes porque eu incluía sempre qualquer coisa artística neles. Esses projectos só me fizeram aumentar a paixão e ter mesmo certezas do que queria fazer.

Que experiências adquiriste no grupo de animações que tiveste com alguns amigos? O gozo de criarem algo novo e de poderem experimentar técnicas novas abriu-te os horizontes e deu-te ainda mais vontade de estudares teatro e animação?

Sem dúvida que foi uma experiência muito gratificante. Era muito jovem e foi das primeiras experiências “a sério” que tive. Aprendi por mim mesma a fazer muitas coisas e a dominar novas técnicas também. Tenho óptimas recordações dessa altura.

A criação desse grupo com os teus amigos e a tua participação no “Horribilis Casa” foi a oportunidade para fazeres algo de novo? Saíres dos trabalhos normais de representação foi positivo para a tua formação contínua de actriz?

São experiências diferentes realizadas em alturas diferentes da minha aprendizagem também. Mas foi em todos os sentidos muito positivo. De todos os projectos eu tento sempre retirar o máximo de coisas positivas, se forem projectos que saiam da minha zona de conforto são mais desafiantes como é óbvio. Ultimamente tenho participado em projectos na área da fotografia e isso sai completamente da minha zona de conforto ou daquilo a que estou mais à vontade a fazer, mas senti-me muito bem e apercebi-me que para se ser fotografado tem de se criar uma personagem também, principalmente quando é uma área que nunca tinha explorado e com a qual não me sentia muito à vontade. Ser actriz é isso, é crescer em todos os segundos da vida.

O estado da cultura e educação/ensino preocupam-te? O que pensas que deve ser feito para que se alterar o estado das coisas?

Todos os dias assisto à destruição da cultura e do ensino em Portugal. Temos um governo que quer limitar o acesso à mesma de um povo que, cada vez mais é pouco educado para a importância desta na sua vida. Um povo “cego” é um povo que vai sempre seguir ordens e ser passivo, e é a isso que estamos a assistir. Mas eu não acho que a culpa seja somente do governo, as gerações mais novas são gerações criadas com base na internet e nas redes sociais. Sabem ao primeiro ano de vida mexer num telemóvel sem sequer quase saberem comer sozinhos, mas aos 15 ou 16 anos são poucos os que conhecem alguns dos nomes mais importantes da literatura, teatro, história, música, etc, do nosso país. Eu não nasci numa casa onde se desse muita importância à arte e à cultura de um povo, mas sempre me ensinaram que devemos caminhar na direcção da aprendizagem o mais abrangente possível e a agarrar o máximo de informação e de oportunidades que surjam, ora eu não acho que hoje em dia os jovens pensem assim. Limitam-se a viver o dia com aquilo que lhes é chapado à frente dos olhos, ficam satisfeitos com isso. Para esta geração basta poderem postar uma foto no facebook todos os dias para serem felizes. Não quero generalizar, acredito que existam excepções à regra e são essas excepções que um dia dão que falar. Estarei cá para ver com todo o gosto.

O que sentiste por entrares na pele da heroína Joana D’arc de “Santa Joana” – Bernard Shaw?

Tenho esses momentos cravados na minha memória até hoje. E posso dizer que esse período foi dos períodos mais felizes da minha vida até agora. Foi duma grandeza que me completou em todos os sentidos. Inicialmente o papel da heroína Joana D’Arc não era para ser meu mas por motivos alheios ao assunto a actriz desistiu e eu vi ali uma oportunidade de mostrar o que valia e de entrar numa personagem tão complexa como esta. Foi, até hoje no meu curto percurso profissional, a personagem que mais me marcou.

Representares e estudares grandes autores como William Shakespeare, Gil Vicente, Hélder Costa e Eça de Queiroz, dão-te algum prazer especial? É destes trabalhos que retiras mais aprendizagem?

Estudar teatro em geral é um prazer. Estudei todos esses e tive o prazer de conhecer algum trabalho de outros tantos, todos diferentes entre si e todos riquíssimos. É duma gratidão inexplicável poder ler qualquer texto de William Shakespeare ou Eça de Queiróz. Interpretar a visão de um génio é sempre difícil e desafiante. Fico sempre a pensar se seria aquilo que ele queria dizer ou fazer. Mas também considero que um génio deixa em aberto a sua obra para que possa ser sempre interpretada em qualquer lado do mundo por qualquer pessoa. Um génio faz obras intemporais e a todos esses nomes junto mais uns quantos que estudei e continuo a estudar que deixaram como legado ao mundo um pouco da sua genialidade. Só fico grata de poder lê-la e interpretá-la.

Teres participado na peça da autoria de Inês Pereira Martins “Há Música no Museu” permitiu-te aprender a história do antigo museu e dum vidreiro. Foi gratificante teres colaborado num projecto destes?

Sim, bastante. Aliás, conhecer a história dum povo é muito bom para poder interpretá-lo. Na peça vesti a pele dum vidreiro e como é óbvio foi mais fácil compreender este personagem ao conhecer a história da terra que o criou. Adorei fazer parte deste projecto, foi uma grande influência para o meu percurso nessa escola.

Tens alguma história engraçada que queiras partilhar connosco?

Há sempre histórias muito engraçadas quando estamos em cena ou nos ensaios. Da ultima vez que entrei em palco já estavam todos os personagens em cena e eu andava a tropeçar em ferros e a correr porque me tinha esquecido de um objecto para a cena. Os enganos no texto que só nós sabemos são sempre assustadores mas engraçados ao mesmo tempo e as macacadas que fazemos uns aos outros nos ensaios. Lembro-me de ter adormecido numa cena em que fazia de morta durante algum tempo. Há sempre histórias marcantes que estão relacionadas com o grupo com que trabalhamos e com a ligação que temos com ele.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

Acho que os meus sonhos não são para Portugal mas para o mundo. Gostava que a humanidade renascesse. Precisamos de seres humanos mais humanos e mais seres. Existem “animais” demais no mundo. Mas desejo que o país em que vivo abra os olhos e veja o abismo para que caminhamos.

Obrigado pelo teu tempo, votos de bom trabalho.

Obrigado eu!

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Fátima Simões

08 de Janeiro de 2015


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