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Entrevista ao Director do Grupo de Teatro a Barraca - Hélder Costa

Entrevista ao Sr. Hélder Costa - encenador, autor e fundador do Teatro Operário de Paris e Director Artístico da Barraca

Como é que foram os anos do exílio? Foram fáceis os anos de exílio? O Exílio…estive em Paris de 1967 a Maio de 1974. Sempre considerei o Exílio uma espécie de recuo do militante político e cultural que eu já era na Universidade. Obrigado a seguir esse caminho porque tinha sido denunciado e a nossa actividade era muito perigosa, só me restava a fuga. Tive a dificuldade de todos os que chegavam, e também a solidariedade. Passados dias tinha roupas e trabalho. Que trabalho? O que aparecesse – desde construção civil, tipografia, hotelaria, etc….mais tarde traduções, inquéritos sociológicos, actor em filmes e séries de televisão. E aproveitei para me licenciar em Letras e Teatro na Universidade da Sorbone. Posso dizer que tive um exílio feliz. A tal ponto que acho um exagero que se utilize a palavra exílio para muitos que tinham sido acolhidos numa França hospitaleira e amiga dos fugitivos do fascismo português. Eu nunca pedi asilo político, fui simplesmente um emigrante económico como mais de um milhão de portugueses que viviam em Paris, fugindo à fome, à guerra e à ditadura. A chegada do 25 de Abril foi crucial para si?

O 25 de Abril foi a data esperada ansiosamente durante dezenas de anos. As lágrimas corriam pelas faces rugosas e cansadas do povo que se manifestou aos milhares pelas ruas de Paris atrás de bandeiras portuguesas e vermelhas, cravos na mão , gritando Viva a Liberdade! Abaixo o Fascismo! Viva a Revolução! Como foi viver o 25 de Abril, e o PREC? Depois da explosão de alegria era preciso pensar no que era preciso fazer. E então – logicamente – começaram divergências e desentendimentos. Até que a esquerda e os progressistas se dividiram. Como sempre, faltou maturidade , espírito de aliança e unidade e visão clara de quem era o “inimigo principal”. Por isso, houve paulatinamente a recuperação da direita…e o perigo da restauração fascista esteve e está sempre presente em mil e uma manobras e comportamentos. O que é que adquiriu de conhecimento dessas vivências? Durante cerca de 2 anos foi possível desenvolver várias iniciativas vitais para o país : cooperativas, massificação do ensino, serviço nacional de saúde, etc. É um capital acumulado que tem de ser defendido, e para isso é necessário derrotar a febre e roubo que significam as privatizações de tudo o que era serviço público. Na sua opinião o que é que falhou e de que modo se pode finalmente fazer-se cumprir? Falhou a cultura cívica e política. Sempre disse que o regime só cairia com a luta armada. E a prova foi o 25 de Abril, lá estavam as armas …felizmente caladas…o que foi a prova evidente que o regime já não existia que esses fascistas não passavam de uns cobardolas incapazes de lutar. E eram incapazes porquê? Porque demonstraram que não tinham ideias, não passavam de um bando de gatunos a roubar o país, as colónias e o povo. E como não se soube aproveitar esse estado de coisas favorável, é evidente que faltou conhecimento e cultura. Daí o trabalho que eu fazia e continuarei a fazer, tentando discutir, abrir as mentes, combater os preconceitos e preparar o tal futuro diferente.

Quando esteve exilado fundou o Teatro do Operário de Paris, o que é que aprendeu quando esteve com esse teatro, e que lhe permitiu maior bagagem decerto para quando ingressou no grupo onde está a Barraca? Fazer teatro, cultura, música, política e levá-los para os portugueses que viviam em bairros de lata, foi um trabalho importante para si? O que é que representava e representa esta parte da sua vida em que ajudava e tentava dar outra vida a outros portugueses? A fundação do Teatro Operário vinha na sequência do que eu já fazia em Lisboa quando dirigia o grupo Cénico da Faculdade de Direito. As nossa peças saiam da Universidade e andávamos pelas Associações de bairro em Lisboa e na margem Sul do Tejo. Contactamos com esse operariado e estabelecíamos projectos vários- poesias, alfabetização, sessões musicais, e …politização… O projecto em Paris foi riquíssimo. Em 3 anos tínhamos vários grupos / filhos do Teatro Operário, escrevendo as suas peças e actuando nas fábricas, nas casas de cultura, etc, Mais de 160 actores actuavam nesses grupos… E criaram-se outros grupos em Grenoble e noutras cidades de França, na Bélgica, Holanda, Londres, Dinamarca e Suécia… Claro que esta experiência humana, artística e política foi determinante para a minha evolução e definição de objectivos. O 2º espectáculo que fizeram em Paris foi o “18 de Janeiro de 1934” que serviu para aprenderem a “criação colectiva”. Começar do 0 sobre como fazer dramaturgia e estética teatral, o que é que vos permitiu e catapultou enquanto jovens actores? A escolha do tema era fundamental para a evolução política do grupo. Começar com a revolta dos vidreiros da Marinha Grande permitiu aprofundamento de ideia e concepções. Que se desenvolveram no espectáculo seguinte – “O Soldado” contra a guerra colonial. Participou recentemente num tributo a Pete Segeer com o José Zaluar e outros artistas, todo o percurso e toda a obra do Pete Segeer inspira-o de alguma forma? Para si qual foi a importância de se disponibilizar para este bonito gesto para com este autor que defendia a liberdade a juventude, a sua música...? Tive a felicidade de conhecer o Pete Seeger quando ele esteve em Lisboa e conheceu o Zeca Afonso, e é evidente que não podia deixar de homenagear uma das figuras inspiradoras das revoltas internacionais dos anos 60! Em 1978 escreveu a peça Zé do Telhado para a Barraca, com músicas de José Afonso. Foi gratificante para si estudar a história deste Grande Homem? O Zé do Telhado era uma figura que acompanhava desde criança. A minha mãe tinha-me dado um folheto de cordel que se vendia nas feiras do Alentejo, com a história do bandoleiro social…imaginem o prazer de ter sido desafiado pelo Augusto Boal para escrever essa peça! Escreveu a peça o Príncipe de Spandau passados estes anos todos acreditava que a peça pudesse estar mais actual que nunca? Quais foram as suas motivações para escrever esta peça? Eu escrevi essa peça em Barcelona quando estava a dirigir outra peça minha “ Calamity Jane” com um grupo de lá. Vi no jornal que o Rudolph Hess tinha morrido e percebi imediatamente que isso seria aproveitado pelos nazis para manifestações e propaganda Hitleriana. Escrevi a peça e passados 2 anos teve estreia mundial em Viena de Áustria…seguiu-se Dinamarca, Bolívia, Roménia, Paris, Bruxelas, Londres, Madrid e finalmente eu dirigi-a em Lisboa. A peça serviu precisamente para destruir a propaganda nazi e alertar para o regresso possível dessa peste negra. Como se verifica actualmente em França, Hungria, Roménia, Ucrânia, Grécia, etc… A Barraca sofreu um corte gigante nos apoios para o desenvolvimento da sua actividade teatral, cívica, e social. Qual é a sua opinião, em primeiro sobre este tratamento ao vosso grupo, e em segundo o tratamento dado à cultura, ao teatro, às escolas, a tudo o que deve constituir aprendizagem ao cidadão comum? O ataque à Barraca é sistemático e vem de longe. Quando este Cavaco foi 1º Ministro de 1984 a 1994 tivemos corte TOTAL de subsídio regular…sem explicações e…diga-se a verdade, sem nenhuma solidariedade por parte da classe teatral. O contrário do nosso procedimento que sempre nos pusemos à frente de todas as lutas e reivindicações culturais, cívicas e políticas. Como conseguimos continuar, manter o grupo sempre com cerca de 20 elementos, e não desistir da inovação estética e da continuidade do nosso plano dramatúrgico? Com mais trabalho, o que para nós não é problema porque quem corre por gosto, não cansa! (Mas há limites!!!!). Fazemos, desde sempre, itinerância nacional e internacional. Além do dinheiro que se ganha, a questão mais importante é precisamente de nos confrontarmos com outro público e daí podermos aferir da justeza e qualidade do nosso trabalho, e se comunica com públicos tão variados apesar das diferenças que a própria sociedade vai sofrendo. É importante lembrar que o nosso trabalho cenográfico se orienta principalmente para o espaço vazio, o que obriga a maior imaginação no jogo teatral e exige grande qualidade no jogo de representação.

É evidente que o sinistro plano que está em marcha há bastantes anos e que se agravou com o actual (des)governo é a eliminação do conhecimento, da educação e da instrução…para mais facilmente reduzir populações à situação de penúria e de escravatura.

A BARRACA – Uma Dramaturgia Patriótica – por Hélder Costa, é um texto seu que apresentou no 25 de Abril. Referiu que o grupo tinha necessidade de falar sobre a História e cultura de Portugal porque o fascismo a adulterou e a falsificou, hoje pensa da mesma forma perante estes governos de 25 de Novembro de 75? Todos os governos que temos tido obrigam a uma permanente atenção para trabalho de esclarecimento e denúncia. Acabei de estrear uma versão minha de Tartufo de Molière completamente actualizada sobre o que se passa hoje em Portugal, satirizando e criticando a falsa justiça que temos. E escolhi como cartaz bandeira e emblema da Comunidade Europeia com a foto de família do Conselho da Europa…esse bando de verdadeiros Tartufos, hipócritas, ladrões e mentirosos. Mais claro que isto é impossível. De todo o trabalho como mestre de teatro, escritor interventivo politicamente, socialmente e culturalmente, que resultados práticos tem conseguido obter com o público, das mensagens que passa e que importância tem escrever e abordar estes temas? Este trabalho vai dando frutos a médio e longo prazo. Mas já ajudamos na criação de vários grupos em Portugal, Espanha, Brasil, Moçambique, Dinamarca.. E há uma verdade insofismável. Se não tivéssemos público há muito tempo que tínhamos desaparecido. Em 2013 apresentou a peça “Incorruptível” uma sátira sobre a corrupção. Para si retractar a situação que vivemos, o melhor é satirizar? Essa peça estreou em 2005 e já teve montagens em Espanha, Brasil, Moçambique e Suiça. Não tenho dúvidas que a grande arma de luta é a sátira. Quais foram os autores sempre proibidos? Gil Vicente, António José da Silva, Molière, Gogol… Não esquecer : o HUMOR É A SEIVA do REVOLUCIONÁRIO Em 2010 nos 100 anos da República encenou a peça “O mistério da camioneta fantasma” Eu tinha escrito e encenado essa peça em 2005. Tratou-se, por conseguinte, de uma reposição a convite da Comissão Nacional para as comemorações do Centenário da República de 1910. Considera essencial falar sobre a sua história? Acho absolutamente vital falar da História da República, dos ataques e traições que tem sofrido. Esclareço que a minha posição é contrária a quem diz que estamos na 3ª República. O que é absolutamente falso porque uma ditadura fascista de 48 anos, anti-democrática e sem partidos políticos nunca pode ser considerada uma República! Estamos hoje na 2ª República, bastante martirizada, mas é uma República. O meu interesse por este tema é permanente e tenho tido a oportunidade de aprofundar este estudo com vários espectáculos : “Viva a República!”- estreou na Assembleia da República em 1986 para comemorar os 75 anos da Constituição da República de 1911; “Abril em Portugal”, estreou em Grândola em 1999 integrada nas Comemorações Nacionais dos 25 anos do 25 de Abril de 1974; “Abril, esperanças mil”, estreou na Assembleia da República no dia 30 de Abril de 2014 em comemoração dos 40 anos do 25 de Abril É autor e moderador dos Encontros Imaginários, como é que surgiu este projecto para desenvolver o debate de ideias através de personalidades marcantes da História da Humanidade? Este projecto, na sua forma actual – 3 personagens e 1 moderador – teve um longo amadurecimento. Tudo começou por um convite de Joaquim Letria que tinha o programa “ Tal e Qual” na RTP. O convite consistia em escrever um diálogo de 5 minutos de um personagem Histórico português que falasse com ele. Anos mais tarde, Carlos Cruz convidou-me para participar no programa “ 1,2,3” escrevendo personagens da História, Cultura, Politica com humor. Passaram mais uns anos e Carlos Cruz convidou-me outra vez para pensar num programa com vários personagens em debate. Estávamos a chegar a esta fórmula, que foi experimentada com êxito. Em 2011 decidi fazer a experiência de passar esta ideia para um espectáculo para-teatral (não é uma peça de teatro, os textos são lidos, não há iluminação nem cenografia…), é fundamentalmente uma tertúlia com espectadores. Tem sido realmente um grande êxito e desde 2013 deixei de fazer com actores. Passei a convidar figuras públicas – militares, políticos, padres, deputados, advogados, médicos…em suma, iniciei o projecto de participação da sociedade civil. O resultado tem sido óptimo: desaparecem os ghettos em que todos estamos encerrados. Agora, todos estamos em comunicação e numa prática conjunta: os do teatro confraternizam com todas as outras profissões, a conversa comum torna-se cada vez mais rica. Trata-se de um contributo válido para se compreender socialmente a Cultura e culturalmente a Sociedade. Quais são os seus sonhos para Portugal? São muitos e são ambiciosos. Com progresso, liberdade e alegria suficiente para extinguir as teias de aranha fascistóides que continuam a destruir projectos, vidas e esperanças. Se calhar, só gostaria de uma coisa muito simples: que Portugal fosse um país DECENTE. Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques Correcção: Paulo de Azevedo Nunes

03 de Janeiro de 2015

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