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Entrevista ao cantautor Mário Mata

Como é que está a ser a experiência de tocar e cantar músicas do Génio José Afonso? É uma aprendizagem constante? O que o motivou e motiva a cantar Zeca e a homenageá-lo de cada vez que sobe ao palco para o cantar?

Cantar Zeca é sempre uma grande responsabilidade, tal como seria interpretar outros cantautores, há sempre o receio de se perder a essência. A ideia do Tributo nasceu de um grupo de amigos da música do Zeca , amadores com alguma experiência de palco, a que se juntaram mais uns quantos profissionais e que deram forma a este projecto. Este trabalho colectivo de várias ideias e campos musicais tão díspares agregado ao gozo de tocar as músicas do Zeca é, por si só, motivo de grande satisfação.

O tema “Então Ó Zé como é que é lutar sozinho contra o sistema”, foi composto há pelo menos 11 anos. Contínua a ser um dos grandes problemas da sociedade de hoje haver muito egoísmo, falta de luta, criticar-se muito no café e fora dele nada?

Esse tema fala disso mesmo, da juventude desligada do real e ligada ao virtual..” O Zé é o eterno marginal, fora do sistema, contra o sistema. Se antigamente tinha caras com quem lutar, hoje tem rostos invisíveis atrás dum computador qualquer, a governar o mundo. Como diria um amigo meu “ ...só os vences desligando a ficha da tomada...”. Já pensou se algum dia acabasse a electricidade? Era o caos mundial. Tudo gira à volta duma tomada, e esse Zé vai lutando contra a corrente.

Participar no Festival da Canção, foi importante para o seu trabalho, para o reconhecimento da sua música?

No meu caso pessoal, pelo contrário. Digamos que foram umas boas férias no Funchal. Valeu pelo convívio, pela música.

Dizia em entrevista ao blogue festivaiscanção que depois da Revolução dos Cravos o Festival passou a ser igual aos programas da tarde, ou seja sem conteúdo. Considera possível reerguer o Festival com o mesmo nível que existia com o Fernamdo Tordo, o Paulo de Carvalho e outros?

Não penso que isso seja possível. Eram outros tempos. As televisões mundiais evoluíram para outros formatos. Dantes havia o Festival e mais nada, de maneira que era um acontecimento nacional.

Nasceu em Angola e a sua infância e juventude até aos 14 foi feita lá, foi fácil viver naquele ambiente de terror que era a guerra Colonial?

Para ser sincero, em Luanda não havia terror nenhum. A informação era escassa e principalmente às crianças nem sequer chegava. Além disso a guerra era no mato, Luanda era uma bolha. Eu só me apercebi da guerra colonial quando deixaram entrar os Movimentos na cidade.

O 25 de Abril lá foi decerto diferente, mas como o viveu, e cá como é que viveu o PREC e o Pós 25 de Novembro?

Não nos esqueçamos que quando se deu o 25 de Abril eu tinha 13 anos e não fazia a mínima ideia do que se estava a passar. Só quando cheguei a Portugal (dita Metrópole) é que comecei a tomar consciência do que passava. Quando veio o 25 de Novembro, o contragolpe liderado por Ramalho Eanes e Jaime Neves que conduziu ao fim do PREC (Processo Revolucionário Em Curso) tinha acabado de fazer quinze anos. Só muito mais tarde tomei consciência de tudo o que acontecera.

O que é que o levou e o que é que o leva a fazer canções de protesto? E arregaçar as mangas, e ir à luta?

Quando começaram a levar o 25 de Abril para um 24 de Abril muito mais castrante. Antigamente lutava-se contra o Salazar, contra o Marcelo Caetano, contra o fascismo, hoje temos uma coisa muito pior que é a escravatura económica. De que adianta lutar contra os tipos que estão ou estarão para ir para o poleiro?Eles não vão mudar nada! Quem manda são as instituições financeiras e os grupos económicos.

“Já Fomos Enganados” é mais uma música de cariz de crítica social, diz a páginas tantas que só é enganado quem quer, porque diz isso? É essencial para si cantar estas letras e passar estas mensagens?

A letra desse tema é uma introspecção sobre as eleições. Ninguém obriga ninguém a votar em determinado partido. Se votam sempre nos mesmos, não se queixem.

Referiu à revista Vidas do Correio da Manhã que os Media não fazem muito para que a sua música

“Não Há Nada Para Ninguém” seja mais vezes mencionada. O que origina que isso aconteça, que a música popular e os cantores populares que cantam músicas de protesto não sejam tão apoiados?

Penso que os cantautores ditos de intervenção passaram a ser produtos datados. São tirados da prateleira no 25 de Abril e no 1º de Maio. Não somos um produto vendável, repare, nós somos incómodos.

Como é que era no início da sua carreira tocar pela zona do Algarve? Tem vontade de percorrer as terras, cidades, e passar a sua mensagem?

O Algarve é a minha segunda terra. Foi lá que cresci para a vida e que tudo começou. A música, o primeiro amor, as primeiras experiências. Tudo começou lá. Foi onde que me estreei a tocar em bares na Praia da Rocha com 17 anos.. Os lugares onde passo deixo sempre o meu cunho pessoal, seja através da música ou das letras.

Em 81 esteve na histórica festa organizada e apresentada pelo Grande Júlio Isidro?

Penso que se refere à Febre de Sábado de manhã um programa radiofónico da Radio Comercial que se realizava no Cinema Nimas apresentado pelo Júlio Isidro e o António Barra. Era um programa muito popular na época. Essa mega festa que menciona foi no Estádio de Alvalade. Foi uma excelente experiência. Não é todos os dias que se toca para 45.000 pessoas.

Em 2013 participou com o Francisco Fanhais e outros artistas um tributo a Pete Segeer, todo o percurso e toda a obra do Pete Segeer inspira-o de alguma forma?

Eu fui convidado tal como o Fanhais. Digamos que foi um cantor importante nos movimentos dos anos 50/60/70 para a juventude da América. Pete Seeger foi o porta-voz da esquerda americana. Além disso foi sempre um ferveroso defensor da folk-music acústica.

É a par de José Afonso um cantautor que merece ser sempre homenageado, falado, promovido?

Todos os cantautores merecem a sua homenagem independentemente da sua opção politica.

“Não Há Nada Para Ninguém” mas há troika para alguns. Foi a um concerto anti-troika, é imperioso para si combater esta instituição e a situação que dela adveio?

Foi um grito de revolta antes de mais. E foi giro ver tanta malta que se uniu ao evento. Depois, veio o dia seguinte e tudo ficou na mesma. Houve mais umas manifestações, e ficou-se por ali. É quase impossível lutar contra uma entidade sem cara. Daí voltamos à questão do apagão, desligar a ficha da tomada.

Que sonhos tinha do 25 de Abril? O que é que gostava que definitivamente se cumprisse, politicamente, socialmente, e culturalmente?

Que sonhos tinha? Ah essa é boa. Penso que todos falávamos de liberdade. Depois começamos a falar de liberdade a horas certas. A seguir inverteu-se o próprio conceito da palavra liberdade. Hoje em dia tudo se faz em nome da liberdade, e nós somos uns líricos que continuamos a pregar aos peixinhos, e sem dinheiro para pagar as contas ao fim do mês. Isto porquê? Quem quer contratar alguém que lhes vai dizer isto tudo? Que os confronte e lhes diga as verdades? Gostava que a cultura não fosse 00,01 % do orçamento.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

Eu já não sonho meu caro. Gostava isso sim que os meus filhos tivessem um bom futuro e não tivessem que emigrar.

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques Correcção: B.T

20 de Dezembro de 2014

20 de Dezembro de 2014

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