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Entrevista a Rute Mar

Como vês a situação da cultura neste momento?

Trágica! Os lobbies dominam a indústria cultural e não há incentivos nem interesse pela grande maioria dos artistas em Portugal, nas mais diversificadas áreas.

Como achas que se pode promovê-la e melhorá-la?

Dando visibilidade aos projectos mais pequenos, nomeadamente nas autarquias de onde são originais e fomentando a sua divulgação e respectivo apoio.

Os grupos de Folk, e espaços como o Contagiarte, Aqui Há Gato e associações como a Pé de Xumbo, têm feito uma enorme recolha de músicas tradicionais – iniciada pelo Giacometti. No entanto, quem achas que devia salvaguardar e fazer esta recolha da nossa música e das nossas raízes?

De momento a única entidade a fazer devidamente esta recolha, quer na música, quer na dança, é a MPAGDP e a DPAGDP, projectos encabeçados pelo Tiago Pereira. As restantes associações mencionadas apenas davam visibilidade pontualmente, contratando bandas e oferecendo agenda para aulas/oficinas na área. Estamos a falar, na minha opinião, de um património imaterial que devia ser protegido e recolhido por todas as autarquias de norte a sul do País.

Qual é a razão de quereres partilhar as “maravilhosas culturas que há no mundo”?

É uma paixão antiga… com uma percentagem genética, se quisermos. O meu avô era muito “adepto” de música e dança das mais diversas culturas… os meus pais passaram-me a mesma paixão e a necessidade de partilhar isso com as pessoas simplesmente enche-me a alma… nunca os bolsos, mas o sorriso… esse sempre!

Porque é que é importante para ti fazer essa partilha, mostrando aos outros a cultura, a sabedoria e fazê-las pensar?

Acima de tudo porque me faz confusão ver que as pessoas desconhecem uma série de “formas de diversão” que as pode preencher bem mais do que horas a fio numa passadeira rolante de um ginásio… que não sabem que esta modalidade tem alto poder lúdico-recreativo, que para além de exercitar corpo e mente, permite toda uma combinação de factores que, invariavelmente, as deixa rendidas: a partilha, o convívio, as amizades e laços que se criam… tanta coisa. Por outro lado porque acredito e defendo um mundo sem fronteiras em aspecto algum… porque acho mágico podermos dançar 10 países/culturas numa mesma aula, transformando de facto a dança numa linguagem universal e enriquecedora em todos os níveis.

Porque é que achas que é importante partilhar a cultura de todo o mundo – a dança e as raízes tradicionais?

A resposta a esta pergunta podia ser elaborada e cheia de moralidade, mas a verdade é que para mim o que actualmente me importa são os testemunhos dos alunos que se dizem mais felizes e preenchidos com esta actividade… às vezes dizem-mo com lágrimas nos olhos e agradecem-me… Quanto ao facto de divulgar as raízes tradicionais, como disse acima, acho que como património ou herança imaterial, deve ser algo que, podendo, devemos partilhar para que se mantenham vivas e não esmoreçam.

Porque que pensas que é positivo exercitar o corpo e a mente?

Positivo e fundamental. O ser humano tem essa necessidade mas nem sempre a sabe canalizar e muitas vezes acaba deprimido perante um computador, um sofá, uma televisão. Faz parte da natureza humana exercitar corpo e mente desde os primórdios… está provado cientificamente que é essencial para a saúde.

Tem sido gratificante trabalhar na dança e cultura nestes últimos 7 ou 8 anos?

Gratificante sim, esgotante também…

A gestação do teu “filho” Bailanser Bailanser custou muito? Nasceu para ressuscitar as danças Europeias que andavam esquecidas, embora consideres que hoje em dia já são mais divulgadas e praticadas?

Os Bailanser são um projecto que visa a divulgação das danças tradicionais com um pouco mais de impacto, uma vez que estão ali, em palco, sem grandes espartilhos e ao mesmo tempo respeitando as raízes… Tentamos com este projecto dar uma “roupagem” nova ao conceito de “tradicional” e enquadrar tudo num contexto mais “contemporâneo”. Não é um projecto que vejo como “meu” filho mas sim de todos os que estiveram no seu “nascimento” como o Matias, a Patrícia Vieira e o Hugo Machado… não custou nada, uma vez que todos os envolvidos se movem pela causa “Folk”!

Acreditas que nestes últimos anos tem havido mais pessoas interessadas pela dança, pela sua importância, ou também há muita gente que vai pela moda – porque é mais barato ir aos festivais de Verão de danças tradicionais?

Acho que existe um pouco de ambos nesta situação… como em tudo. No folk também existem ciclos… há anos em que é mais moda, outros em que é menos. De momento vê-se um interesse maior nas camadas mais seniores, ao contrário do que acontecia há uns 3 anos atrás… mas varia muito…. Como digo, há ciclos também no Folk.

Qual é para ti a importância dos animais? Como se deve tratá-los?

Com todo o respeito e ternura que merecem como ser sencientes que são.

É triste para ti ver a forma como têm tratado o Zico e o que lhe querem fazer? Como achas que devia acontecer?

O caso do zico teve um desfecho feliz, mas foi de facto mais uma prova do preconceito e da falta de evolução no que respeita à legislação portuguesa, nomeadamente a que envolve os animais domésticos. Felizmente, começamos agora a ver alguns avanços nesta temática também…

Porque é que não continuaste na ginástica de competição? Tens saudades?

Tenho imensas saudades… faz parte da minha vida e foi uma fase comprida o suficiente para se transformar em muito daquilo que sou hoje. Não continuei por vários motivos combinados, mas acima de tudo porque a competição exige muito da pessoa, exige uma dedicação quase total, sem tempo para mais nada… e na verdade, enquanto pratiquei, vivia apenas para aquilo…

O teu gosto pela dança e por quereres fazer dela profissão, surgiu através do Festival Andanças? Se não, como é que surgiu?

Não. O meu gosto pela dança nasceu comigo. Em pequenina, quase antes de saber ler ou escrever, punha-me nas pontas dos pés a imitar as bailarinas que via na televisão… Este gosto foi sempre alimentado pela minha família… um dia, com os meus 7 anos, dancei em silêncio uma valsa com o meu avô no alpendre de uma casa no Gerês… ele adorava valsas… e sevilhanas também… Mais tarde apaixonei-me literalmente pelo Folk e nunca mais o consegui largar. Às vezes cansa… mas deixar é quase impossível.

O que é que a dança, a música e a cultura significam para ti?

Vida, siginificam VIDA!

O que seria de ti sem elas? Sentir-te-ias vazia?

Sim, seguramente seria um vazio imenso… que não poderia descrever em palavras.

Na tua opinião, as pessoas sem cultura, são o quê?

Sem cultura não têm conhecimento… são desprovidas de uma série de “visões” sobre este magnífico mundo…

Consideras que hoje as pessoas já têm mais conhecimento sobre a importância das danças tradicionais europeias e mundiais, e sobre as suas origens?

Algumas, não todas, mas sim… já existe mais conhecimento, mais abertura, mais sensibilidade e mais respeito.

Quando iniciaste a tua carreira, não havia assim tanta gente disposta a aprender. Esperavas que, hoje em dia, houvesse este boom de haver tanta gente a interessar-se pelas danças e pelos festivais como o Andanças?

Não, de facto, mas com o decorrer dos anos percebi os tais “ciclos” que mencionei acima… de qualquer forma acredito que ainda há um longo caminho a percorrer, que já não será para mim, mas para os que vêm e quiserem manter viva esta modalidade.

“Bailebúrdiavas” de novo? Foi uma experiência rica?

Muito! Desde a criação/fundação do projecto a todos os momentos que o grupo viveu. Foi das “coisas” mais fortes que realizei e às quais tive o privilégio de pertencer.

Trabalhaste com animações circenses. Como relatas essa experiência? Foi gratificante para ti partilhares alegria e sorrisos?

Imenso! Também é uma paixão que me acompanha desde adolescente e foi sempre com muita alegria que trabalhei nessa área.

Já ensinaste dança, e continuas a fazê-lo. Passas música, és coreógrafa, produtora, cantas, estás ligada ao teatro, já fizeste animações circenses... O que é que te dá mais prazer fazer?

Cantar nem por isso… de resto, não posso escolher nenhuma das opções isoladamente… todas estão relacionadas a público… a sorrisos… a arte… e todas me enchem a alma e o coração, sem grandes diferenças entre elas. Claro que a abordagem em cada função é diferente e exige de nós diferentes posturas e disciplinas… mas são todas muito gratificantes.

É importante promoveres a dança, o teatro, a cultura, porquê?

Porque para mim, a vida sem isso não faz sentido nenhum… pode parecer uma frase feita, mas não é. Não imagino uma vida sem estímulos artísticos e culturais… Estamos vivos para aprender… para viver… e para mim é necessário que exista arte para que isso aconteça realmente.

“Conquistar sorrisos, pintar borboletas, desenhar arco-íris… o lado A da vida”. São objectivos que tens para o que fazes?

São acima de tudo a forma como vejo o que me rodeia e como gostava de ver sempre…

Que mais objectivos tens para ti, para os teus alunos/futuros alunos e para o teu público?

Tirando os sorrisos, a felicidade, o convívio e a festa, o único objectivo que resta é ter força para continuar…

Qual foi para ti o significado de Bailebúrdia, e Banda às Riscas?

Início, experiência, enriquecimento pessoal – interior. Perceber que se quisermos podemos contagiar qualquer alma com alegria… perceber que o poder está dentro de nós… e apenas!

Como relatas a tua experiência no: “Festival Oblikollectif à Toulouse!” em Toulouse?

Uma experiência magnífica com os Blowzabella, e toda a equipa, que se estendia entre actores, músicos, artistas circenses… Um recinto recheado de “chapitôs” montado no meio de um dos bairros mais problemáticos da cidade… Magia, alegria e paz… Inclusão de pessoas que não conheciam ou não tinham aquela visão sobre arte e cultura… Foi incrível colaborar naquele evento e naquele projecto!

Confessaste-me, quando eu estava a preparar a entrevista, que gostavas de ir dançar mais vezes às aldeias. Porquê? O que te fascina?

As pessoas, a felicidade dos mais idosos em ver gente mais nova e da “cidade” a ir lá e dançar com eles… a ternura daqueles olhares e daquelas mãos… a pureza das pessoas que habitam as aldeias… Combater a solidão delas e partilhar com elas alegria… Levar pessoas às aldeias… Sei lá, tanta coisa…

É triste para ti veres muitas aldeias desertificadas?

Muito triste…

Quais são os teus sonhos para Portugal?

Sonho que Portugal cresça… que dê apoio aos seus artistas, às suas tradições (todas as que não infligem maus-tratos quer a animais quer a humanos), que seja um País mais justo… com mais direitos e menos deveres… Sonho com o sonho “dos cravos”… Que a democracia seja algo real e não esta ilusão estéril a que o povo se habitua… Eu sonho mais alegria para Portugal.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista por: Pedro Marques Correcção por: Sílvia Dias

10 de Setembro de 2014


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