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Entrevista ao Escritor Samuel Pimenta


No dia 10 de Junho de 2012 escreveste uma carta para Portugal. O que te levou a escreveres uma carta a dizer o que sentes, como gostavas que Portugal lutasse e procurasse continuar a ser o que sempre foi? Qual é a importância para ti de partilhar com os demais portugueses uma carta que procura mostrar que se deve acreditar em Portugal?

- Pois escrevi, já nem me lembrava. Basta olhar para o que se passa à nossa volta para ter vontade de intervir. E o Portugal de 2012 não mudou muito - ou até mesmo nada – até agora. Penso que escrevi a carta para contrariar o cinzentismo que se vivia em 2012 – e que ainda se mantém. É importante que os portugueses se recordem do papel que Portugal cumpriu, mas que não fiquem ancorados nele e possam olhar o futuro. Alguns portugueses do passado, dotados de uma visão fora do comum, conseguiram desvendar mais do mundo. Hoje continua a acontecer exactamente a mesma coisa, a um outro nível. E é importante que se integre isto para podermos avançar, evoluir. Por essa razão acredito tanto na Portugalidade (no seu sentido místico) e na Lusofonia. Acredito que o futuro do planeta ainda passará pelas mãos dos falantes de Português. Outra vez. Mas de uma forma totalmente diferente da que aconteceu no passado. Veremos.

Para ti o que foi mais importante abordar no poema “O Relógio”? O tempo ser uma prisão, os blás, blás, blás, a repetição constante das coisas, o esperar para morrer, são questões que as pessoas precisam de pensar e de ver que há mais vida? Como se pode agitar e combater as pessoas redondas e desinteressantes?

- “O relógio” é um grito, é o manifesto de um Eu que está cansado, que já não suporta os vícios da sociedade em que está integrado e que precisa de os denunciar, de os nomear, de os destruir. É também um apelo à consciência do leitor, a confirmação de que há mais vida além da prisão, que a liberdade é possível.

Tanto na carta para Portugal como na entrevista sobre este poema referes que existe uma auto-opressão em Portugal. De que forma sentes isso, e como podem os portugueses largar essas amarras?

- Sim, há uma auto-castração, como se duvidássemos constantemente das nossas capacidades. E os donos do sistema, governantes, corporações e outros, têm-se aproveitado disso para fazer o que têm feito. A forma de nos libertarmos passa conseguirmos manter um olhar elevado sobre a realidade. E agir. De nada serve ter conhecimento da realidade se continuamos a viver numa torre de marfim. Conhecimento exige acção.

No Portugal Quem És Tu de Fernando Alvim assumiste perante o público que és homossexual e que sofreste violência psicológica mesmo quando ainda não sabias a tua orientação. Como foi viveres perante essa violência e como se pode combater essa violência psicológica ou física? E como foi teres coragem de assumires-te?

- Eu não assumi nada no “Portugal, quem és tu?”. Falei, sim, de uma situação que vivi desde sempre, das agressões físicas e psicológicas na escola e fora dela, e que era, passo a citar, “acusado de uma sexualidade que nem eu conhecia ainda”. Tenho procurado libertar-me dos rótulos durante toda a minha vida, não iria, agora, vestir outro, sou avesso a isso. Sou um Ser, um Ser que ama, só isso importa. As sociedades têm de lidar com as sexualidades com a mesma naturalidade com que lidam com as cores dos olhos uns dos outros. É nesse planeta que eu quero viver, um planeta de Seres, não de rótulos. A sexualidade é só um elemento da identidade de cada pessoa e devemos ser livres de a expressar onde, quando e da forma que nos fizer felizes. De preferência, sem inquéritos e agendas. Por norma, são os inquéritos e as agendas sociais que despoletam a violência.

Nas Comemorações dos 40 anos da Revolução dos Cravos - 25 de Abril participaste numa iniciativa de poesia na rua recriando o percurso dos Capitães de Abril. Que significado teve este acto cultural para ti no ponto de dar poesia/cultura às pessoas e de aprender a história do 25 de Abril?

- Não foi uma iniciativa, foram duas, uma em Santarém – a primeira – e outra em Lisboa, organizadas por mim e pela escritora Arlete Piedade, em parceria com uma série de outros autores e entidades, inclusive a Associação 25 de Abril. Chamámos às duas iniciativas “A poesia está na rua”, para lembrar Sophia de Mello Breyner e Vieira da Silva, e andámos pelas ruas das duas cidades a dizer e a distribuir poemas e cravos por quem passávamos. Foi uma forma de lembrarmos a importância da poesia para a construção de um espaço de liberdade. E correu muito bem.

Habitualmente organizas tertúlias. O que é que esta partilha e reunião de poesia e leitura te tem feito aprender, evoluir, e de que forma contribui para a cultura de todos os envolvidos?

- Organizo tertúlias desde Junho de 2012. Comecei no Zazou Bazar & Café, em Lisboa, e depois estive no bar do Teatro Rápido e no Café 100 Artes. Também estive no bar do Teatro Sá da Bandeira, em Santarém, e na CASA – Centro Avançado de Sexualidades e Afectos, no Porto. Além dos outros encontros em que vou participando, em Lisboa e não só. A partilha, a meu ver, é uma abertura para a evolução. E o que acontece nestes espaços é, acima de tudo, partilha, de textos, de ideias e de emoções. Evoluí muito desde 2012. E acredito que quem participa em encontros deste tipo poderá dizer o mesmo.

Em Julho do ano passado participaste em “Dizer e Cantar Variações - Homenagem a António Variações” dizendo as suas letras, esta homenagem que relevância tem para ti? Dizer e aprender as letras, a vida e obra deste autor faz-te crescer de que forma?

- Essa foi uma iniciativa que organizei com o meu irmão, Isaac Pimenta. Eu dizia as letras das canções e ele cantava e tocava. Ambos gostamos muito de António Variações e foi uma forma de o homenagearmos, pois em 2014 assinalaram-se os 70 anos do nascimento e os 30 anos da morte dele. António Variações é um marco, como músico e como pessoa.

Estiveste na Bienal Internacional em S. Paulo, no Salão Internacional do Livro e da Imprensa de Genebra, Feira do Livro de Frankfurt, Aturujo à Terra (1) e no VI Encontro de Escritores Moçambicanos na Diáspora. O que é que bebeste da riqueza cultural, das experiências, da troca de saberes nestas viagens?

- Foram experiências muito variadas, mas cruciais para o meu crescimento enquanto autor, pois conheci pessoas fascinantes. Penso que, desses encontros, as pessoas que se conhece e as partilhas que se iniciam a partir daí são o mais importante. A forma como olhamos as coisas muda, transforma-se.

Participaste na Antologia Abril Depois de Abril e no IV Festival Grito de Mulher de poesia e tens participado em vários espaços temáticos sobre o futuro de Portugal, sobre o país. O que representa este grito de Mulher, o 25 de Abril e escrever para uma antologia sobre o tema, e ter espaço para falar sobre Portugal sobre como progredir, e como sente, é dignificante para ti?

- Tudo isso acaba por ser uma forma de celebrar a importância da liberdade. As oportunidades que têm surgido de eu participar nesses encontros, e no “Abril depois de Abril”, em particular, são uma forma de eu dar o meu contributo, de acrescentar algo diferente ao que tem sido dito. E isso é uma honra para mim, claro.

Quais são os teus sonhos para Portugal?

- Viver num país, e num mundo, em que as pessoas se amem mais umas às outras, que se respeitem. E que amem e respeitem a Terra. É a única forma de resolver, de vez, todas as outras questões.

1. Feira das Artes e das Letras para a Terra”, Ramil, Galiza

Obrigado pelo teu tempo. Desejo-te a continuação de um bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques Correcção: B.T.

01 De Junho de 2015

01 de Junho de 2015

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