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Entrevista ao Deputado Miguel Tiago

Entrevista ao Deputado Miguel Tiago do PCP

1 - Que significou para ti fazeres parte do Grupo de Trabalho da Capital europeia da cultura? O que aprendeste da cultura portuguesa?

O grupo de trabalho tinha apenas como objectivo fazer com que PSD e CDS se pudessem associar o mais directamente possível às comemorações e para desviarem as atenções da desastrosa política cultural nacional para o que se passava em Guimarães. O PCP, através do Grupo, interveio sempre no sentido de conhecer os constrangimentos que impediam o pagamento atempado dos compromissos com os artistas e companhias, desde bailarinos a designers e mobilizou esforços para que esses atrasos fossem resolvidos e os pagamentos realizados. Nada do que eu sei sobre Cultura Portuguesa, que é manifestamente pouco, dada a sua imensidão, tem qualquer relação com esse Grupo de Trabalho.

2 - Como vês a situação da cultura portuguesa neste momento? O facto de Portugal ter sido capital europeia da cultura sem ministério para ti é um contra-senso?

Portugal está sujeito a um Pacto de Agressão assinado entre PS, PSD e CDS com FMI, BCE e UE. Esse Pacto traduz um programa político de subversão do Estado e de destruição dos direitos dos portugueses. Um desses direitos é o direito constitucional à liberdade de criação e fruição artística e cultural. No entanto, tendo em conta os desígnios hegemónicos dos grupos económicos nas relações sociais, mas também na cultura – como mercado e como instrumento - os governos de PS, PSD e CDS praticam uma política de estrangulamento da produção livre, alternativa e independente, como forma de assegurar a monocultura de mercado, a difusão de uma cultura conservadora, ideológica e economicamente ao serviço dos interesses do lucro e do domínio político. Em Portugal, estão actualmente 10 milhões ao serviço do apoio às artes, e o total do orçamento executado em Cultura (incluindo património, apoio às artes, arquivos, bibliotecas, política do livro, etc) não tem ultrapassado os 110 milhões de euros e tudo indica que esse valor tenda a diminuir. Isso significa que o actual Governo, no seguimento do último governo de Sócrates e PS, continua e agrava uma política de censura financeira às artes. Guimarães foi capital da Cultura por força de uma candidatura nacional protagonizada pela autarquia. O facto de Portugal não ter Ministério da Cultura é um mero elemento de propaganda. Na verdade, se tivesse um Ministro a política seria exactamente a mesma.

3 - O que é que os grupos de teatro, associações, movimentos e outros podem fazer para que a cultura não se perca e se mantenham os espectáculos e a acção por parte das pessoas?

Lutar. Organizarem-se entre si próprios e contribuir através da luta e da participação política para uma alteração substancial. Lutar para obrigar a acabar com as políticas de direita e para impor o cumprimento da Constituição da República Portuguesa. É altura de percebermos todos que não há meio caminho, ou se está com a Constituição, ou se está com o a ditadura dos mercados e da dívida.

4 - Para ti um povo sem cultura e educação é...

Não existe povo sem cultura. Existem é diferentes culturas: a libertadora e a conservadora. Hoje impõem-nos a conservadora. Mas afirmamos diariamente com o nosso esforço resistente e revolucionário a progressista e libertadora. Um povo apenas com acesso a uma cultura mercantilizada e ideologicamente manipulada pelo capital, é um povo que participa activamente no sistema capitalista ou que lhe fica indiferente, submisso. Já a questão da Educação é diferente, pois existe a ausência de Educação. Um povo sem Educação é um povo mais facilmente explorado no trabalho, e ao mesmo tempo, mais facilmente mantido na cooperação ou submissão com o sistema capitalista.

5 - Como dizem que todos os políticos são todos iguais, pedia-te que nos dissesses onde está o teu saco azul, a tua mansão, e qual é o teu tacho no BPN. (Peço desculpa, mas era inevitável). Passando para a pergunta séria, por que dizes que não são todos iguais?

Não são todos iguais por causas do projecto diferente do PCP e por causa da sua natureza de classe. Se podemos considerar que o arco dos partidos da burguesia (PS, PSD e CDS) e que o BE, cujo funcionamento é igual ao de um partido burguês (embora com um projecto de humanização capitalista mais ambicioso) têm de facto profundas semelhanças entre si, na metodologia, na perspectiva de intervenção política como forma de obtenção de benefícios, na organização interna e na ideologia; não poderemos jamais inserir nesse conjunto o PCP. O PCP, pela sua ideologia e prática política demonstra bem que, nem no plano institucional nem no plano de massas, é um partido igual aos restantes. No plano institucional porque está nas instituições democráticas sempre em obediência ao interesse dos trabalhadores e sem permitir benefícios individuais aos seus eleitos e no plano de massas porque intervém na luta, nos locais de trabalho, nos bairros, nas escolas, sempre com vista ao reforço da unidade na luta, orientando o movimento de massas para a elevação da consciência política e da participação popular, assim quebrando as limitações do sistema capitalista e criando as bases para a sua ultrapassagem.

6 - Também estás na Comissão Parlamentar do Desporto. A situação do desporto é caso para preocupação? O facto de os clubes serem empresas é prova de retrocesso e de que algo está errado?

A Comissão é a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, e o seu âmbito abrange Juventude e Desporto. O Desporto está a ser afectado, tal como outros direitos constitucionais dos portugueses, pela sua mercantilização e elitização, sufocando o desporto de massas e promovendo o desporto de elite, no qual o povo é mero consumidor não praticante. A conversão dos clubes em SAD’s é só uma consequência da industrialização do desporto com vista à obtenção de lucro e não com vista à melhoria das condições de vida das pessoas.

7 - Se temos imensos atletas de elevado valor nas várias modalidades, por que razão faltarão resultados em muitas selecções, clubes, e nos Jogos Olímpicos? O que se pode fazer para melhorar os resultados e o tratamento dado aos atletas, clubes e dirigentes?

Para nós, comunistas, o grande salto que falta dar em Portugal é o do alargamento da base de recrutamento e a aplicação de uma política de captação de talentos. Ou seja, falta uma estratégia política com vista ao desenvolvimento desportivo. Nada disso existe porque não existe prática desportiva de massas.

8 - O que tens aprendido como deputado e com o trabalho nas Comissões Parlamentares?

(dava um livro, o que aprendo sobre o sistema, o parlamentarismo e o seu funcionamento. É impossível responder em poucas linhas)

9 - Como é que é o teu dia-a-dia enquanto deputado?

A agenda é variável. No essencial, há dias de contacto com as populações, através de visitas aos distritos (no meu caso, Lisboa e Viseu), ou através de reuniões com estruturas associativas, sindicais, empresariais, escolares. Há Comissões às terças e quartas, reunião de grupo parlamentar à quinta e plenário quartas, quintas e sextas. O fim-de-semana é por vezes ocupado com tarefas do Partido ou em reuniões de preparação e discussão interna.

10 - Uma vez que foste membro da direcção de uma associação de estudantes, como tens visto a luta dos estudantes e estes novos casos de luta perante os governantes?

Na minha opinião, existe uma clivagem entre o que sentem os estudantes e aquilo que de facto tem atenção mediática. No entanto, o universo estudantil é cada vez mais representativo de uma elite. A elite pretende associações que se comportem como associações para ocupação de tempos livres, é natural, não precisa de mais nada. No entanto, ainda existe uma massa estudantil que sente os problemas do país, que não se integra na elite económica. Essas camadas estudantis estão em muitas escolas sem representação associativa. A JS e s JSD instruíram-se e instrumentalizaram praticamente todas as grandes associações e isso neutralizou-as do ponto de vista político. Muitas delas hoje fazem o discurso dos Governos e não questionam as políticas seguidas. Quando o fazem, fazem-no num tom que relega a luta estudantil quase para o patamar do terrorismo, como se uma manifestação fosse uma coisa a evitar a todo o custo e uma greve de estudantes fosse um acto criminoso.

11 - Como foi a experiência de teres estado na direcção da associação? Foi uma ajuda para o cargo que agora ocupas como deputado?

A experiência como dirigente associativo foi uma das mais ricas experiências da minha vida. Social e politicamente. Aprendi muito. Aprendi o trabalho unitário e também aprendi o trabalho de massas. Ajudou-me o facto de tomar contacto com um plano da luta que é também institucional. Isso veio a servir para ajudar um pouco na abordagem parlamentar.

12 - Como surgiu o teu gosto pela geologia e agora pela escrita? Depois de Letras Ígneas o que vem a seguir?

A Geologia surgiu do mero acaso de não ter entrado em Biologia, que era a minha primeira opção. Ao fim de um ano, consegui a transferência de curso, mas já não quis abandonar a geologia. Fui surpreendido por uma ciência que me cativou muito mais do que a própria biologia. A escrita é algo que está ligado à minha vida. Desde miúdo que leio prosa e verso, participei em teatros, recitais, enfim, a escrita veio naturalmente. Toda a gente escreve. Não sei o que vem depois das Letras ígneas.

13 - Sendo licenciado em Geologia, o que te faz estar como deputado?

O simples facto de não querer dizer “não” a uma tarefa que o meu partido me coloque, enquanto estiver ao meu alcance e dentro das minhas possibilidades aceitá-la.

14 - Gostavas de voltar à geologia?

Um dia, gostava muito.

15 - Fazendo um paralelismo com a tua área de formação, acreditas que há pessoas que são piores que os calhaus?

Julgo que os calhaus são neutros e nenhuma pessoa é. Uma pessoa neutra ou tem uma patologia qualquer ou está a mentir. Se há pessoas casmurras, que às vezes também se associa a “calhau”, não são essas que me preocupam, preocupam-me as lúcidas e inteligentes que colocam as suas forças ao serviço apenas de si próprias e dos interesses individuais ou privados em detrimento dos colectivos. Esses, não lhes faltando nenhuma capacidade nem inteligência, decidiram lutar contra as pessoas, contra os povos, contra a dignidade do Ser Humano. São inteligentes, portanto não são “calhaus”.

16 - O PCP defende eleições antecipadas e uma viragem à esquerda. Tendo em conta os últimos acontecimentos e as perdas de direitos e soberania nacional, acreditas que haverá uma nova revolução?

Não sei se haverá uma nova revolução. Mas julgo que a questão essencial ainda se coloca em cumprir a que já fizemos. O povo português fez Abril, as forças reaccionárias estão há 38 anos a desfazê-lo. Agora temos de reagir e cumprir. Depois de concretizada a revolução de Abril, com um ritmo mais ou menos rápido e acelerado, estou convencido de que Portugal terá de passar pela Revolução Socialista para se libertar de vez da exploração e do domínio dos monopólios.

17 - Se o governo caísse em breve, que governo é que gostarias de ver representar os portugueses?

Um Governo patriótico e de esquerda. Que integrasse o poder local, o movimento associativo, os sindicatos, as organizações populares de base e outras forças sociais e económicas. Um tal Governo, na minha opinião, não existirá sem a participação, e mesmo direcção, dos comunistas.

18 - Por que pensas que o 25 de Abril falhou?

Não penso que o 25 de Abril falhou. Penso que ficou pelo caminho.

19 - A conclusão da historiadora Raquel Varela sobre o Verão Quente e a posição do PCP de que o PCP nada tinha a ver com aqueles ataques e que não queria uma revolução socialista, contrapondo o que se disse por muita gente, foi essencial para que o PCP não constituísse governo na altura?

Essas teses não são de agora. A Raquel Varela limita-se a recuperar antigas ideias da extrema-esquerda portuguesa. E são contrafactuais. E além disso, ignoram as condições objectivas que se verificavam na altura.

20 - Como é que vês a reacção do público leitor aos textos que escreves sobre a sociedade, sobre a política e cultura? Acreditas que tens conseguido levar a tua mensagem e fazer com que as pessoas abracem a luta e vão para a rua lutar?

Não sei qual a reacção das pessoas ao que escrevo. Com excepções para quem comenta directamente o que escrevo nos blogs, que é um número muito reduzido de 3 ou 4 pessoas. Acredito que faço o que posso para passar a nossa mensagem.

21 - Que direitos precisarão de ser reconquistados através da Constituição? E porquê? Na tua opinião o que é preciso fazer para acabar com esta fome, miséria, desemprego, e terrorismo social como diz o Jerónimo?

Todos os que lá estão inscritos e mais alguns. É preciso recolocar a economia ao serviço do país e do povo, planificar a despesa de acordo com as necessidades das populações e fazer recair sobre o Capital impostos sem benesses, tal como recaem hoje sobre quem trabalha, assim aliviando os trabalhadores e assegurando um Estado que preste os serviços públicos necessários para o bem-estar e o progresso social, económico e cultural.

22 - Quais são os teus sonhos para Portugal?

Que aos direitos constitucionais se juntem outros, para cumprir de vez. E que um deles seja: Todos têm direito a não ser explorados.

Obrigado pelo teu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques Correcção: Fátima Simões

05 de Março de 2014

20 de Março de 2013 e 05 de Março de 2014

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