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Entrevista à cantora Ana Laíns

O trabalho com o Boy George foi muito recompensador e enriquecedor para si como artista/cantora/fadista? Não foi o único trabalho em que foi convidada a colaborar, em 2010 participou em dois temas do álbum – “Catavento” de Beto Betuk, que nos pode contar desta experiência?

Com o Boy George, curiosamente, nada de especial aconteceu como consequência. A imprensa portuguesa pouco ou nada falou sobre esse assunto.

É claro que ao nível da concretização pessoal foi muito bom e fica bem no meu currículo. Fui eu que fiz a letra e a música da parte que cantei. Logo foi uma parceria bem maior do que apenas um dueto. Ele é uma simpatia e amei conhecê-lo ainda que apenas via telefone e e-mail. Gravámos separadamente, ele em Inglaterra e eu cá em Portugal.

De resto tenho feito várias participações em discos de outros colegas. O Beto Betuk, o Miguel Rebelo, o Rogério Charraz, entre outros. Considero que a partilha e a generosidade em relação à nossa co-existância na música são muito bem representadas por este tipo de participações.. isto, quando existem apenas e só por isso. E não por motivos comerciais (que também são importantes, compreenda-se).

Que projectos tem para o futuro?

A curto prazo estou a trabalhar no meu novo disco e tenho concertos marcados para este ano em Portugal e no estrangeiro. E estou actualmente envolvida com a associação Fadoando, que eu mesma fundei em parceria com mais 2 pessoas (Arnaldo Costeira e Carlos Noivo), e que é uma associação sem fins lucrativos que visa ajudar pessoas através da comunidade artística portuguesa, e não apenas no fado. Acabámos de fazer a gala de lançamento no São Jorge.

O incentivo do seu pai e do Fadista João Chora, foram importantíssimos para que se tornasse Fadista?

Eu não sou fadista.

Sou uma cantora de cariz português que também canta Fado.

Mas sim, sem dúvida que se o meu pai e o João não tivessem feito alguma pressão, poderia dar-se o caso de nunca me envolver com o fado. Ou não!!! Acredito que o que tem de ser tem muita força, e sendo eu uma apaixonada pela música de cariz português e pela nossa cultura, muito provavelmente acabaria por me encontrar com o fado. Depois houve a Dulce Pontes, que fazendo um “Fado” mais fácil de entender, cativou muita gente da minha geração para o fado. Foi ao ouvir a Canção do Mar num concerto seu que me deslumbrei e tive curiosidade em ir ouvir mais, e aprofundar mais, e acabei por ir procurar as fadistas do antigamente e onde se bebe toda a essência do Fado tradicional.

Que responsabilidade trouxe aos fadistas o facto de o Fado ter sido considerado Património Imaterial da Humanidade? É para si uma honra estar integrada neste novo projecto, neste novo rumo do Fado, desta demonstração do que é nosso?

Isso é uma visão muito poética e muito pouco prática do que tudo isto representa na realidade. Não acho que tenha sido assim tão importante e não sei o que significa na prática todo este alarido. A única coisa que vejo são uns selos com esse símbolo nos discos novos que vão aparecendo.

A verdade é que o fado ser património da Humanidade deveria significar que é de todos e não é isso que acontece. A começar pelos próprios fadistas e músicos (não todos) que continuam a ver o Fado como um género intocável e não recebem bem a ideia de pessoas que não são fadistas poderem aproximar-se do género e criar em torno dele. Por exemplo, ter pessoas de outras áreas ou nacionalidades a cantar fado ainda não é bem recebido pela própria comunidade fadista. Logo, acho que este selo é apenas uma questão de vaidade que na prática não se traduz em nada! Há portugueses que cantam em inglês, jazz por exemplo, ou em brasileiro, a Bossa Nova, e nunca vi os americanos ou os brasileiros chateados com isso. Mas com o Fado vejo uma preocupação extrema e despropositada em mante-lo fechado “nas vielas de Alfama” abrindo se no máximo ao limite geográfico de Lisboa. Logo, também não se pode dizer que seja a “Canção nacional”.

Quando apresentou o álbum “Quatro Caminhos” ao público por esses palcos fora, convidou, Luís Represas, Maria João e Mário Laginha e Rao Kyao, já tinha vontade de trabalhar com eles antes? Como aconteceu este encontro destes artistas para a sua viagem de apresentação do disco?

Eu não tive nenhum destes artistas no meu concerto de lançamento. Apenas me cruzei com eles em outros concertos com vários artistas. Mas teria muito gosto, especialmente o Mário Laginha e o Rao Kiao de quem gosto muito.

Cantou em Outubro na Taverna dos Trovadores, não é fado, cantaram temas tradicionais/populares, cantou também pela Edith Piaf, é importante para si participar nestes encontros de partilha musical? Que enriquecimento leva destas noites com outros músicos, e com a tradição da música portuguesa, e “Chanson” da Edit?

Eu canto na Taverna dos trovadores todos os meses várias vezes por mês. É a minha casa, o meu porto de abrigo, a minha ida ao psicólogo (ahahah).

A Taverna representa tudo o que sinto em relação à música enquanto forma de expressão. É uma casa de música tradicional portuguesa onde se recebe de braços abertos todos os músicos de todas as áreas. A música devia ter como objectivo, primário, aproximar as pessoas, abrir horizontes, tornar-nos mais sensíveis.

Cada povo tem a sua forma de expressão, e se quisermos levar isso ao extremo, cada pessoa tem a sua forma de expressão. Posto isto, é claro que a Taverna me faz todo o sentido, bem como o desafio de cantar expressões que não são a minha.

Sempre teve vontade de procurar novos caminhos, novos temas, conhecer a nossa tradição cultural?

Acho que isso foi crescendo em paralelo com a minha actividade como cantora profissional. Pelo menos essa consciência de querer mesmo ir por aí. Não podemos continuar todos a cantar o reportório da Amália só porque as pessoas já o conhecem e isso é uma forma quase automática de ser bem sucedido. Há que criar novo reportório. Eu gravei temas já existentes mas essencialmente fiz temas novos e os meus singles em qualquer um dos discos nunca foram uma versão. Nem imaginam como isso me dificultou a vida. Com certeza se tivesse lançado um single de uma versão de um qualquer tema da Amália tudo teria sido mais fácil. Ou não.. não sei!!! Mas imagino que sim a ver pelo que observo de outras colegas minhas.

Eu não sou politicamente correcta e não dou respostas com as quais o mundo esteja em conformidade. Mas a verdade é que é urgente mudar mentalidades. E mudar mentalidades não só significa criar mais no fado em vez de andar eternamente a cantar os temas dos outros, como aproximarmo-nos das nossas raízes e percebermos que música portuguesa que identifica o nosso povo não é só o fado, mas também a música tradicional de Norte a sul do país. Com certeza se a capital não fosse Lisboa e sim Coimbra, por exemplo, não seria o fado de Lisboa a representar a canção nacional. Não estou com isto a dizer que o Fado não merece. Eu amo o Fado e vivo com ele todos os dias. Apenas acho que a música portuguesa não é só Fado!

O seu gosto por interpretar letras e músicas de Grandes Artistas como Amália Rodrigues, Florbela Espanca, Carlos Drummond de Andrade, Amélia Muge surgiu como? O que tem aprendido com os temas que cantou e com as suas obras?

Amália teve ao seu serviço os melhores escritores, logo as letras mais desafiantes e bonitas. Acho que o magnetismo que todos sentimos pelo seu reportório passa por aí. Bem como os compositores que fizeram músicas para esses poemas. Tentar dar a um poema mais do que ela deu é um desafio quase sempre perdido. Mas vale pelo que dá a nós mesmos e aos limites que nós mesmos temos, e que se prendem com a nossa evolução individual e não comparativa. De resto, eu adoro poesia. Adoro a ideia de encontrar sempre novas soluções para um poema. Há poemas que canto há anos que ainda hoje sinto que não consegui dar o que é preciso ou dar o que tenho escondido em mim. Fazer esse exercício é o que nos faz crescer como intérpretes e consequentemente chegar às pessoas que nos escutam. E esse é sempre o objectivo final. A Comunicação através da alma de quem canta e de quem recebe esse canto.

Em 1999 e 2001 teve dois momentos altos, primeiro venceu a Grande Noite de Fado de Lisboa e esteve presente no Festival da canção da RTP, foram dois grandes passos para o seu percurso como fadista, significam muito para si?

Esses primeiros grandes passos, levam-na a percorrer Portugal e alguns países da Europa, França, Alemanha, Bélgica, Luxemburgo, e também esteve nos EUA. Mais tarde em 2010 com o disco “Sentidos” (sentidos é de 2006. Quatro caminhos é que é de 2010)volta a viajar e a levar o Fado além-fronteiras.

Lá está, nenhum destes momentos trouxe na prática alguma coisa à minha carreira. Mas vencer a Grande noite do Fado foi muito inspirador. Fez bem ao meu ego, e consequentemente fez-me querer ser mais. Fez-me querer conhecer mais. E acho que principalmente e de forma inexplicável (o que eu adoro) fez com que eu tivesse a certeza que o meu caminho seria cantar em português e estar ligada ao fado. As viagens que fiz a partir desse momento estiveram sempre ligadas a outros contactos e não contactos feitos na Grande noite do Fado. Cantei em muitos lugares, mas foi em 2006 que o mundo se abriu para mim e para o meu trabalho com o meu primeiro disco “Sentidos”, que esteve distribuído em mais de 30 países. Em 2010 surge o “Quatro Caminhos” que me abre outras portas. Nomeadamente as portas da Coast to Coast (editora holandesa) com quem vou lançar o próximo disco.

Que histórias trouxe destas viagens que queira contar?

Eu gosto de viajar porque essa experiência me aproxima do meu país e do mundo simultaneamente. Levar o que tenho aos outros, e trazer dos outros o que eles têm. Gosto de viajar porque me apercebo da imensidão que me rodeia e isso é importante para abrir a minha cabeça e ver sempre as coisas de uma perspectiva inclusiva em detrimento da exclusão. Gosto da generosidade com que o mundo recebe a nossa música e se interessa por ela. Não me ocorre uma história concreta, mas felizmente, tem-se cruzado na minha vida gente muito boa em todo o mundo. Gente que me faz crer que este planeta é de todos e que as regras dos Homens não fazem grande sentido. As regras da minha sociedade ocidental não fazem o menor sentido no Oriente. Nós defendemos o Catolicismo porque somos portugueses. Se tivéssemos nascido na Índia seríamos Indus. Logo, defender como verdade absoluta seja o que for é de uma profunda ignorância e desconhecimento da humanidade. São estas as lições que aprendo por ter a chance de viajar e levar a minha música aos outros.

E desta longa viagem de já quinze anos de percurso? O que representa para si esta mostra do Fado/Música Portuguesa para os outros povos?

Eu sou muito grata por tudo o que o Universo me tem dado. Tenho trabalhado arduamente para ter o meu lugar, e talvez por isso me sinta muito feliz com todos os pequenos detalhes que fazem a diferença na minha carreira. Essencialmente, tenho orgulho em não ter cedido aos facilitismos que me afastariam da minha essência e me tornariam em apenas mais uma “Fadista”. Acredito no direito que tenho à minha identidade como cantora sem ter de me colar apenas ao rótulo Fadista.

Como já perceberam eu tenho uma relação de amor ódio com o Fado. Amo o Fado enquanto forma de estudo da nossa história e enquanto género de expressão, todos os detalhes que o tornam único, mas ainda assim nascido numa sequência de acontecimentos e encontros na história. Mas não me identifico com a vaidade e autismo que o fado vive neste momento.

Sente-se orgulhosa por levar a tradição de Portugal para pessoas de outras culturas?

Sinto-me muito orgulhosa e feliz por poder levar Portugal ao mundo. Por ser também eu, uma das muitas embaixadoras da cultura portuguesa. É importante trazer o mundo a Portugal para que façamos parte deste todo maravilhoso.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

Que o meu país acorde para o imenso potencial das suas gentes. Que as pessoas do meu país sejam generosas com ele, que o defendam, que o elevem, que defendam as nossas raízes e se baseiem nessa história para construir um bonito futuro.

A Globalização é um fenómeno maravilhoso, mas que está completamente deturpado. É bom saber que os outros existem e experimentar o que têm para nos dar. Mas isso não pode anular o que temos e que é muito bom. Não é só de música que estou a falar. Estou a falar de tudo. Portugal é um pais com imensos recursos e deveríamos ter orgulho nisso ao invés de o culparmos por toda a crise que vivemos actualmente e desistirmos dele. Temos de acreditar no nosso potencial e fazer crescer a nossa economia e a nossa cultura. Consumir e produzir em português. Só depois de isso acontecer é que poderemos apreciar o resto e valorizar o mundo. Depois de valorizar Portugal.

Obrigado pelo seu tempo. Votos de bom trabalho

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: B.T

18 de Março de 2014

25 de Fevereiro de 2014

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