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Entrevista ao Nélson Guerreiro

Entrevista ao Nélson Guerreiro realizador do Documentário Mudar de Vida, José Mário Branco, vida e obra

1 - O que é que te motivou a quereres avançar com o Pedro Fidalgo na realização do documentário “Mudar de Vida. José Mário Branco, vida e obra”?

Fixar em Cinema um artista português vivo, singular no panorama musical português, quer pela forma quer pelo conteúdo.

Homem dos 7 ofícios. Músico, cantor, poeta, compositor, produtor musical, actor, e um humanista em vias de extinção nos dias que correm, incompreensivelmente desvalorizado como é tradição na cultura portuguesa.

Um português a sério.

2 - Já passaram sete anos desde que começaram a trabalhar neste documentário. O que é que tens aprendido com o José Mário, com a sua obra e com o trabalho que têm vindo a desenvolver?

Tenho vindo a ganhar consciência com 40 anos de atraso do que é ser Português no mundo. Num País que se diz à boca cheia que está cheio de história e valores, há muito tempo que andamos a ver a caravana passar.

" Esta merda não anda, porque a malta não quer que esta merda ande, tenho dito…(in FMI) Muito verdade, cada vez mais miserável a cada dia que passa.

As suas canções são um espelho da nossa história contemporânea, que muitos tentam esconder, fingir que não existe, e que outros tentam contar.

Portugal é um dos países mais conservadores da Europa, onde o espaço para a criação e reflexão é proibido. Estamos entregues aos bichos.

3 - Vês este documentário também como uma forma de protesto, uma lição de cultura, de história, e uma força/incentivo para a reflexão sobre o que pode ser preciso para a cultura e para a sociedade?

Vejo mais como uma reflexão, protesto talvez seja demasiado pretencioso. Não sei. O que é que é o protesto?? É ir a uma manifestação a um sábado e gritar fascismo nunca mais? É preciso ter cuidado com essa palavra, até porque nos dias de hoje o protesto tem vindo a ser banalizado.

Protestar não pode resumir-se a pintar uma faixa e sair para a rua, tem de ser mais sofisticado. Tem de haver acção para além do grito, individual e colectivamente. Ultimamente temos saído para a rua a protestar aos fins-de-semana, mas já se percebeu que não dá em nada. No Brasil, na França, etc, os políticos ainda têm algum respeito pelo povo, ouvem o protesto nas ruas e por vezes até pedem desculpa. Em Portugal os media estão na mão da direita mais conservadora da Europa, e a esquerda não existe.

Como o José Mário diz as canções de protesto também são canções de amor. Agora em Portugal com esta classe dominante ultraconservadora já se percebeu que a via da negociação pela palavra não serve. É preciso mais. É preciso protestar de outra forma. Não pagar! Desobedecer! Transgredir! A palavra deixou de ter força, o que vale é o dinheiro. Não paguemos!

4 - Que lição achas que se pode retirar do trabalho cultural e historial do José Mário?

Luta e Resistência.

Este senhor viveu o Maio de 68, o 25 de Abril, na primeira pessoa. Numa vida experimentar dois acontecimentos desta envergadura, que marcaram a história cultural no plano Mundial e Nacional, deixa marcas para sempre. A criação e o seu comprometimento artístico com o social emergem nas suas canções sobre várias formas.

As suas canções são um testemunho profundo do que é ser Português, e da diversidade de que somos feitos. A música tradicional do nosso país é um filão. Para quem se interessa pelo assunto PORTUGAL, rectângulo de 800 x 200 km´s, com 10 milhões e meio de habitantes. Não há no mundo um país tão pequeno com tanta diversidade por metro quadrado. Enquanto não percebermos isso não passamos da cepa torta. Continuamos a ser um ex-libris de exploração, terra de emigrantes, de partidas e chegadas, de miseráveis.

As suas influências musicais vão desde a música erudita às marchas populares. O ecletismo é a sua principal imagem de marca. Não há barreiras, e isto é raro. Não é imitável. Podem chamar-lhe de protesto, tradicional, popular, de intervenção, é sempre pouco, há sempre qualquer coisa que fica por dizer.

5 - Que importância teve para ti trabalhar com o Jorge Silva Melo na peça de Teatro Ana da Companhia de Teatro Artistas Unidos?

Trabalhar em teatro é sempre bom. Há actores, há história, há acção. É Cinema ao 1º take.

6 - Que significado teve esta experiência como director de fotografia?

Só fiz as imagens. A luz, já estava feita.

7 - Trabalhaste também como assistente de iluminação para o videoclip dos “Humanos”. A tua participação neste videoclip de uma banda de homenagem a um génio musical foi de certeza muito enriquecedora. O que aprendeste com o trabalho do António Variações e com os músicos desta banda?

Mais uma vez repete-se a sina do artista português… só vale enquanto vende. O António Variações foi enorme para a sua época, que mal o viram. É tão verdade que décadas depois ainda andam atrás dele a ver de que génio se trata. Sabe-se muito pouco dele, como em geral sabemos muito pouco de nós.

Depois de morrer, apagou-se do mapa. Foi preciso passarem umas décadas para pegar na obra. Parece que deixou umas k7´s com umas maquetas de canções que nunca chegou a gravar, ficaram na gaveta.

Os Humanos tiveram o privilégio de ouvir essa relíquia. Ficaram impressionados com a força desse repertório e como grandes músicos que são tiraram-no da gaveta e deram-lhe vida. Parabéns a eles!

Parece que alguém queria fazer um filme sobre a vida e obra do António Variações mas por dificuldades económicas não vê a luz do dia. Alguém sabe do ponto da situação?

8 - O que te ocorre dizer sobre a precariedade no trabalho em geral e particularmente na área da cultura, por exemplo, no cinema?

Precariedade? Miséria! Essa palavra agora na moda só serve para mascarar a miséria. Só conheço miséria! O Cinema é um trabalho de equipa. E esse trabalho de equipa só pode existir quando estamos todos no mesmo barco. No Cinema tal como na "cultura" há uns que são os donos e os outros prestam serviços. Na generalidade já se paga para trabalhar, e no cinema então morre-se de fome.

Para trabalhar é preciso passar recibos verdes. Pagar Segurança Social, IVA, IRS, seguro de trabalho, etc.

Trabalha-se de sol a sol para juntar uns cobres aqui e ali para depois com a ajuda dos amigos fazer Cinema. Nunca tive o privilégio de ter um contrato de trabalho efectivo ou um subsídio. É preciso abolir os recibos verdes. O trabalho não é um serviço!

9 - Como vês o estado geral do cinema em Portugal e a forma como é tratado?

Nos últimos 40 anos tem sido um jogo. É como a lotaria do Natal. Só se joga uma vez por ano. Os premiados são (quase) sempre os mesmos. Depois filma-se pouco. Os canais e meios de difusão estão entupidos de publicidade e propaganda. Quantos filmes tugas passam no Cinema e na Televisão? 6-12? O ano tem 365 dias. Façam as contas…. Há uma dificuldade enorme em ver Portugal, em Portugal. O mesmo se passa com a Música, Teatro, com as artes em geral. Ligas a Televisão ou a Rádio é inglês, americano, brasileiro, não estamos cá.

O Cinema em Portugal nunca existiu. Nunca se soube muito bem o que fazer com ele. No Estado Novo era "coisa" para fazer propaganda, mais tarde era para fazer Turismo, e agora é para não fazer. É um vegetal. Está ali ligado à máquina sem sinais de vida. Nunca mais morre nem acorda.

Existem alguns filmes, alguns realizadores, alguns directores de fotografia que são reconhecidos além-fronteiras. O cinema português como uma identidade própria além-fronteiras nunca existiu. Temos tido filmes premiados ao longo das últimas décadas mas nunca existiu uma geração que tenha derrubado a parede do anonimato, como as gerações de 60 em França, em 70 na Itália e nos Estados Unidos da América. O resto é uma história entre amigos, que chega a muito poucos. Não se pode fazer Cinema, induzindo côma. Estamos num côma há muito tempo.

É preciso auto-investir. Veja-se o exemplo do Brasil, a Petrobras, petrolífera nacional financia a produção cinematográfica do País. E em Portugal?? Zero. Os grandes grupos económicos com quanto é que contribuem? Quando são chamados a contribuir, fogem. Ainda agora o secretário de estado da cultura aprovou uma lei que demorou vai para 3 anos (num mandato de 4) que os operadores de televisão pagavam x euros por cliente de forma a financiar o Cinema. Está na lei. Ninguém pagou! Nem vai pagar como até se reuniram a recusar esse financiamento ao Cinema Português. Ninguém foi preso por incumprimento, que eu saiba. Agora se eu e tu não pagarmos, estamos lixados penhoram-nos a casa o carro, o gato e ainda pagamos juros de demora. Já passaram 3 anos falta mais um ano de mandato e fica tudo na mesma, ou pior. Essa gente é eficiente ao contrário do que se diz. Proibido ver e ouvir!

10 - Em tua opinião, o que se poderá fazer para que o cinema em Portugal evolua e chegue ainda mais às pessoas?

Fazer tudo a todos os níveis, porque é preciso escrever, produzir, difundir, promover, maior produção, maior auto-investimento. Em termos profissionais não temos o mesmo reconhecimento, e os mesmos direitos de um cidadão comum. Acabar com os recibos verdes e criar trabalho com condições. É preciso fazer. Um filme não acaba quando termina a rodagem. É preciso público. Passar por festivais, cinemas, cineclubes, televisão, tv por cabo, dvd´s, piratear, etc. Quantos filmes portugueses chegam às salas de cinema ou às televisões? Paga-se taxa de audiovisual para ter 4 canais? Há demasiadas produtoras para tão poucos canais. Não há circuitos de difusão ou distribuição. Ninguém vê os filmes que se produzem. O Estado é o primeiro a lavar as mãos. Não há regras.

É preciso agir urgentemente em colectivo, os realizadores, produtores, canais de televisão, proprietários das salas de cinema. Dar visibilidade à produção nacional. Mantendo esta via o fosso entre o realizador e o público aumentará. Os pólos estão cada vez mais afastados por intermediários.

11 - Sendo o José Mário Branco um dos melhores artistas populares e de protesto do Século XX e XXI, como vês o facto de só terem garantido o dinheiro para este documentário através da “vaquinha” do povo?

É a prova viva de que os supostos agentes do meio cinematográfico andam interessados com outras coisas. Se o panorama se mantiver neste caminho, está morto. A vaquinha do povo é um sinal de que o publico quer ver e ouvir coisas diferentes do que os "mafiosos" mercados querem impor. No entanto o valor do apoio que obtivemos (contando os desistentes) são outros, comparado com os "concursos". Só os custos dos arquivos + direitos de autor + mais produção + rodagem etc, estás falido.

No entanto no meio desta escuridão esta possibilidade de comunicar directamente com o público sem intermediários é estimulante, parte do real é autêntica. Estamos a falar do que cerca de 200 pessoas juntas conseguem fazer.

12 - Ao longo destes anos em que tens trabalhado no documentário sobre a vida e obra do José Mário Branco, de certeza que já viveste muitos episódios interessantes. Gostaria que partilhasses connosco um desses episódios.

(pausa) Vejam o filme.

13 - Quais são os teus sonhos para Portugal?

Acordar!

O 25 de Abril há muito que acabou e o Fascismo está aí com unhas e dentes, ao vivo e a cores.

Temos uma vida para viver porra!

Obrigado pelo teu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Fátima Simões

22 de Outubro de 2013

22 de Outubro de 2013

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