top of page

Entrevista ao escritor Delmar Gonçalves

1 - Como é que nasceu o teu gosto pela leitura/escrita e por contares histórias? Terá sido por leres, escreveres, ouvires e contares histórias?

1)R:O meu gosto pela leitura, pela escrita e por contar Histórias nasceu naturalmente. Sempre estive rodeado de familiares que gostavam de contar Histórias, principalmente o meu avô materno. Depois, ia muito a Biblioteca Municipal de Quelimane (mais tarde do Conselho Executivo),onde devorava os Livros do EÇA DE QUEIROZ, do CAMILO PESSANHA e BOCAGE. Mais tarde, pós-independência comecei a ler textos da NOÉMIA DE SOUSA, do JOSÉ CRAVEIRINHA, do RUI NOGAR, do MARCELINO DOS SANTOS, do PEPETELA, do AGOSTINHO NETO, do MANUEL RUI,ALDA DO ESPÍRITO SANTO e do PEPETELA. Por outro lado, sempre gostei muito de Banda Desenhada. Lia muito o TINTIN, o ASTÉRIX E OBÉLIX, o PINÓQUIO, entre outros. Também gostava muito das Histórias das Mil e Uma Noites.

2 - Conheci-te por casualidade no Leiriartes em que vieste apresentar os teus livros e recitar uns poemas. Quem ouvisse só os poemas julgaria que te referias a Portugal, mas na verdade falas do teu país Moçambique. É pura coincidência?

2)R: Não creio que seja pura coincidência. Na verdade, o mundo dá muitas voltas e hoje PORTUGAL nem por sombras é um bom exemplo para MOÇAMBIQUE. Há problemas comuns aos dois países. A corrupção é uma realidade, a ausência de ética por parte dos políticos é claríssima e a esperança de mudança tornou-se uma miragem. A minha Poesia pretende contribuir para a mudança. Nesse sentido, é também válida para PORTUGAL. Sou um cidadão MOÇAMBICANO e do mundo que reside e trabalha em PORTUGAL, fruto das circunstâncias, mas claramente um contribuinte (nos dois sentidos) válido para esta sociedade.

3 - O que pensas quando escreves e dizes o que sentes sobre a situação do teu país? A tua intenção ao escrever é tentar mudar algo em quem te lê e ouve

3)R: Fico triste por projectar mudanças que só muito gradualmente vão acontecendo. Mas julgo que a Independência e a dignificação dos Moçambicanos era um imperativo. Tinha de acontecer! Mas espero deixar um legado de verdade aos meus compatriotas e nunca de mentira. Há imperativos de mudança e desenvolvimento. Não podem ser mais adiados! Espero também contribuir para a mudança de mentalidades em quem me lê e ouve.

4 – Em que consistiam os encontros que realizaste em Fátima de Formação Vocacional em 96 e 97? Que lembranças tens desses dois encontros?

4)R. Queria seguir um caminho, que acabei por não seguir. O sacerdócio fez parte das minhas cogitações de futuro, não aconteceu porque não estava no meu destino e eu acredito no destino! Lembro-me de sentir muita paz nos seminários paulistas em FÁTIMA e na APELAÇÃO.E em todas as Igrejas e Templos que visitei ou frequentei. Valeu a pena, cresci muito como Ser Humano reflexivo e espiritual respeitador.

5 – Que importância teve para ti o facto de teres sido nomeado como Embaixador da Paz na “The Interreligous and International Federation for World Peace”. Podes-nos contar um pouco do que tu fazes ou fazias?

5)R:É importante na medida em que me honrou muito ter sido nomeado. Mas o importante não é só o título, mas a prática no dia-a-dia. A solidariedade com TIMOR -LESTE, com a PALESTINA, a REPÚBLICA ÁRABE SAHARAUI DEMOCRÁTICA; a defesa do Ecumenismo verdadeiro; o apoio às lutas pelos direitos humanos no mundo; o apoio às lutas contra a fome e a miséria no mundo e finalmente o apoio à causa da paz no mundo. Tenho participado sobretudo na Europa em várias conferências internacionais pela causa do bem e da paz mundial.

6 – Sendo tu um crítico através dos teus poemas e um escritor de protesto (o denominado escritor de intervenção), como vês o tratamento dado aos Angolanos, Moçambicanos, Cabo Verdianos, Ciganos e outros nos bairros sociais? Achas que foram ali despejados e esquecidos? 6)R: Bem teria muito a falar sobre o tema, mas diria que ainda há muitas injustiças sociais. O direito à habitação dignifica, mas por si só é como um copo vazio que precisa de água para ser bebida. Infelizmente, PORTUGAL nunca conseguiu sequer dar respostas sociais eficazes aos seus cidadãos nacionais, logo não poderiam ser eficazes com os outros cidadãos provenientes de diversos países e de origens díspares e tão diversas, mal compreendidas. Os ciganos sendo portugueses, enfrentam um problema bem mais complexo que é o da integração na sociedade. Eles terão de se reconhecer na mudança e na integração, aceitando-a, valorizando e preservando a sua própria cultura e identidade. Qualquer cidadão (Português, estrangeiro, branco, negro, mulato ou cigano),não deve só reivindicar direitos, nunca se deve esquecer também que estes implicam deveres e obrigações. É uma grande responsabilidade e desafio para todos.

7 - O que representou para ti a experiência de fazer de figurante nos filmes – Os Mutantes (Teresa Villa Verde) e Fintar o Destino (Fernando Vendrell)? Por que não continuaste?

7)R: Foi uma experiência bonita, que guardo com carinho. Não continuei porque sempre soube que não era esse o meu caminho.

8 - Como tem sido a tua experiência como animador? O que tens aprendido e ensinado?

8)R: Excelente. Valorizar a cultura é um desafio cada vez maior, por isso dá-me um enorme prazer contribuir para uma sociedade melhor. O Animador Cultural torna a cultura acessível, contribuindo para cidadãos melhores, activos e mais responsáveis e participativos.

9 – Podes-nos contar algumas histórias destas viagens pelas animações, pelas declamações, pela poesia e pelas histórias africanas contadas?

9)R: Bem, nas viagens que faço pela Europa e pelo mundo como Poeta, Escritor, Contador de Histórias e Animador Cultural compreendi que tenho muitos companheiros que partilham os mesmos ideais, que vivem as mesmas angústias, mas que vão lutando por um mundo melhor. Isso consola-me muito, é impagável!

10 - Para além do curso de Relações Humanas tens mais alguns cursos e foste bolseiro. Que importância têm para ti esses cursos e o estudo em si?

10)R: Fazem parte dos meus caminhos de aprendizagem e trocas que escolhi. Julgo que cresço sempre mais um bocado com mais e melhor formação. Não perco nada, acrescento.

11 – O que mais te realiza como professor?

11)R: Sentir-me de consciência tranquila por contribuir para a formação de mais seres pensantes para a sociedade.

12 – Como vês a actual situação da escola pública e dos professores?

12)R: Há um claro desinvestimento na Escola Pública. Na verdade, creio que estão propositadamente a destruí-la e isso terá consequências dramáticas para o futuro. Os professores hoje são mais do que Educadores ou Instrutores. Representam tudo o que a sociedade em geral não é. Por isso não percebo a desconsideração e desrespeito a que são sujeitos. Trata-se de uma estratégia concertada para destruir e descredibilizar o ensino público. O "capitalismo selvagem" traz consigo valores e contravalores nefastos e a mercantilização selvagem do ensino é uma delas, parece que a aposta é formar cidadãos obedientes e não seres pensantes. A Paz social está a ser posta em causa. O futuro é imprevisível, por isso não farei futurologia, mas o presente é catastrófico e não nos augura um futuro nada auspicioso.

13 - Quais são os seus sonhos para Portugal e para Moçambique?

13)R:Para PORTUGAL desejo que seja digno das lutas que travaram os seus ancestrais no passado (desde VIRIATO chefe dos LUSITANOS que enfrentou os ROMANOS, passando pelo fundador do REINO DE PORTUGAL e primeiro REI, DOM AFONSO HENRIQUES), quando construíram um país e uma nação e desbravaram caminhos nunca antes percorridos pelo mundo até então desconhecido. Espero que consiga alcançar o desenvolvimento e o progresso tão almejado e merecido. Para MOÇAMBIQUE, espero e desejo que a Democracia e Pluralismo Político sejam uma realidade consolidada e definitiva, que a paz não seja a simples ausência de guerra e que haja uma efectiva mudança de mentalidades que permita o usufruto de todo o seu potencial humano e de recursos naturais para benefício de todos enquanto país e nação plural, multilinguística, multiétnica, multirracial, multicultural unida! E que consiga preservar a sua soberania e Independência!

Obrigado pelo teu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Fátima Simões

26 de Abril de 2013

Recent Posts 
bottom of page