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Entrevista a um dos realizadores do Documentário – MUDAR DE VIDA. José Mário Branco, vida e obra.

1 - Já passaram sete anos desde que começou com o Nélson Guerreiro a trabalhar no documentário (Mudar de Vida. José Mário Branco, vida e obra.). O que é que aprendeu com a obra do José Mário, com o José e com o trabalho que têm vindo a desenvolver?

Acho que sobretudo, o desenvolvimento do projecto tem sido uma longa aula de História, seja pelas várias pesquisas em arquivos, seja pelo encontro com algumas pessoas que tiveram um papel importante e activo na história de Portugal. Depois, há sempre a aprendizagem humana que fazemos todos os dias e que tem a ver com experiencias pontuais, o ter visto como se grava um disco em Portugal, como trabalham alguns dos melhores músicos portugueses... de tanto aprender sobre a música popular portuguesa eu próprio me meti compor canções à guitarra!

2 - O que é que o José Mário Branco representa para si? O que é que tem aprendido com ele e com o seu trabalho?

Quando ouvi pela primeira vez este músico, foi já tardiamente. Tinha 20 anos e foi através de um amigo que me emprestou um CD pirata com o tema FMI. Se não estou em erro haviam outros temas do José Mário Branco e várias canções do Adriano Correia de Oliveira. Dois músicos que falavam da realidade portuguesa através de canções que tinham para além de uma muito boa qualidade artística, outra qualidade, a de servirem como documento histórico. Ali estava a história contemporânea de Portugal. As canções do Adriano Correia de Oliveira retractavam o período da Guerra Colonial e o sentimento de rejeição a essa guerra, ao mesmo tempo que o estilo rompia com os clichés que me faziam associa-lo por ignorância apenas ao fado de Coimbra. O Zé Mário também tinha um pouco disso isso, mas sobretudo representava pelas canções que estavam nessa compilação, o pós-25 de Abril, o fracasso de uma revolução. Assim como na sua juventude a geração do Zé Mário estava desconectada da música popular portuguesa que era ignorada pelo regime de Salazar (merci Michel Giacometti!) ou da música de protesto bastante rebuscada nos temas censurados do Fernando Lopes Graça, também eu (a minha geração!?), estava completamente desligado e desconhecia estes autores. Se o Estado Novo censurava, o capitalismo actual despreza o que não se comercializa nas rádios. Mesmo o Zeca, que é impossível de apagar da memória colectiva (e por isso não precisa de rádios para sabermos quem foi), ficou catalogado quase como que por revisionismo como um cantor de intervenção e ícone do Partido Comunista Português (do qual ele nem era membro). Felizmente isso já mudou um pouco e temos muitos jovens cantores a darem vida às suas canções (obrigado AJA!). O Zé Mário como qualquer destes cantores é um artista cuja obra representa um período da História de Portugal, sobretudo a segunda metade do século XX e do pós-25 de Abril. Cada disco é um conjunto de propostas que permitem a reflexão sobre a nossa história e vida, e mesmo as canções mais antigas são de uma actualidade mais que comprovada.

3 - Considera que o trabalho do José Mário e dos artistas de protesto estão suficientemente divulgados ou que o facto de ser um artista de protesto não deixa que o seu trabalho tenha mais visibilidade?

Não penso que é o protesto que não é divulgado, mas talvez a convicção daquele que protesta que nem sempre é compatível com a lógica de divulgação dos médias oficiais. Se queremos ser solidários com os que mais sofrem, sem por isso lhes mentir fazendo concessões por questões comerciais, obviamente que o caminho é o de também “sermos solitários”. Desde que um disco ou filme venda, “eles” estão-se nas tintas se é protesto ou conformismo, só que o protesto nem sempre é agradável aos ouvidos já que tem tendência para falar da realidade, mesmo que poeticamente, e a realidade normalmente é crua e fria. Imaginemos que o regime capitalista actual é como a Caverna de Platão, e dentro dessa caverna estão os ouvintes da rádio a olhar as suas próprias sombras a dançar no muro. O dia em que lhes apagarem a fogueira e os convidarem a sair para a ver o sol e ouvir cantar sobre a realidade, a realidade encadeará e será dura de ouvir, haverá então uma certa resistência a essa nova realidade que necessita de reflexão e adaptação aos novos sons e ritmos. O capitalismo para se manter não necessita de reflexão, necessita de consumidores fáceis e acríticos para poderem consumir o mais rápido possível e aceitarem a norma, que é essa vida fria e crua que vivemos entre sonhos irrealizáveis e ilusões. É ai que podemos dizer que músicos como o José Mário Branco, não porque protestam a cantar, mas sim porque são difíceis de ouvir, não interessam ao médias oficiais, pois estes procuram manter uma certa “monoforma” (conceito do cineasta Peter Watkins) com singles e temáticas ligeiras, tipicamente adaptadas a essa capacidade de iludir face às frustrações da vida, sobretudo nas camadas mais populares, às quais a música do Zé Mário devia chegar mais facilmente.

4 - Afinal quem é José Mário Branco?

A resposta a essa pergunta prefiro deixa-la para o filme.

5 - O que é que o moveu para fazer este documentário?

Ao início era uma ideia de vários amigos, fazer um filme colectivo. Éramos estudantes, apesar da pouca experiencia em escrita cinematográfica e organização de trabalho colectivo, a distância levou o colectivo a desvanecer-se, pois cada um foi para seu lado. Eu, uma vez em França continuei a insistir na importância deste filme, pois enquanto emigrante comecei a compreender esse sentimento de exílio que existe nos primeiros álbuns do Zé Mário. Quantas vezes não tive de viver à “margem de certa maneira”, não apenas como artista ou por convicções políticas, mas porque o degredo é isso mesmo, é estarmos noutra terra porque pensamos assim ter escolhido e afinal percebermos que não escolhemos assim tanto, que inconscientemente se emigrámos é porque na nossa terra as condições não são as ideais. Qualquer emigrante sente isso e é isso que o distingue do expatriado que nem sempre é por condições socioeconómicas que foge do país de origem. Essa foi a primeira causa que me deixou realmente convicto da importância deste filme, o ver jovens casais portugueses chegarem para trabalhar, os rapazes nas obras e as raparigas na limpeza, pois contrariamente ao que a televisão e o jornais mostram, não são apenas os diplomados da classe média que saem do país para procurarem trabalho, mas sobretudo gente pobre que vem de cidades e aldeias de Portugal, apenas com o 9° ano de escolaridade (muitos nem isso). Desde há um ano e meio para cá esta vaga de emigração acentuou-se. A crise em Espanha levou a que jovens operários preferissem novamente a França e a Suíça, e uma nova vaga de emigração tem-se observado sem que hajam dados oficiais. Em segundo lugar penso que o exemplo das atribulações politicas do Zé Mário enquanto artista nos vários movimentos (ou partidos) por onde passou, fazem parte da nossa história e daquilo que é o resultado histórico ou não, das pessoas que buscam o “ideal”. Quantas pessoas na dita esquerda ainda conseguem romper com dogmas, programas doutrinários, autoritarismos corporativistas, burocracias reformistas, representativismos abstractos, propaganda utilitarista, sem por isso deixar de acreditar nesse tal ideal que tem de se continuar a procurar e que esta muito para lá dos erros políticos. Acho que para todos os que resistiram ao fascismo durante o Estado Novo ou viveram intensamente o PREC (ou mesmo os que participaram activamente no Maio de 68 em Paris) devem ter-se confrontado com muitas dúvidas surgidas ao longo desses anos de luta. Uns mudaram de campo, uns conformaram-se, outros ficaram parados no discurso imutável de um partido, mas muitos sempre se questionaram. “...foi isto que quisemos?” pergunta o Zé Mário no tema “A Noite” através de um poema de Antero de Quental. Essa pergunta tem tido uma resposta que se manifesta cada vez mais e todos os dias nas ruas, nos cafés, no trabalho, até em casa frente à televisão, essa pergunta tem como resposta um “não” redondo, basta falar com qualquer popular para perceber o descontentamento. É neste sentido que a obra do Zé Mário tem um interesse colectivo, é que através das suas canções existem múltiplas questões/respostas a esse sentimento de querer “mudar de vida”, sentimento comum a uma população sejam lá quais forem as suas convicções políticas actuais.

6 - Este documentário será também uma forma de protesto?

Proponho-te uma experiencia: ouvires a canção “Queixa das jovens almas censuradas” com o poema da Natália Correia. Vais com certeza sentir emoções e ideias; ora contextualiza essa canção com as respectivas emoções e ideias que ela te transmite na época do Estado Novo e em plena Guerra Colonial... imagina o efeito que o tema tem nos ouvintes da época... é forte?... do meu ponto de vista pessoal, penso que é precisamente esse efeito que o nosso filme tem de ter nos futuros espectadores sem por isso terem que sentir ou pensarem de igual forma.

7 - Como vê a situação do cinema em Portugal?

Sinceramente não vejo situação nenhuma. Não faço parte dos realizadores/produtores que estavam habituados à anterior situação (antes da Troika), que viviam com ela/dela e que agora se sentem bloqueados. Nunca achei que o cinema em Portugal (apesar da boa qualidade de muitos filmes) fosse ao nível de produção um mar de rosas. Desde que nasci que há umas dezenas de cineastas que fazem filmes todos os anos e são raros os novos autores. Alguns chegam a fazer um filme e depois desaparecem de cena, outros nem chegam a fazer filmes. Se Portugal produz tão poucos filmes por ano, através do ICA, quase podemos dizer que são “sempre os mesmos” nomes ou os oriundos do mesmo meio social, aqueles que fazem filmes. E o que é engraçado é que o meio é tão pequeno que todos se conhecem! Com os novos meios técnicos e a adaptação da criação à redução de custos, “democratizou-se” num certo sentido o savoir-faire. Seja no cinema, como noutra arte qualquer, o problema da produção é inerente e muitas vezes marginalizador em sistemas de financiamento com comissões e júris que se baseiam em currículos, prémios e muitas vezes por cunhas. O artista amador acaba por trabalhar muitas vezes como hobby ao lado de um trabalho assalariado. O ideal é que os assalariados que nunca tiveram possibilidade de estudar em escolas de cinema, possam finalmente fazer filmes sem terem de ser submetidos a um júri elitista e politicamente direccionado, que nunca os financiará pela falta de currículo. O crowdfunding noutros países já esta bastante banalizado e nem sempre é a melhor via, normalmente serve como desenrasca para complemento do orçamento uma produção profissional. Em França, por exemplo, existe mesmo uma plataforma de financiamento colectivo para cinema agregada ao CNC. Mas penso que num país pequeno como Portugal, em que não se produzem muitos filmes, estas primeiras experiências de co-financiamento podem ser um ponto de partida para um novo tipo de produção. As questões que me coloco são: Como farão os cineastas profissionais para serem remunerados? Será que se vão assalariar também e fazer filmes como hobby? Passarão para o co-financiamento colectivo como alternativa? Será que necessitamos de uma cooperativa de cinema?

8 - Como é que vive um realizador ou produtor sem a certeza de que irão mesmo abrir concursos?

Não sei do que vivem os produtores e realizadores em Portugal que esperam pelos concursos. É perguntar-lhes directamente a eles.

9 - Sendo um dos melhores artistas populares e de protesto do Século XX e XXI, como vê o facto de só terem garantido o dinheiro para o documentário através da “vaquinha” do povo?

Tem a ver com duas coisas. A primeira, no serviço público, foi o facto de não termos currículo para obter suficiente pontuação no concurso do ICA e nem sequer termos recebido resposta da RTP das várias vezes que a contactámos (ainda estamos à espera), a segunda, em relação aos provados, tem a ver com o facto de não querermos fazer concessões em determinados momentos, seja ao nível do conteúdo do filme, seja ao nível dos custos da produção.

10 - Diz que a Revolução não serviu para nada. O que faltou ou o que falhou? Na sua opinião, ainda se consegue “remediar a situação”? Como?

Como disse o Nelson Guerreiro numa outra entrevista, vivemos de “remendos e côdeas”, e eu penso que andamos a viver assim há anos. Comparemos a revolução à compra de umas calças novas para criança. Vestimos as calças novas, parece cair-nos a matar, o tamanho é correcto e até andamos mais confortáveis. Fartamo-nos de brincar, correr e até trabalhar. Só que com o tempo, como todas as crianças, crescemos e as calças começam a ficar gastas. Rompemos o joelho, cosemos um remendo. Rasgou-se o bolso detrás, não faz mal porque podemos forrar por dentro e nem se nota. As calças já velhas começam a desfiar-se, estão cheias de buracos e não há espaço para tantos remendos. Um dia, já adultos, olhando ao espelho paramos um minuto para pensar e dizemos: “Epá, com tantos remendos nem reparei... afinal as calças já nem me servem, pareço um pinto calçudo”! O que acontece é que a criança cresceu e percebeu que o que precisava não era de remendar as calças novas que já não lhe serviam, mas sim comprar umas novas. Outro problema surge, é que depois tanto tempo na ingenuidade, brincando com remendos e correndo com os bolsos rotos perdemos os trocos e já não temos nada para comprar umas calças novas. Das duas uma, ou continuamos com estas calças que não nos servem, continuamos assim mal vestidos com as canelas a rapar frio, ou não tendo dinheiro para comprar outras, começamos a fabricar umas novas pelas próprias mãos. É neste impasse que anda o povo português desde que cresceu e se apercebeu da realidade quase quarenta anos depois da dita revolução.

11 - Embora tenha nascido após o 25 de Abril (tem apenas 29 anos), gostaria de lhe perguntar o que pensa que se conquistou com a Revolução e o que se perdeu ao longo destes 38 anos.

Eu nunca vi um velhote responder (nem em arquivos), o que é que se conquistou com a instauração da República e se perdeu ao longo dos anos. A verdade é que esse período da Primeira República foi fruto de um processo que deveria ter sido revolucionário (o movimento operário era sobretudo anarco-sindicalista), mas rapidamente os cargos do Governo foram ocupados por uma parte elitista e liberal da população (para além de só os homens alfabetizados poderem votar, a fraude eleitoral era frequente e havia uma grande desorganização dos serviços públicos) que levou o país a uma depressão social e económica (afectada também pela Primeira Guerra Mundial) e que abriu portas a todo o tipo de tensões ao ponto de se instalar uma ditadura militar e em seguida o Estado Novo. A exploração dos grandes proprietários pelos mais pobres não só não mudou, como se agravou com o Estado Novo. Com o 25 de Abril os povos colonizados puderam obter a sua independência, houve em Portugal uma reforma agraria, nacionalizou-se uma grande parte dos meios de produção do país, aplicou-se um salário mínimo, os subsidio de desemprego, férias, etc... esse período revolucionário, foi interrompido, como diz o Zé Mário no tema “Eu vim de longe”, com o Golpe do 25 de Novembro e, por conseguinte, isso foi o retorno garantido dos capitalistas liberais que hoje estão no Poder e que o longo dos anos têm vindo a privatizar as empresas do Estado, a cortar nos subsídios do trabalhadores, enfim, a meterem ao bolso através do comando do Governo que está ao serviço dessa classe social, ou seja, a mesma que estava de acordo com a ala progressista do Marcelo Caetano durante a ditadura.

12 - Quando diz que não há Liberdade de expressão quer dizer exactamente o quê? Refere-se à prisão dos cidadãos não afectos à manifestação do dia da Greve Geral, o caso do Público e a suspensão do programa da Raquel Freire?

Nunca disse que não há liberdade de expressão. O que disse noutra entrevista foi que sempre que tentamos mostrar a alguém que estamos numa ditadura actualmente, lançam-nos como resposta que temos liberdade de expressão, como se a liberdade de expressão fosse o fim último para o começo de uma ditadura e o valor supremo da democracia. Podemos estar numa ditadura em que temos liberdade de expressão... se esta não tem força para mudar o rumo coisas, então podemos dizer de que nada nos serve podermos exprimir as nossas ideias. Neste momento há uma tensão enorme da parte de alguns partidos de esquerda que só espera que o Governo caia para irmos a eleições. Sinceramente, achas que as eleições vão mudar alguma coisa?

13 - Qual é a sua opinião sobre o que aconteceu ao projecto associativo Es.Col.A da Fontinha e a outro projecto idêntico em Lisboa?

Os espaços autogeridos, a produção colectiva, a reapropriação dos espaços ou de empresas que estão a fechar, deviam ganhar força, porque afinal o país são as nossas vidas e somos nós que o temos de pôr de pé. Se as nossas vidas andam tortas, então há-que endireitar as coisas. Só tenho pena de não estar em Portugal para poder contribuir mais. Para onde vai o dinheiro dos impostos se as estradas têm falta de alcatrão, as calçadas têm buracos, e os prédios estão abandonados e a apodrecer? Sabemos que a repressão é forte, que o Governo está a reforçar a polícia de dia para dia e vimos o que se passou em Lisboa nas últimas manifestações e no Porto com a brutalidade do desalojamento. A população toda apoiou uma iniciativa popular com interesse didáctico e cultural, sem fins lucrativos e que só serve para enriquecer o povo . Todos os canais televisivos estiveram lá, inclusive houve eco no estrangeiro. Ninguém percebe porque é que a Câmara do Porto envia polícia para desalojar os ocupantes dum espaço público abandonado há anos. Surge a indignação, pois sabemos que uma grande parte das casas do coração da cidade do Porto está abandonada e a ruir. Eu concluo que o que a Câmara Municipal teme é que o exemplo do movimento de ocupação se propague e que as pessoas percam o medo de agir, sobretudo, se decidem “mudar de vida” definitivamente, tomando as rédeas das actividades produtivas do país. A desertificação das cidade permite aos capitalistas um dia se reapropriarem desses espaços para em breve investirem no turismo. Então vamos ver fachadas bonitas, montras para consumo idiota, enquanto o povo voltará para os arredores, para os bairros sociais ou mesmo barracas, enquanto os que mandam enriquecem com essas lojas, casinos e hotéis do centro da cidade. A verdadeira vida dos portugueses e a pobreza é pouco a pouco afastada do centro das cidades, escondendo a exploração em que vive o povo, semelhante à imagem dada pelo Governo de Salazar aos visitantes turistas. Não é por nada que Portugal foi escolhido como um dos sítios de predilecção para turismo para 2013. Os senhores Ruis Rios, os Grupos Pestanas, os Programas Polis, e outros capitalistas com respectivos investimentos (alguns só servem para o “inglês ver”), podem assegurar-se enquanto o povo não decidir ocupar todos os espaços e recupera-los por si mesmo para si mesmo. Se o contrario acontecesse, é óbvio que teriam de enviar a polícia de choque para acalmar os ânimos, como têm feito até agora. A isso eu chamo repressão e autoritarismo, pois em democracia isto não devia acontecer.

14 - Para si é essencial que haja um Ministério da Cultura ou do Cinema? Como é que considera que a cultura e o cinema devem ser tratados?

Da minha parte nunca recebi apoio nenhum do Ministério da Cultura. Sei que os profissionais do cinema e audiovisual estão preocupados com a situação actual, têm manifestado a sua discordância e até mesmo feito manifestações no sentido de contrariar os cortes abismais feitos na Cultura. É a profissão deles que está em causa e acho muito bem que a defendam. Mas também é preciso ver que a forma como os apoios funcionavam até à data não era justa, o que faz com que pessoas como nós, sem terem propriamente um currículo oficial, são penalizados nos concursos pelos pontos que dão aos currículos. Quantos filmes não são financiados pelo ICA em Portugal, simplesmente porque uma parte da população mais privilegiada e intelectualizada teve o capricho de fazer um filme sobre um assunto que acha interessante e porque o currículo lho permite? Muitos foram os filmes que saíram e não tiveram sequer espectadores para os irem ver. Depois dão a culpa ao público português como se as pessoas em geral fossem ignorantes por não irem ao cinema ou ficarem em casa a ver telenovelas. Mas será que todos os realizadores portugueses se perguntam sobre a necessidade dos seus filmes? Não é porque alguém fez um bom filme uma vez que fará sempre bons filmes, há-que dar prioridade aos projectos que interessam à população e não aos currículos que ganharam prémios no estrangeiro. Acho que não estamos numa época de nos darmos ao luxo de acharmos apenas interessante, mas de estar atentos à necessidade do momento... fazer filmes porque são necessários à população e meter o interesse colectivo acima do privado. Para fazermos filmes colectivos não precisamos forçosamente de ministérios.

15 - Que ideias e novos projectos virão a seguir a este documentário?

Tenho outros projectos de filmes. Alguns estão em curso, outros não passam de ideias e esboços. Depois há a música que me tem vindo a interessar, e embora já tenha algum repertorio original, ainda não me sinto preparado para gravar o que quer que seja. Não gosto de meter a carroça à frente dos bois, por enquanto é concentrar-me com o Nelson em “Mudar de Vida”.

16 - Gostaria que partilhasse connosco uma história que tenha recolhido com o Nélson e que ache importante relatar.

Não me vem nenhuma história recolhida em particular em torno do filme. Talvez posso partilhar convosco uma coisa que considero interessante e que até pode vir a servir de matéria de estudo. É a produção e montagem de um filme à distância. A um dado momento, por falta de meios, chegámos a montar partes do filme à distancia. Tínhamos os mesmos ficheiros em dois discos rígidos externos. Um em Paris e outro em Lisboa. Eu montava e enviava ao Nelson o filme que ele recebia e corrigia, montava a parte dele e enviava-me em seguida, e vice-versa. Depois conversávamos por telefone ou skype durante horas para acertar detalhes de montagem ou produção. Quando haviam coisas rodadas ou novo material de pesquisa ao qual um de nós não teve acesso, enviávamos por correio, e adicionávamos ao resto do material. E pouco a pouco o filme ia-se construindo. O mesmo para a escrita, partilha de contactos, etc. As novas formas de comunicação permitiram esta forma de trabalho com uma certa rapidez que há 10 anos era inimaginável. Embora ainda tenhamos por vezes erros e falhas de comunicação devido à excessiva informação que a autoprodução exige concentrada sobre duas pessoas, temos vindo a desenvolver esta forma colectiva de criação superando muitos problemas financeiros e 1738km de distância.

17 - Quais são os seus sonhos para Portugal?

Os meus sonhos para Portugal são os mesmos que para qualquer outra parte do mundo, ou seja, ver um povo a viver em harmonia, a produzir com os recursos que lhe são propícios, a partilhar o fruto desse mesmo trabalho pelos vários concidadãos e uma estrutura social onde cada um possa intervir sem ter de explorar nem ser explorado. Se já fomos à lua, se podemos visualizar os vídeos que pusemos na internet através do teu telemóvel... porque será o resto assim tão difícil ao ponto de até lhe chamarmos sonhos?

Obrigado pelo teu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques Correcção: Fátima Simões/j amadora

7 de Janeiro de 2013

07 de Janeiro de 2013

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