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Entrevista ao músico Guitarrista dos Naifa, Luís Varatojo (Ex- Peste & Sida)

Com a banda em que estás integrado, A Naifa, o facto de terem ido aos Prémios SPA e terem deixado o “caneco” com os apresentadores, foi uma forma de mostrarem também aos outros que é preciso virar as costas? Para ti era preciso que mais pessoas ou grupos seguissem mais o vosso exemplo?

Isso aconteceu por acaso, nunca tive intenção de deixar o prémio em cima do púlpito. Levámos um pequeno discurso preparado e aproveitámos o facto de estarmos em directo na televisão para marcar uma posição, apelando à participação nas manifestações que estavam marcadas para essa semana. O prémio foi-nos atribuído pelos nossos pares (autores), o que para nós tem um grande significado e merece respeito.

O que aprendeste com os Mestres João Aguardela e Carlos Paredes? O que mais aprendeste com eles?

Com o João trabalhei durante dez anos. Aprendi a procurar novas soluções, experimentar, tirar o máximo gozo do trabalho em vez de repetir fórmulas, contrariar o sistema e as modas e não ter que dar explicações a ninguém. Aprendi que menos, muitas vezes é mais, e que português não é o mesmo que tuga. Grande João! Com o Carlos Paredes aprendi que a guitarra portuguesa não se esgota no fado e que a música de raíz tradicional portuguesa é muito mais rica do que parece. Também aprendi a tocar e a criar dedilhados, frases e harmonias; a usar a guitarra como instrumento de composição.

Com a Naifa e tocando guitarra portuguesa é uma homenagem que fazes a ambos no teu trabalho diário na banda? Como surgiu o teu gosto pela guitarra portuguesa? É essencial para ti que se difunda o papel importante deste instrumento e da música no panorama cultural em Portugal?

Acho que ambos, de forma diferente, estão presentes no meu trabalho. Fazer música será sempre uma forma de os homenagear. A guitarra portuguesa aparece do nada. Quando decidimos começar a fazer as primeiras experiências (que viriam a dar o som d'A Naifa) decidi usar uma guitarra portuguesa mesmo sem a saber tocar e o João apoiou a ideia. Queria começar do zero, cair de para quedas numa afinação que desconhecia, achava que isso podia trazer uma nova sonoridade e ser um processo divertido. Comecei então a ouvir com mais frequência discos onde houvesse guitarra. A guitarra portuguesa é o instrumento que soa a Portugal. É importante para a música e cultura portuguesas que seja utilizada, recriada e divulgada. Ela é uma marca distintiva para os músicos portugueses e para a identidade cultural do país.

Os Peste & Sida são um verdadeiro marco da história punk portuguesa, do qual foste membro, sentes que enquanto músico dessa banda contribuíste para um abrir de mentalidades ou de alerta para as pessoas para o que se passava na sociedade de então? E hoje com a Naifa?

Sim, acho que a música tem um papel fundamental na vida das pessoas. Hoje, muita gente vem ter comigo e dizer que cresceu com os Peste, que a banda foi fundamental em determinado período da sua vida e que ainda sentem uma grande identificação com a música que fazíamos e com aquilo que dizíamos. Isto é o mesmo que eu sinto em relação, por exemplo, aos Xutos ou ao Zeca Afonso, que me puseram a pensar, a tomar consciência, a contestar. A Naifa também põe as pessoas a pensar noutras coisas, o que é bom.

Na tua perspectiva existe hoje em dia falta de bandas punk, de protesto? E bandas tradicionais e outras que procurem protestar, ou de certa forma abrir novos pensamentos, acreditar nas alternativas?

Não acho que haja falta de bandas ou de actividade musical, parece-me é que se arrisca pouco, que há tendência em se trabalhar para o mercado, entendendo a música como um produto comercial e não como um objecto artístico. Desta forma os músicos tornam-se mais certinhos, arregimentados, menos capazes de experimentar novos caminhos e desenvolver alternativas.

Numa fotografia de uma entrevista aos Peste & Sida, diziam que as bandas portuguesas “não têm tomates”, ainda é assim? E em que sentido é que vocês viam isso, ou vês isso na actualidade? Na falta de confrontação ao governo? E espicaçar da malta?

Não me lembro em que contexto é que isso foi dito. O que eu vejo hoje é algum receio na tomada de posições públicas, sejam elas políticas, ou relacionadas com o mundo da música. Está instalado o ambiente do politicamente correcto que penaliza quem sai fora do baralho.

Como vês que a situação dos músicos e dos artistas em geral possa mudar para melhor?

Se formos mais unidos.

Houve várias manifestações com uma grande adesão quer pelos manifestantes, quer pelos artistas numa grande luta pela cultura, é extremamente necessário continuar e que todos os intervenientes partam para a rua como agora na Grécia, Brasil, Turquia, e não sair do país?!

A pressão da rua é muito importante, mas não chega. É preciso ter uma atitude crítica no dia a dia e contribuir com aquilo que fazemos para a construção de uma sociedade melhor. A cultura é o principal factor para o desenvolvimento do país e um pilar da sua identidade, os artistas não devem emigrar.

Que importância teve para ti trabalhares com temas de Ary dos Santos, António Aleixo, Natália Correia, Fernando Pessoa, entre outros no Projecto Linha da Frente? Esse projecto foi criado para comemorar o 25 de Abril em 99, era uma forma de mostrarem o quanto era necessário não esquecer a revolução e o que foi conquistado, e que era preciso continuar a trabalhar nos ideais de Abril?

Trabalhar com poetas tão diferentes foi muito enriquecedor, foi preciso experimentar muito para encontrar soluções musicais que se adequassem à diversidade dos ambientes poéticos, resultando num disco bastante variado que abriu caminho ao trabalho posterior com A Naifa. A Linha da Frente surgiu a partir de um convite que nos foi feito para montar um espectáculo comemorativo dos 25 anos do 25 de Abril em Lisboa. Esse espectáculo foi construído com base em versões de canções de índole reivindicativo ou revolucionário, lembro-me, por exemplo, de "London Calling" dos Clash ou "Qual é a tua ó meu" de José Mário Branco. Mais tarde decidimos fazer um disco de originais, pondo aquela reunião de músicos ao serviço da criação de um novo repertório ancorado nas mesmas premissas.

Alguns dos poemas agora cantados por A Naifa foram uma forma de darem vida às palavras e à dureza ou clareza delas, da realidade de hoje? Podem-se assemelhar ao que eram as realidades de quem as escreveu?

Ao contrário do que se possa pensar à primeira vista, os poemas d'A Naifa são bastante contundentes, revelam a realidade nua e crua, o que por vezes gera desconforto e não é fácil de encarar. Nós escolhemo-los exactamente por isso, porque são estórias que vivemos todos os dias, porque falam da nossa vida, das nossas frustrações e alegrias, dos nossos falhanços e vitórias. É uma intervenção mais corpo a corpo, sem medo de golpear e de ser golpeado.

Em 2012 publicaste um vídeo do Zeca Afonso de 1984 a falar sobre a juventude e a forma como o FMI e o sistema os oprime, e falaste da actualidade das suas declarações. Acreditas que, como ele dizia, também os jovens têm que partir a louça, escavacar tudo isto, se for necessário?

Nunca esteve tão actual. É preciso continuar a alertar consciências, mas esse desígnio é cada vez mais difícil de atingir. Os mais novos cresceram numa sociedade adormecida, embalada pelo lixo televisivo e pela facilidade na obtenção de bens materiais (de que não precisam) e por isso não têm consciência política. Aceitam praticamente tudo o que lhes é imposto porque não sabem, nem querem saber, quais são os seus direitos. Estamos perante uma geração capaz de aceitar a nova escravatura como uma inevitabilidade. É claro que há excepções, mas não sei se chegam para dar a volta ao assunto. Talvez daqui a dez anos as coisas estejam diferentes. Como dizia o poeta: "todo o mundo é composto de mudança tomando sempre novas qualidades."

Na tua opinião, o que é que é preciso para que se cumpra de vez o 25 de Abril, e na tua perspectiva o que é que fez falhar a revolução e não deve voltar a acontecer?

A revolução durou muito pouco tempo. Portugal é um país Europeu com uma situação geográfica estratégica e por isso foi imediatamente controlado pelo poder económico. Os interesses dos 99% só foram realmente considerados e defendidos durante o PREC, a partir daí voltámos ao domínio das famílias poderosas que já controlavam o país durante a ditadura e que servem os interesses dos grandes grupos internacionais. Nenhum país conseguirá mudar o estado das coisas sozinho, o mundo está ligado em rede, é preciso que as pessoas que fazem parte destes 99% se unam e façam parar a máquina, só com organização internacional se conseguirá combater este poder sem fronteiras.

Dizia um comentador num dos vídeos que publicaste da banda Linha da Frente que o CD do tema Nevoeiro tinha sido absolutamente esquecido. Não é um problema ainda não totalmente resolvido, o da falta de valorização da música portuguesa e principalmente da música tradicional portuguesa? E de muitas bandas não terem a divulgação que merecem e devem ter?

Esse disco teve a atenção que teve, não se pode obrigar as pessoas a gostarem disto ou daquilo. Quem teve contacto com ele decerto não o esquecerá. O que interessa é fazer, registar e disponibilizar, a partir daí passa a existir e ninguém o poderá apagar. É claro que neste domínio da divulgação também estamos altamente controlados pelo sistema, que faz a triagem do que interessa e não interessa às massas, mas a subversão também tem os seus canais.

Com estas bandas todas mais os Despe e Siga, tens alguma história que queiras contar?

Quais são os teus sonhos para Portugal?

Gostava que Portugal fosse um país de gente culta, esclarecida e civilizada, que pudesse decidir o seu destino com base naquilo que vê e acredita, e não assente em preconceitos e ignorância. Sei que é utópico, mas perguntaste-me pelos meus sonhos....felizmente durmo tranquilo e não tenho pesadelos.

Obrigado pelo teu tempo, votos de bom trabalho.


Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques Correcção: J. M. 08 de Agosto de 2013

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