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Entrevista a Piménio Ferreira

Entrevista a Piménio Ferreira – Activista Anti-Racista, Membro do SOS Racismo, Autor do Projecto Iniciativa Cigana

No seu trabalho enquanto activista tem denunciado o racismo e ciganofobia da comunidade cigana. Com o crescimento da extrema-direita e a já por si enorme cinagofobia existente em Portugal, em que medida é possível combater todo este preconceito, racismo, ciganofobia?


Para combater algo é preciso entender algo. E correndo o risco de ser expositivo e menos pragmático...

Neste caso, e entre outras necessidades, é preciso entender que o Racismo é um Sistema de organização de Poder segundo uma Estrutura (Política, Económica e Social) hierárquica baseada em critérios desumanizantes, de supremacia e ostracismo. O ‘nós', superior e humanos (às vezes suprahumanos, normalmente as ‘elites', a classe burguesa, aristocrata, clero – vai depender do regime político- e os com direito a vários graus de humanização dentro de certos critérios, a ‘massa branca’, isto é, os de mais brancos servos dessas elites); e o ‘outro', inferior, infrahumanos e sem qualquer direito a humanização, não importa que critérios sejam cumpridos.

Entre outros meios, sustenta-se pelo Identarismo Branco e é no âmbito dessa construção Identitária que a Europa desenvolveu o Anticiganismo. Um sistema de negação continuada da humanidade das pessoas chamadas ‘ciganas'. Sem o ‘cigano' não há ‘branco'. Assim sendo o que se entende por preconceitos e ignorâncias e ‘formas de xenofobia' são na verdade, não a causa, mas um dos vários instrumentos estruturais da criação da supremacista Identidade Branca.

E em que constite o Anticganismo: Politicas de exclusão, de negação do direito à propriedade, à família, à Língua, à liberdade de expressão, a ser dono da própria força de trabalho.

Uma forma fundamental de combater o Anticiganismo é assim combatendo os seus efeitos e as suas Estruturas, incluindo o Identarismo Branco. Cuja manutenção é realizada actualmente pela propaganda cultural, mediática e política da Classe Burguesa (estruturalmente branca). Inclusive para que não haja confusões até prefiro usar a expressão branguesia ao invés de burguesia ou branca sozinha. Visto que a burguesa se monta na branquitude e dela não se separa.

E a Branguesia tem o monopólio dos media, da Escola, da Universidade, da Academia, da Ciência, das Artes e Cultura. É preciso combater este monopólio para assim contrariar a sua propaganda.

Na Habitação, onde a negação do acesso a infraestruturas de suporte coloca em causa todo o potencial de desenvolvimento humano das pessoas. Aqui seria bom repensar a habitação como direito fundamental universal e garantido e não como mercadoria sujeita à especulação capitalista.

Na forma de estruturar o trabalho e a distribuição da riqueza produzida colectivamente pela classe trabalhadora, a qual é esmagadoramente racializada. O chamado ‘proletariado branco' é uma minoria demográfica quase insignificante em toda a massa de pessoas trabalhadoras no mundo. Se os racializados tudo produzem, aos racializados tudo pertence.

É preciso defender o fim do monopólio Branguês sobre os meios sociais de produção e contrariar desde já os efeitos da discriminação e sobre exploração racista. Em nome da sobrevivência.

No seu trabalho menciona o genocídio cigano, que por norma nunca é referido, e luta contra as barreiras e estereótipos sobre os ciganos. Para si que impacto tem tido este contínuo silenciamento do genocídio cigano para as comunidades ciganas?


O efeito de qualquer silenciamento de um genocídio é o genocidio em sí.

Este silenciar do Genocídio branco anticigano tem como função esconder a verdadeira natureza do Identarismo Branco e da estrutura de suporte do Poder (Político, Social e Económico) branco, actualmente sob o controlo da classe burguesa, mas não da sua exclusividade.

Embora se reconheça a existência da Classe Burguesa e da divisão económica Capitalista actual em Classe trabalhadora e burguesa. Convém dizer que a burguesia é só um grupo de Poder que assumiu o Poder da Branquitude num dado momento.

As diversas classes dominantes e seus regimes estão para a Branquitude o que diversos partidos estão para mandatos executivos. Isto é importante referir para que se evitem os reducionismos de classe que negam a Estrutura Racial da Europa Moderna, desde o início das Grandes Invasões iniciadas com o projecto expansionista em 1415. E que continuar a defender o Capitalismo ou o Liberalismo (como entendido actualmente pela "direita", mas também como em Ideologia saída da Revolução Liberal), não importa em que grau, é continuar a defender o Racismo. E logo o genocídio de pessoas. Isto é, inferiorização da qualidade de vida de massas de pessoas afectando a sua condignidade e saúde ou promovendo a sua morte prematura de forma mais ou menos directa.


O seu foco também sido em denunciar o facto de se continuar a responsabilizar as vítimas por um sistema dominante que tem perseguido, escravizado e colonizado os ciganos e os negros e a constante exclusão dos ciganos das cidades e dos locais por onde são obrigados a viver. Como se pode combater esta enorme responsabilização e vitimização que tem sido feita ao longo dos anos?


Denunciando, repetindo, contando a verdade todas as vezes e mais algumas. Gritando. Ocupando todos os espaços. E nunca deixar de se manifestar em todas as formas para que o silenciamento não perdure. Também ajuda estabelecer prioridades: defender o certo ou agradar a (sua) Branquitude?

É preciso afrontar o Poder. Desafiar Leis Injustas que protegem e servem interesses especulativos, bem como enfrentar quem defenda e imponha tais injustiças legais. Tal como é preciso solidariedade para com as vítimas destas Leis Injustas e principalmente quando se levantam contra a injustiça. Incluindo quando são acusadas de ‘ocupação abusiva' ou ‘ilegal' de casas vazias ou da Avenida da Liberdade.

Defender o uso colectivo que satisfaz necessidades humanas acima da propriedade privada que aumenta estas necessidades artificialmente como forma de explorar um mercado baseado na especulação e na manipulação do princípio da ‘oferta/procura' em nome de um jogo capitalista focado no lucro dos cada vez mais enriquecidos.


Tem o projecto Iniciativa Cigana focado no combate da propaganda branca e burguesa e divulgar a memória Romani. E é militante do movimento anti-racista, e membro do SOS Racismo e tem participado em projectos como o "Dicionário da Invisibilidade" (pelo SOS Racismo) e "O Estado do Racismo em Portugal, Racismo Antinegro e Anticiganismo no Direito e Políticas Públicas" (compilado num livro publicado pela Tinta da China) e em colaboração com várias vozes da luta anti-racista.

Que importância tem para si integrar e promover estes projectos de combate ao racismo e ciganofobia, e pela promoção da memória Romani, e dos projectos na SOS Racismo?


Primeiramente, tem a importância de me sentir reconhecido e apreciado por pessoas tão grandes quanto Silvia Maeso e Cayentano Fernandez que me convidaram a participar no Livro "O Estado do Racismo". Ou Mamadou Ba e José Falcão com quem integro o SOS Racismo além de muitas outras. Figuras da academia anti-racista ou do movimento anti-racista em geral acharem a minha militância e trabalho 'relevante' já é enorme.


Depois, porque permite que outras vozes possam contrariar narrativas racistas com factos e novas perspectivas sobre a verdadeira história. Oferecendo assim instrumentos de libertação da propaganda alienante e manipuladora instituída pelo Estado Moderno e suas diversas Instituições companheiras, como tem sido as Igrejas e as grandes corporações, por exemplo.



Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.


Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Fátima Simões

28 De Abril de 2022


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