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Entrevista A Carla Chambel

  • projectovidaseobras
  • Sep 22, 2022
  • 8 min read

Updated: Mar 27, 2024

Entrevista A Carla Chambel – Actriz, Directora De Actores e Vice-Presidente da Academia Portuguesa De Cinema


Fotografia De: Alfredo Matos


Tem feito trabalho social no Hospital Fernando Fonseca e na Divisão de Intervenção Social da Câmara da Amadora com o projecto “Do Maior Para o Mais Pequeno” e tem coordenado um banco de trocas de vestuário escolar no colégio dos seus filhos “para uma questão de sustentabilidade”. Que importância tem para si o trabalho social e a coordenação do projecto de trocas?


Participar ativamente na minha comunidade é um dever, mas também um prazer enquanto cidadã. Esta é uma dimensão que me acrescenta e estimula enquanto mulher e que me faz sentir viva para além da minha profissão.


Para mim basta estar atento ao que nos rodeia, perceber as necessidades e depois criar pontes. Assim foi com o meu projeto Do maior Para o Mais Pequeno em que bastou fazer a ponte entre a CMA e o HFF. Claro que depois o que é gratificante é ver as senhoras de “mãos sábias”, como eu lhes chamo, felizes e a sentirem-se valorizadas por poderem contribuir com a suas botinhas, gorrinhos, lençois e outras manualidades para os prematuros e suas famílias que estão no hospital e que, desta forma, sentem-se aconchegados por uma comunidade anónima que lhes dá carinho através destes artigos. É uma simbiose, na verdade. Ambos os lados saem recompensados.

O meu projeto de banco de trocas do vestuário escolar desenvolveu-se durante 7 anos, no colégio dos meus filhos, emponderado pela participação de outras mães voluntárias e apoiado pela própria direção do colégio. Estávamos perfeitamente conscientes da necessidade de reaproveitamento dos recursos, promovendo a economia circular, poupando dinheiro às famílias, e transmitindo valores de sustentabilidade aos alunos. Infelizmente a nova administração do colégio não vê vantagem neste projeto e invalidou-o. Os meus filhos neste momento estão na escola pública e, portanto, abrem-se novas portas para eu procurar formas de poder contribuir positivamente.


O que nos pode falar sobre a sua participação no Terra Nova sobre a vida duríssima das comunidades piscatórias e da vida das mulheres no início do regime fascista?


Era, de facto, uma vida muito dura para aqueles homens e mulheres. Do ponto de vista da mulher, a cada partida do homem para o mar (marido, pai, filho, irmão) a angústia da espera, a pobreza das condições em terra, a falta de escolaridade, fazia com que essa mulher, profundamente religiosa, secasse as suas emoções, endurecesse por dentro e por fora, vivendo numa sombra permanente. Na dureza dessa realidade seria difícil a mulher ter sonhos, imaginar ter uma profissão que a realizasse, saber que tinha direitos. E por isso também seria difícil poder-se falar de doenças como a depressão ou a ansiedade. A minha Joana, da Terra Nova, é uma mulher apagada, sem fogo, apenas reduzida à sua função de cuidadora da casa e da filha. Restavam-lhe os valores da honra e da decência, o que fez dela uma mulher vingativa.


Na série “Dentro” faz de mulher alcoólica que mata o próprio filho e depois tem dificuldade em reconhecer o que crime que cometeu. O que sentiu ao dar vida a esta personagem com o problema do alcoolismo e à tragédia que cometeu?

A riqueza de trabalhar na área da representação é esta mesma. Poder adensar-me dentro de histórias que estão longe da minha realidade, mas que ao mesmo tempo também me obrigam a conhecer-me melhor a mim mesma. Os meus valores morais são reduzidos a zero quando analiso estes personagens. Tentei perceber as razões desta mulher, construí uma história para justificar o estado a que chega esta mulher quando o público, pela primeira vez, a conhece (num café, alcoolizada, desnorteada). É presa, pois o filho morre por negligência e ela entra num processo psicológico de negação, como se o filho ainda permanecesse com ela. Eu estava grávida do meu segundo filho, durante este processo, e esta história, baseada em casos reais, ensinou-me a ser mais empática com as dificuldades que uma mãe pode atravessar num período da sua vida, como por vezes somos tão condenadores enquanto sociedade, em vez de estarmos atentos e canalizarmos para um rumo mais positivo.


Fez de Sarah Affonso para o filme “Amadeo” de Vicente Alves Do Ó. Que representou para si dar vida a esta pintora e ilustradora?


Mais uma vez ressalvo a riqueza da minha profissão e como isso é um privilégio. Já conhecia um ou outro quadro da Sarah Affonso, mas o filme proporcionou-me conhecer muito mais. Uma mulher culta, destacada no seu tempo, casada com o Almada Negreiros, que bebeu da formação dela, em Paris, para se tornar no nome incontornável da nossa história de arte. Por esse motivo, Sarah ficou mais à margem, dedicada aos filhos e para eles canalizou a sua arte, criando obras didáticas que podemos descobrir, por exemplo, na loja A Vida Portuguesa. É uma inspiração nos dias de hoje para recursos pedagógicos e lúdicos, aquilo a que chamamos Educação Pela Arte. Levei os meus filhos à exposição sobre ela no Museu Nacional de Arte Contemporânea e os atores puderam visitar as caves da Gulbenkian, onde quadros magníficos do Almada, do Amadeo, da Sarah, estão meticulosamente guardados. Partilhar esta experiência com o ator José Neves (Almada Negreiros) e a atriz Carmen Santos (Mulher de Amadeo) foi intenso. Nas filmagens, entrávamos numa sala onde estavam as reproduções de muitas das obras do Amadeo. Isso teve em mim um impacto brutal, de estar a viver um momento único!


É professora de jovens e é Vice-Presidente da Academia Portuguesa de Cinema, onde tem estado centrada no “A Young Audience Award”. Que significado têm estes projectos para si e para esses jovens?


Educação. Educação. Educação. É uma peça basilar do meu conceito de estar na Arte e como ela é importante para questionarmos, nos inquietarmos, enriquecermos, conhecermo-nos melhor a nós mesmos. E que melhor fase da inquietação senão a dos jovens? No Young Audience Award são os jovens de muitos países da Europa que decidem o filme vencedor. Um filme de produção europeia, com temática adequada aos jovens e que é eleito entre 3 nomeados. Desta forma a Academia de Cinema Europeu, e cá em Portugal, a Academia Portuguesa de Cinema, leva a conhecer aos jovens olhares de realizadores europeus, que falam das nossas diferentes culturas, de diferentes histórias, e que nos permitem termos uma visão europeia sobre a nossa identidade multicultural e artística. Portugal tem participado ativamente e em breve teremos uma plataforma digital que será um Cine-clube europeu, onde os jovens podem ter acesso a filmes europeus, de forma gratuita, e interagir com outros jovens para poderem discutir os filmes, promover mostras, debates, etc. Temos jovens entusiastas no projeto, que dizem que sentem falta de ter mais acesso a Cinema Europeu (o cinema do mainstream está a afogar a distribuição não anglo-saxónica), por isso cabe-nos a nós, instituições culturais, Ministério da Cultura, dar-lhes ferramentas para que possam aprofundar o seu conhecimento e fruir destas linguagens.


Dirigiu um projecto sénior de teatro durante 8 anos na Amadora e tem tido vários outros projectos que a mantêm ligada à Terceira Idade. Que importância atribui a estes projectos para séniores?


Fundei um grupo de teatro sénior no ano 2000, mal acabei o conservatório de Teatro. Estava sedenta de partilhar a riqueza que tinha aprendido e aquele grupo de pessoas curiosas e disponíveis estava ali para me receber de braços abertos. Foi onde aprendi que o afecto é o grande segredo da construção de um grupo. Para cada uma das pessoas que passaram pelo projeto, o Grupo Sénior de Teatro Flores de Outono trouxe-lhes diversas coisas. Para uns era o combate ao isolamento, para outros, a concretização de um sonho adiado durante a vida de trabalho, para outros ainda uma descoberta de si mesmos, como nunca antes tiveram oportunidade. O convívio, o estarem atentos ao outro, criou também uma rede de afectos, que lhes trouxe auto-estima, sentirem-se válidos para si e para os outros. As aprendizagens também melhoram as capacidades físicas e cognitivas. Daí a importância destes projetos que atravessa tantas áreas: as saúdes física, mental e social, a criatividade, a multiculturalidade.


Dá igualmente aulas de interpretação a crianças e jovens e foi também coordenadora do Departamento de Artes do Colégio Cesário Verde. É ainda formadora na Academia Mundo das Artes, em que lecciona Interpretação e Direcção de Actores. Como têm corrido todas estas experiências?


São experiências totalmente diversas. Trabalhar com crianças e jovens, para além da importância de passarmos conhecimento sobre o Teatro e representação, acima de tudo, estas experiências ajudam na formação do Eu, no auto-conhecimento. Também é uma boa oportunidade para criar parcerias com as disciplinas ditas curriculares e abordar temáticas dessas disciplinas de uma forma lúdica, que passe pelo corpo e pelas emoções, em vez de ser algo que eles só aprendem nos livros. Que melhor forma há de aprender sobre as plantas e os animais se nós formos um deles? Que melhor forma há de falar sobre temáticas mais complicadas como o Bulling ou as Drogas se não construir uma história sobre esses temas e levá-los a pensar em soluções positivas?

Para os atores em formação é diferente. A exigência é muito maior. Abordo técnicas e ferramentas com o intuito de os preparar para a construção de personagens. Algo muito mais profundo e menos lúdico. Sinto necessidade de eu própria estar em formação constante, para sentir que passo conhecimento renovado, que eu própria experimento, desenvolvo e reflito.


Está a representar a peça O Diário De Anne Frank que está em cena no Teatro da Trindade. E está a fazer de mãe. Que importância tem para si representar esta mãe, e representar esta história horrível do Holocausto? O que podemos aprender sobre a história horrível desta família e do Holocausto?


A Edith Frank era uma mulher à frente do seu tempo. Em conjunto com o seu marido, Otto Frank (único sobrevivente do Anexo Secreto) tinham uma visão da educação e uma postura sobre os papéis da mulher e do homem muito mais modernos do que o que na época era socialmente aceite. As suas filhas eram cultas, com pensamentos humanistas. Contudo Edith tinha uma relação difícil com a Anne. Tinham dificuldade em comunicar, em compreender os pontos de vista uma da outra. No contexto do Anexo Secreto, em que estavam privados de muita coisa e a disciplina era fundamental para que o plano funcionasse, Edith vivia numa angústia de repreender constantemente uma filha curiosa, que questiona, que transgride, como adolescente que é. Mas este é o lado humano, o quotidiano de qualquer família que tem os seus conflitos. No entanto, naquele contexto, representa muito mais do que isso. Primeiro uma responsabilidade imensa de honrar a memória daquelas pessoas que existiram, e que são o rosto de milhões de judeus que sofreram com o Holocausto. Depois acreditar que a Arte (neste caso o Teatro) tem a capacidade de despertar consciências, de passar para o público a bola de responsabilidade de refletir e, se possível, atuar na sociedade. Coisas tão simples como ir votar, de uma forma consciente e participativa, para que não cheguem ao poder pessoas que defendem ideais de extermínio, de xenofobia, em prol de valores nacionais, por exemplo.

A Anne dá-nos várias lições. De que nós adultos temos responsabilidades do que acontece no mundo, de que apesar de todas as atrocidades, vale a pena acreditar que há pessoas com bom coração.



Quais são os seus sonhos para Portugal?


Sonho que o meu país continue livre e democrático, em paz, e que caminhe para uma sociedade mais tolerante e empática. Que crie oportunidades para os jovens e que reconheça e valorize os seus séniores. Mas que também crie oportunidades para aqueles a que chamamos “adultos na vida ativa”, pois hoje em dia o trabalho está em constante transformação e não somos só uma coisa ao longo da vida. Que a Educação seja um foco e que a Arte ande de mãos dadas com a Educação. Não para formar artistas, mas para que as pessoas trabalhem a sua sensibilidade e ganhem um ponto de vista sobre o mundo.





Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Fátima Simões

22 De Setembro De 2022

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