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Entrevista a Pedro Fidalgo – Realizador

  • Pedro Marques
  • Jul 8, 2020
  • 13 min read

Updated: Oct 8, 2022


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Fotografia De: Aline Karich


Para o estágio audiovisual realizaste com Giulia Prada “VÊS? AS NOSSAS VOZES TÊM VIAS!”-deambulações europeias ao encontro de Paris... durante as quais jovens europeus residindo em Paris questionam conceitos: estrangeiro, imigração, fronteiras na Europa e as suas próprias experiências na capital francesa. Num momento tão dramático de refugiados, como foi para ti poder filmar e abordar esta problemática sobre as fronteiras, a emigração?

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Estamos em pleno isolamento por causa do COVID-19. Cada país com o seu governo, cada país com os seus estados de emergência. O filme VÊS? AS NOSSAS VOZES TÊM VIAS!1 data de 2013. É preciso contextualizar, pois foi filmado em vários países e já há algum tempo. Por exemplo, houve em França desde então, diversas contestações, algumas realmente muito fortes como as ecológicas nas ZAD, depois os Coletes Amarelos e, recentemente, grandes greves nos sectores dos transportes e educação, na saúde, lutas que duraram meses, algumas anos. Muita coisa mudou. Esse filme também foi rodado pela altura da depressão económica em Portugal, entretanto veio a Geringonça, acentuou-se a gentrificação massiva nas grandes cidades, continuou a desertificação do interior, cada qual adaptou-se profissionalmente ao que lhe apareceu, e hoje, para além do turismo, não sei bem quais são a perspectivas, pouco aí vou. Ao rever tantos anos depois este filme que sempre considerei como um modesto olhar sobre a juventude numa época difusa, um fugaz olhar sobre um futuro incerto bem patente e próprio ao que se tornaram as classes médias europeias, sobretudo numa altura atulhada de consequências ligadas às políticas de austeridade, consequências demasiado destrutivas para os menos afortunados, tenho o sentimento de ter filmado a parte ligeira da via-férrea que nos espera agora. Este filme realizou-se no âmbito de um estágio que tinha por desafio dar voz a jovens europeus. Para que se concretizasse propus ir ao encontro de jovens mais ou menos preocupados com o futuro, sobretudo oriundos de países que mais sofriam com a crise, os PIGS. Daí este misto: sem fronteiras a câmara salta de Atenas para Milão, de Milão para Lisboa, de Lisboa para Paris; vemos Portugueses manifestar em Atenas, Gregos com o megafone em França, Espanhóis desfilarem em Lisboa, e por aí adiante. Foi também por tomar consciência de que as fronteiras nunca foram realmente abolidas no espaço Schengen que foi necessário dar voz àqueles que, embora fizessem parte da União Europeia, acabam por ser acompanhados à fronteira uma vez expulsos das grandes cidades, condenados às barracas. Falo das populações romani pobres de França e vítimas de séculos de segregação no país de origem. Por entre os melindrares das classes médias misturámos trabalhadores africanos na luta pela regularização dos documentos, rusgas em comboios, pessoas sem bilhete proibidas de subir. A ideia era mostrar que dentro do mesmo barco, cada um se sentia à deriva. Isto do ponto de vista das migrações económicas, as da classe média, essa parte do povo aburguesada, que nunca sabe bem de que lado está em função do conforto que tem. Por estas razões a questão dos refugiados não foi abordada. Outro ponto de vista, foi o de dar esperança através de exemplos de resistência e propostas alternativas, como a biblioteca auto-gerida pelos estudantes na Universidade de Milão, a referência ao projecto da Es.Col.A. da Fontinha no Porto ou o mercado auto-gerido no bairro Exarcheia no centro de Atenas. O mau da fita é omnipresente, o Poder, e manifesta-se através dos seus pilares, a polícia que invade e expulsa os estudantes da biblioteca em Milão, a mesma que faz rusgas nas fronteiras, às leis do mercado abstracto que amedrontam os precários, os partidos fascistas como a Aurora Dourada na Grécia, etc. Os protagonistas são os dois jovens narradores do filme, um homem e uma mulher, um português e uma italiana, que decidem ir ao encontro de outros na mesma situação, criar laços de solidariedade. Não é por nada que a dado momento ouvimos a Internacional enquanto mãos colam frases num mapa da Europa estendido no chão do Parvis des Droits de l’Homme em Paris ou que se vê a La Puente de los Franceses cantada por duas raparigas espanholas antes de passarmos à intervenção de um militante anti-fascista grego.

Que relação encontras com a realidade de hoje?

A única relação que encontro com a actualidade é que os problemas colocados não foram resolvidos. A indignação foi canalizada para os Parlamentos, e como é hábito, a delegação dos problemas a outrem acaba sempre por ser desviada, traída, abafada, é um problema sistémico característico das democracias. A dado momento no filme vemos juntos o Alexis Tsipras (Syriza), a Marisa Matias (Bloco de Esquerda), o Pierre Laurent (do Partido Comunista Francês), entre outros, e a voz off diz “podem esbanjar paleios eleitorais, acompanhar-nos às fronteiras, mas apesar dos discursos mediáticos predominantes, o fluxo das nossas ideias não tem língua, e nas nossas vidas, em cada mesa, em cada esplanada, a cada deslocação, manifestam-se desejos contrários aos interesses económicos sugeridos”. Devido a tantos vira-casacas, alianças fracassadas, regimes autoritários, houve um conformar-se geral das pessoas às diversas realidades em cada país nos últimos quarenta anos. As revoltas colectivas acabaram por ser canalizadas para eleições “anti-sistema” dentro do sistema, e sem perspectiva, a gente teve de se adaptar às contra-reformas laborais, à precariedade, à uberização, às extremas-direitas, e nada mudou, nada se criou, tudo evoluiu para pior. Repara que a única resposta dos governos ao problema do COVID-19 foi o cada um por si, restabelecer fronteiras para logo as fechar, instalar ditaduras por um tempo determinado, investir na polícia, meter drones a sobrevoar as cidades, proibir contestações e greves, enfim, um resposta liberticida. Quando a pandemia passar, o vilão voltará para acertar contas, para nos falar de sacrifícios, austeridade, intimidar e submeter-nos. O antagonista falar-nos-á duplamente mais persuasivo, através de cortes salariais, fim de subsídios, despedimentos massivos, e guardar medidas de emergência como forma permanente de governar... O que é preciso ter em conta é que a crise não é económica, pois a economia é já em si uma crise manifesta da sociedade mercantil que tem séculos... o lucro, a mais-valia, as relações abstractas de poder e as mais concretas de dominação. O papel de Jo no filme, jovem africano imigrado em Milão é uma espécie de Souvarine não violento. É uma comparação abusiva, certo, mas este personagem aparece à parte para quebrar tudo. Não há sabotagem, mas desiludido com a Europa é o único que toma uma decisão clara, que é voltar para o Senegal e convida-nos a vir com ele. Fica a metáfora, não há nada a fazer, é preciso desertar, a mina no “Germinal” do Zola, a Europa liberal no caso do filme.

Fizeste o filme “La Violence ne fera pas taire le peuple”2 dividido em três pontos: “A VIOLÊNCIA NÃO SILENCIARÁ O POVO”; “CINEMA-OLHO”; “OUTRA PARTE DO MUNDO” - sobre os coletes amarelos em França, sobre a violência da polícia e o número de feridos que causou, sobre a falta de direitos humanos dos manifestantes.

O que te tem motivado a mostrar a luta social, as greves, a desigualdade e a repressão policial e capitalista?

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A condição de cineasta é a motivação principal. Para viver do meu trabalho não deveria fazer os filmes que faço nem da forma como os faço. Há quem os confunda com filmes militantes, mas nunca tratei de colocar filmes ao serviço de qualquer causa, pois os filmes já são uma causa em si, na forma, no conteúdo e como são produzidos. Estes três intervalos sobre os Coletes Amarelos são um tríptico, que contrariamente a uma trilogia, devem ser vistos juntos. Podem ser vistos separadamente, é óbvio, mas foram feitos para serem vistos ao mesmo tempo. O primeiro começa com um fotograma de um filme do Eisenstein, ("O Couraçado Potemkine") impresso nas costas de um colete amarelo. Trata-se do rosto de uma mulher que leva um tiro no olho durante o massacre na escadaria de Odessa. Ora o número de pessoas que perderam a vista durante o movimento dos Coletes Amarelos em França foi elevadíssimo, daí esse paralelismo da repressão. O filme começa por uma longa marcha pelas ruas de Paris em que vamos lendo pouco a pouco as reivindicações do povo inscritas nas costas de coletes amarelos e acaba no Parvis des Droits de l’Homme situado no Trocadéro onde a polícia espera os manifestantes tal como na escadaria de Odessa no filme de Eisenstein. Felizmente, hoje não disparam com balas reais. No segundo intervalo, mais encenado, é a própria câmara que perde o olho. O título do filme alude ao manifesto de Dziga Vertov sobre montagem e movimento de imagens reais, em russo КИНО-ГЛАЗ, ou seja Cinema-Olho. Muitas pessoas em França continuam a perder olhos ou a ficarem desfiguradas em manifestações devido a tiros de LBD 40. Também durante as manifestações dos Coletes Amarelos várias pessoas perderam a audição ou foram mutiladas por granadas GLI F4. Este intervalo presta-lhes homenagem e é portanto o mais violento e rápido. Reproduz o momento em que a vitima é atingida, de surpresa no meio da confusão.

Quanto ao terceiro intervalo vemos o quotidiano de quem trabalha como numa sinfonia urbana, mais uma coisa inspirada do Vertov. Já os muros escritos e com cartazes aparecem-nos como cine-panfletos à Maio de 68. Aqui o Poder, sempre omnipresente, está representado pela voz off do presidente Macron, ouvimos provocações do governo para com o povo através de elementos sonoros (o presidente chama o povo de preguiçoso, etc). Para quem corre riscos no trabalho, o colete florescente é uma ferramenta obrigatória, e é isso que determina o campo dos manifestantes, o sentimento de pertença a uma classe que se sente lesada por um governo que só favorece os mais ricos. O movimento dos Coletes Amarelos teve a particularidade de não ser revolucionário, mas radicalmente reformista. Muitas pessoas estiveram dispostas a prescindir de tudo, por reformas tão básicas como justiça social e fiscal, pelo futuro dos filhos. É por isso que as crianças no final nos aparecem como o porvir, ou os resistentes de um futuro próximo.

Na associação "Mémoire Vive / Memória Viva"3 em que estás inserido têm o Projecto RECOLHA DE TESTEMUNHOS AUDIOVISUAIS com o objectivo de recolherem e transmitirem a memória da emigração portuguesa num espírito de intercâmbio e de abertura.

O que nos podes falar sobre esta experiência? E acreditas que pode ainda despertar as pessoas para a memória, para a história da emigração?

Não sou a pessoa mais activa no seio da associação e por isso convido-te a falar com a Ilda Nunes, a actual presidente da associação, o Hugo dos Santos, comissário de uma recente exposição intitulada Recusar a Guerra Colonial, o cineasta José Vieira, ou o Vasco Martins que é ao mesmo tempo membro da Associação de Exilados Políticos Portugueses4 e detentor de arquivos únicos. Todos têm, entre outros, que injustamente não vou citar porque são bastantes, realizado um trabalho formidável de conservação da memória da emigração portuguesa. Houve já a criação de um espólio de arquivos em parceria com a biblioteca/museu “La Contemporaine” em Nanterre. A Mémoire Vive/Memória Viva é uma associação fundada em 2003. Muita gente não sabe como e porque chegaram massivamente os portugueses a França nos anos 60 e porque é que, de geração em geração, continuam os portugueses a emigrar. É no sentido de recolher e preservar a história desses portugueses que deixaram o país de origem que a associação trabalha na recolha de testemunhos e arquivos, acompanha investigações, a conservação, e divulga a história do êxodo português. A história recente de Portugal está intimamente ligada à história da emigração portuguesa, embora muita gente desconheça ainda. Actualmente, num momento em que se fala muito de racismo, circula um inquérito lançado pela associação Mémoire Vive/Memória Viva para recolher e conservar testemunhos de portugueses vitimas de xenofobia ou racismo em França. 5

Desde o filme “Mudar De Vida”, os teus filmes têm sido sobre a luta social francesa e as tuas músicas sobre a realidade portuguesa, sobre a gentrificação massiva. Na tua opinião, o que devemos aprender e conhecer melhor sobre a luta social francesa, portuguesa, sobre a Obra de José Mário Branco e em que medida se pode mudar o paradigma da gentrificação?

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A tua questão mistura várias coisas, é-me difícil responder. Sobre o filme que fiz com o Nelson Guerreiro, MUDAR DE VIDA, José Mário Branco, vida e obra 6, já não tenho muito a dizer. Existe em DVD e se alguém estiver interessado é só contactar-nos.

A luta social em França tem uma coisa que em Portugal não há, é que ela existe e está patente no quotidiano. Enquanto em Portugal quase todo o movimento social está controlado e canalizado por grandes organizações sindicais autoritárias ou reformistas que apenas organizam marchas fúnebres todos os anos entre Abril e Maio, em França as greves têm uma força óbvia, existem diversos sindicatos em que as bases nem sempre seguem as direcções. As manifestações e greves são intensas e massivas. Mas têm sido insuficientes e pouco ou nada têm conseguido obter. Depois existem movimentos autónomos dos partidos e sindicatos, como foi o caso dos Coletes Amarelos que lembram as primeiras manifestações de desobediência e autonomia face aos sindicatos na Itália dos anos 60. Isto permitiu um clima social que levou a greves concretas de paralisação nos transportes e sectores públicos durante dois meses consecutivos, espontaneidade nos apelos a manifestar fora dos percursos autorizados legalmente, confrontações físicas directas com os agentes da autoridade e auto-defesa popular colectiva. O movimento é heterogéneo, por vezes contraditório, por vezes disperso, mas existe e é concreto. A esquerda traiu tanto que não podia ser de outra forma, ou então era deixar tudo nas mãos da extrema-direita que em 20 anos conseguiu recuperar um eleitorado reaccionário que antes podia até votar Partido Comunista. Em França, a esquerda está toda a desaparecer, outras formas de luta florescem. As lutas autónomas nas Zonas A Defender, em que conseguiram convergir agricultores, ecologistas, anarquistas e apoios vindos de todos os horizontes à esquerda são um exemplo disso. Em Notre-Dame-Des-Landes, a luta contra a construção de um aeroporto tornou-se uma zona ocupada de vários quilómetros onde as pessoas puderam experimentar formas de coabitação, de fazer política horizontal e democracia directa, como no PREC em Portugal. Uma luta que durou 50 anos e que entre 2011 e 2018 endureceu acabando por sair vitoriosa, o aeroporto da empresa Vinci foi por água abaixo. Os partidos políticos e os sindicatos pouca aceitação tiveram, embora apoiassem à distância. Estes foram os dois movimentos sociais que, do meu ponto de visto mais marcaram, também os que mais publicações de livros, textos, filmes, e documentos produziram. Seria bom que se pudessem traduzir para que em Portugal se conhecessem melhor, embora já haja quem tenha traduzido alguns. Também acabaram por ser as experiências mais horizontais e libertárias do ponto de vista prático, recusando o entrismo de qualquer ideologia tradicional de esquerda ou de direita.

Trabalhaste ainda sobre Dominique Grange – “Não Apaguem Os Nossos Rastos!”7 - em que estás a fazer uma vaquinha solidária, o filme é acerca das lutas sociais francesas desde o Maio de 68 em que a protagonista esteve envolvida. Que importância tem esta história de lutas, esta cantora e a luta política?

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Este filme é bem diferente de MUDAR DE VIDA, José Mário Branco, vida e obra. A única coisa que tem em comum é o tema ser uma cantora de protesto. O filme passa-se em França nos dias de hoje. A mesma resistente que cantava “Abaixo o Estado policial!” em 1968 é a mesma que vemos em 2020 na rua manifestar e cantar. 50 anos passaram e as suas canções nunca foram de tanta actualidade desde os anos 70 em que ela, militante maoísta, cantava ao serviço da Esquerda Proletária (Gauche Prolétarienne). As canções são evidentemente uma forma agradável de exprimir ideias políticas e sentimentos de injustiça reais e talvez a melhor forma de atravessar muros e fronteiras, a canção é algo imaterial e fácil de lembrar. Através do percurso de uma cantora podemos contar a história de uma país, ou das lutas que acompanhou. O que interessa não é só o que se conta, mas também a forma como se conta. O filme conta com a presença do desenhador Tardi que narra a história e de quem utilizarei desenhos para ilustrar em vez dos tradicionais arquivos. Este filme que vai abordar questões como o Maio de 68, os anos 70, ou a Comuna de Paris, é mais um filme que se inscreve na história do movimento social. A pós produção está a ser possível graças a um financiamento participativo lançado na Internet, como já tinha sido feito para o filme “MUDAR DE VIDA, José Mário Branco, vida e obra” Trata-se de um filme sem apoios oficiais e que julgo importante. Em troca os apoiantes recebem recompensas como forma de agradecimento. Ao início estava com receio, tenho sempre uma insegurança de como as pessoas podem interpretar... O peso de transportar por vezes um projecto quase sozinho em auto-produção... a questionar-me sempre sobre o interesse do filme... Mas desde o momento em que recebes o apoio de pessoas que foram importantes na tua formação artística e intelectual como é o caso do próprio José Mário Branco (que infelizmente já não verá o filme) ou o cineasta Jean-Luc-Godard, isso dá-te um ânimo colossal que te permite continuar.

É um segundo filme que quiseste fazer a partir da canção de protesto, acreditas que pode despertar as pessoas para os problemas sociais, para a luta, para a desigualdade, para a questão da consciência e da acção?

Não sou de crenças, muito menos faço filmes para convencer. Não acredito em vanguardas esclarecidas. Já a ideia em si de querer acordar os outros é algo maniqueísta. Se abordo as questões sociais nos meus filmes é apenas para testemunhar, documentar e deixar um discurso que contraste com o da mono-forma da televisão, espelho da propaganda pluralista da sociedade mercantil que apenas reproduz (e cada vez mais!) os métodos de montagem desenvolvidos pela Leni Riefenstahl. Sempre que vejo um anúncio publicitário na televisão sei que é Joseph Goebbels quem me fala.

Quais são os teus sonhos para Portugal?

Engraçado que na última entrevista, julgo que em 2014, já me tinhas colocado esta questão, embora não me recorde da resposta. Para mim é sempre difícil falar de Portugal. Sem nenhuma pretensão, auto-exilei-me. A adaptação a Paris foi longa devido as questões financeiras, à língua, à imagem estereotipada dos portugueses em França, que voltar a começar do zero num país sem perspectivas profissionais seria desgastante, segundo porque sou desprovido de sentimento patriótico. Gostava no entanto de poder voltar a alguns sítios que já não existem. Aliás faz-me pensar numa canção que escrevi em 2013, que hoje serve como prova dessas bruscas e recentes mudanças em Portugal. Aproveito para responder a algo que abordaste mais acima, as minhas canções. Por essa altura estava no Chile, tive a oportunidade de me cruzar no Parque Florestal de Santiago com outros cantaurores da minha geração, alguns com quem já tinha entrado em contacto aqui da Europa. Cantautores desconhecidos por cá, como Angelo Escobar ou Chinoy, entre outros, oriundos da província portuária pobre de San Antonio, e que reivindicam a tradição da trova simples, só de guitarra e voz, por vezes sem microfone ou amplificador, a maioria com pouca formação musical. Dezenas de jovens deslocam-se para ouvi-los cantar num jardim ou em bares, o ambiente é intimo. Neste contexto, foi ao passear pelas colinas de Valparaiso, que me surgiu a ideia de escrever o poema para canção “A boémia de Lisboa”, pois a cidade lembrou-me Portugal. Deixo-te duas quadras da canção para exemplo:

Se morrer o egoísmo

Numa das tardes do Adamastor

Como um sopro, outro sismo,

Caricas, lábios de clamor

E mais adiante:

Seja no Estádio a beber

Ou nos Esteves a fumar

Passam os dias a correr

E as horas tão devagar

Hoje o Adamastor, esse miradoiro de tantos encontros e bezanas, cantilenas e namoricos foi vedado a pedido de interesses privados hoteleiros. O Estádio já não existe e no Esteves não se pode fumar, fica-se muito menos tempo lá dentro que já não se sentem as horas devagar. E para concluir a resposta à tua pergunta, se há algo que gostava, como para qualquer outro sitio, é que as pessoas pudessem ter autonomia nas decisões dos seus próprios bairros, na sua própria cultura, sem que interesses económicos devastassem o que lhes é próprio. É disso que fala essa canção.

Obrigado pelo teu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques Correcção: Jú Matias

08 de Julho de 2020

1 Mais informações sobre o VÊS? AS NOSSAS VOZES TÊM VIAS!: https://www.kinomargem.net/blank-zsavl

2 Mais informações sobre La Violence ne fera pas taire le peuple: https://www.kinomargem.net/copie-de-la-violence-ne-fera-pas-ta

3Site oficial de Mémoire Vive / Memória Viva: http://www.memoria-viva.fr

4 Site ofical da AEP61-74 http://aep61-74.org

5 Para testemunhar : http://www.memoria-viva.fr/temoignez-2/

6 Mais informaçoes sobre o filme “MUDAR DE VIDA, José Mário Branco, vida e obra” : https://www.kinomargem.net/mudar-de-vida

7 Para apoiar este filme : https://www.helloasso.com/associations/a-p-a-c-h-e/collectes/a

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