top of page

Entrevista a Jonathan Da Costa Coordenador Da Frente Unitária Anti-Fascista



És coordenador da Frente Unitária Antifascista. Entre o vosso trabalho anti-fascista, também lutam para a consciencialização da população para a problemática do racismo, da xenofobia e de outras formas de discriminação. Trabalham igualmente pelo feminismo e pelas questões LGBT. O que te tem motivado para estas lutas, o que tens aprendido com elas e que importância têm para ti?

Acho que tudo começou com o facto de eu ter nascido e vivido durante 26 anos na Suíça. Muito rapidamente, senti que era “diferente” por não ter pais suíços nem a nacionalidade suíça. Isso levou-me a ser activo politicamente desde cedo, à volta dos 14 anos e me interessar sobretudo pelo tema dos direitos humanos, da luta contra as desigualdades sociais e as diferentes formas de opressão sofridas por minorias. Da luta anti-racista, fui me aproximando também das outras lutas, pelo que percebi que a luta antifascista era de facto uma luta mais geral do que pensava e não apenas dirigida contra elementos de extrema-direita. Os grupos que eram activos na minha zona acabavam por estar envolvidos em todas estas lutas e isso permitiu-me perceber que, afinal de contas, todos tínhamos um inimigo em comum que era citado como inimigo principal pelo movimento antifascista e que tinha todo o sentido, já que eu me interessava por todas estas lutas e não apenas uma ou outra, me integrar neste movimento. Foi assim que entrei pela primeira vez numa organização assumida como antifascista e comecei meu activismo nestas diferentes lutas e que este activismo virou uma prioridade na minha vida. Conforme o tempo ia passando, eu ia descobrindo novos aspectos das lutas das quais não tinha noção, como por exemplo a forma como a comunidade LGBT é ostracizada e posta de lado ou ainda como as mulheres acabam por ser claramente oprimidas sem darmos conta, tendo a impressão que a maneira como são tratadas é “normal” por causa da educação da sociedade patriarcal. Mas o que mais me chocou na altura, foi perceber que afinal a xenofobia e o racismo eram muito mais alargados do que eu pensava. Afinal não éramos só nós, italianos, espanhóis e portugueses a sofrermos disso, mas sim toda uma parte da população representada pela comunidade romena, africana ou ainda chinesa. Quando cheguei a Portugal em 2016, o movimento antifascista era a bem dizer, inexistente. Existiam apenas dois núcleos activos e fiquei bastante preocupado. Desde aí, a minha prioridade foi ajudar na construção de um movimento antifascista em Portugal que possa ter a força necessária para barrar a extrema-direita que jà tinha começado a crescer com muita força no resto do mundo. Foi assim que percebi também que Portugal tinha uma dinâmica muito diferente, muito sectarista entre vários movimentos por serem ligados a partidos e não existir muitos movimentos independentes.

Acreditas que se pode ainda despertar as pessoas para esta enorme violência dos preconceitos, racismo?

Acredito que sim. Muitas vezes, as próprias pessoas não têm noção das atitudes que possam ter e que são preconceituosas. Algumas expressões são usadas cada dia pela população portuguesa sem pensarmos no facto de ser uma forma de preconceito. Expressões como “um olho no burro, outro no cigano” ou ainda “ trabalho de preto”, são de facto preconceituosas e no entanto, usadas regularmente por pessoas que não se identificam como racistas e até se envolvem na luta anti-racista. Também existe o facto dos movimentos que lutam contra as várias formas de preconceitos, terem tido mais voz nos últimos anos e terem conseguido levar a sua mensagem para mais pessoas. Esta evolução permitiu a que mais gente está sensibilizado com esta problemática e começasse a ter noção das várias formas pelas quais estes preconceitos se expressem no dia-a-dia.

Por isso, acho que é sobretudo uma questão de consciencializar o povo à nossa volta, de forma a que estas pessoas tenham noção do preconceito que expressam cada dia e de como estes preconceitos podem afectar a vida das pessoas. Muitas vezes, os preconceitos não têm qualquer resistência a uma análise de factos, e repousam apenas em fake-news usadas por pessoas que de facto, são preconceituosas e conservadoras ou por desconhecimento destas comunidades que no final, são humanos como nós com apenas algumas diferenças mas tal como também se encontram diferenças entre heterossexuais, entre brancos, entre portugueses etc... Como vês a enorme ascensão da extrema-direita e do enorme apelo e defesa de grupos fascistas e nazis?

Na minha opinião, é antes de tudo uma reacção irracional de uma parte da população confrontada com dificuldades sérias e que não consegue encontrar actualmente as suas respostas fora dos discursos populistas e autoritários levados pela extrema-direita. A isso, acrescenta-se o facto destes grupos, hoje em dia, já não se assumirem como neo-nazis ou fascistas, conscientes de que a maioria da população não iria dar o mínimo espaço e credibilidade. O que acho perigoso, é o facto deste grupos defenderem uma ideologia que já matou milhares no mundo e já fez a mostra do seu potencial destruidor para a nossa sociedade. E mais perigoso ainda é esta mensagem ser escondida e disfarçada com um discurso que tenta convencer a população de que o objectivo seria agir em seu favor, em defesa destas pessoas que hoje estão ansiosas e em muitos casos, desesperadas. A população que se deixa levar pela extrema-direita, não o faz por acreditar no que eles defendem, mas sim porque acham que a solução aos problemas deles passa por ai, não tendo noção de que o que lhes parece uma solução, é na verdade um problema ainda maior que terão que enfrentar caso ela venha a aceder ao poder em Portugal. Culpa também da nossa esquerda parlamentar que nos últimos anos recusou-se a ouvir os alertas lançados pelos movimentos antifascistas e os activistas de vários sectores que viam estes grupos a se reorganizarem e ganharem força e preferiram ignorar o problema, acreditando que iria desaparecer por ela próprio, indo até acusar os movimentos antifascistas de “caça ao gambuzino” e de dramatizar um “fenómeno residual”. A verdade é que esta análise errada por parte destes partidos, levou a que a extrema-direita tivesse todo o espaço necessário para vir a espalhar a sua propaganda manipuladora e convencer uma parte da população de que seria bom para eles terem algum deputado a representá-los no Parlamento. Aproveitando-se também das falhas a nível da política destes partidos para com a classe trabalhadora e a sua aliança à burguesia, a extrema-direita conseguiu consolidar-se e criar uma imagem de alternativa ao sistema burgûes que em nada favoreceu a classe trabalhadora mas, pelo contrário, a levou a ter cada vez mais dificuldades na sua vida.

Temos todos que perceber uma vez por todas que a luta faz-se na rua, perto da classe trabalhadora, perto daqueles e daquelas que cada dia se levantam a pensar como vão pagar a comida e a renda ao fim do mês, e não sentados no parlamento a pensar como angariar mais alguns votos e mais alguns subsídios.

Já foste ameaçado por diversas vezes, já sofreste represálias e já foste agredido, tal como outros anti-fascistas, activistas anti-racistas e da luta contra a homofobia. Na tua opinião, como se conseguirá quebrar os atropelos aos direitos humanos, o racismo, violência e esta total abertura de forma geral à extrema direita que o Capitalismo tem promovido?

De facto, estas represálias aumentaram nos últimos anos e tudo indica que vão continuar a aumentar não só na frequência, como no grau de violência. E basta analisarmos os últimos quatros anos para perceber que das ameaças nas redes sociais, já passámos às tentativas de homicidio e agressões na presença de crianças recém-nascidas, mostrando de facto que a extrema-direita empurrou mais ainda o limite que se tinha fixado no grau de violência.

Acho que basta vermos a situação actual para perceber que a estratégia usada até hoje não resultou. A forma como a esquerda parlamentar escolheu privilegiar a pertença ao sistema burguês e ignorar este perigo mas, também, as incessantes guerras entre movimentos e partidos de esquerda por questões eleitoralistas e financeiras, levou a que esta luta fosse feita apenas por uma vanguarda de pessoas sensibilizadas às questões dos preconceitos que acabaram por ser travadas em muitas ocasiões pelas consequências destas guerras e sectarismos. Acho que a única forma de poder combater a extrema-direita, passa por uma união entre movimentos sociais, activistas independentes e os militantes de base dos partidos, em frentes ou plataformas de acção que permitam juntar todas estas forças numa luta em comum. Algo que, na minha opinião, é impossível ser realizado enquanto acreditarmos que neste projecto devam estar envolvidos partidos políticos e como tal, as suas direcções. A experiência da Frente Unitária Antifascista foi aliás uma prova desta análise. O facto desta frente ter conseguido juntar vários movimentos dos quais sindicatos e colectivos activos nas lutas pelos direitos humanos, permitiu ganhar várias batalhas contra a extrema-direita que teriam sido perdidas caso fossem levadas apenas por alguns grupos isolados. No entanto, o sectarismo e o eleitoralismo dos partidos na sua maioria levaram a que vários movimentos não integrassem esta frente, limitando a força que poderia ter tido e alimentando mais ainda os rancores e divergências entre activistas que se identificavam com x ou y partido. Razão pela qual acho que a luta antifascista e todas as lutas contra as opressões que acabam por estar envolvidas também nesta luta, deve ser levada pelo povo, numa união das suas organizações e de forma democrática, recusando-se a entrar nos jogos eleitoralistas dos partidos. Devemos sim colaborar em unidades de acção com os partidos políticos mas, de forma a garantir a independência desta luta e o foco no seu objectivo que é lutar contra todas as formas de opressão, recusando-nos a que esta luta seja utilizada para outros fins. E acho que devemos também apelar a que estes partidos enterrem estas guerras e comecem a pensar no interesse maior que é a sobrevivência da nossa população e dos nossos direitos.

Pode-se dizer que a reportagem “Alinhados Ao Extremo - O extremismo nas paredes de Braga”, realizada por estudantes da Universidade do Minho e pelo Núcleo Antifascista de Braga, é uma forma de denúncia relativamente à extrema-direita. Como te sentiste ao ter oportunidade de participar nesta reportagem?

Foi para mim um prazer de receber o convite em participar nesta reportagem. Muitas vezes, a nossa luta é feita à sombra (Muito bem expresso pela frase “A ironia do antifascismo moderno é que quanto mais é sucedido, mais é questionada sua razão de ser” de Mark Bray,no seu livro“Antifa - the anti-fascist handbook”) e apenas uma parte acaba por chegar aos ouvidos da população atravès de algumas manifestações ou comunicados. Mas a maioria do nosso trabalho é feito na sombra e este tipo de reportagem permite também meter a luz nesta parte da luta. Muitas vezes, o povo não percebe as razões pelas quais fazemos certas acções e os objectivos que tentamos alcançar. Este tipo de reportagem é muito bom para poder esclarecer um pouco mais o povo mas, também, para abordar assuntos mais polémicos como foi o caso nesta reportagem onde acabámos por falar também do aproveitamento que a extrema-direita faz em Braga dos seus elementos inseridos na claque de futebol do SCBraga e com os quais aproveitam para se aproximarem de jovens que possam vir a encontrar algum interesse nestas organizações.

Relativamente aos estudantes que realizaram esta reportagem, devo reforçar o facto de ter ficado surpreendido pela seriedade e a motivação que mostraram ao realizar esta reportagem. Senti que de facto não era um mero trabalho estudantil mas que havia um envolvimento pessoal, um interesse sobre este assunto e uma vontade de interagir com esta luta. E na minha opinião, isto expressou-se muito bem através da qualidade de realização da reportagem e do sucesso que encontrou quando começou a ser publicado nas redes sociais.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

Não tenho realmente um sonho para Portugal, mas sim para a população portuguesa e mundial. O sonho de que um dia seremos capazes de vivermos todos juntos, sem sentirmos uma necessidade de oprimir ou prejudicar outra pessoa. Uma sociedade na qual seriamos efectivamente todos iguais, usando as nossas diferenças como uma força em prol de um interesse em comum e onde ser negro, cigano, homossexual, precário etc...não seria visto como uma diferença mas sim uma oportunidade de aprender algo de novo, desenvolver um ponto de vista diferente e melhorar a nossa maneira de funcionar e de fazer evoluir a nossa sociedade.

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho. Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques

Corrigido por: Fátima Simões

10 De Maio de 2020

Recent Posts 
bottom of page