top of page

Entrevista a Vicente Alves Do Ó - Realizador


Tem trabalhado sobre poetas, como Florbela Espanca, Al Berto e está de momento a trabalhar no guião de “Quem Matou Fernando Pessoa”. Que importância têm para si estas obras, sobre estes poetas? O que tem aprendido com as suas vidas e obras?

R: Trabalho sempre sobre as coisa que mais gosto ou que me dizem respeito. Os poetas e escritores sempre foram elementos muito importantes no meu crescimento. Não só como indivíduo mas também como cidadão. Foram e são eles que me dão a visão sobre a qual construo a minha ideia de mundo e de sociedade em que quero viver. Estes nomes são os mais pessoais, aqueles pelos quais tenho uma relação que ultrapassa a poesia e se estreitou na vida por alguma razão às vezes até bastante misteriosa para mim.

Tem mostrado o amor e desamor através da comédia nos filmes: “O Amor É Lindo... Porque Sim”, “Quero-te Tanto!”, “Golpe De Sol” e “Solteira E Boa Rapariga”. O que o tem motivado a imaginar estas aventuras e a trabalhar os dramas psicológicos?

R: Não sei responder a isso com objectividade. Muitas vezes são as personagens, outras vezes são as histórias, acho que há sempre uma génese que nos leva a lugares que nos preocupam ou interessam mas sinto que a humanidade é uma coisa raríssima que parece cada vez menos presente neste mundo económico e digital e como tal, terei sempre esse fascínio artístico por tudo aquilo que desorganiza o cidadão em que nos querem tornar.

Para os seus filmes inspira-se nas memórias da sua mãe, nas suas memórias e em Sines, nas suas relações, nas histórias que ouve e que partilham consigo, em sentimentos, dramas, nas relações. Como é para si poder partilhar estas histórias e memórias?

R. Partilho e filmo sobre aquilo que conheço e sinto. Apenas o cinema é algo mais visível e exposto. Se eu estivesse a escrever poemas sobre os mesmos assuntos provavelmente haveria menos interesse porque o cinema potencia essa necessidade de explicação. E nem sempre temos que explicar tudo. As minhas memórias e experiências são aquilo que me fazem ser eu e como tal, eu ainda sou o que tenho para oferecer, seja em forma de mim ou de filme.

Disse ao Notícias Magazine “Vejo mal… A incapacidade de solidariedade numa classe que continua desunida e que se ostraciza hoje como há 20 anos. Que não haja uma classe política sem medo de investir verdadeiramente na educação de um país, porque nada tem maior retorno do que a imaginação e o sonho de criar futuro. A falta de público nas salas de cinema em prol das novas plataformas. Desejo muito que a sala de cinema continue a ser a grande casa do cinema e da nossa reunião como humanidade.” Para si, de que forma se pode mudar este paradigma da falta de união, da falta de investimento na educação e cultura para uma maior adesão ao cinema português? Acredita que ainda é possível despertar tanto as pessoas que trabalham em cultura/educação, como o público?

R. Acho que mais do que nunca a educação é importante e deve ser o grande investimento. A partir daí tudo o resto ganha outro relevo na vida das pessoas. O conhecimento promove sensibilidade e curiosidade, interesse e cuidado. Não há nada que nos defina melhor, a nós a outro povo, que a sua educação e cultura. Um país que não investe nisso é um país dividido entre aqueles que detêm o poder real e que não querem que esse poder seja questionado e para isso fomenta-se uma população sem nenhuma daquelas qualidades que referi e que a educação nos dá: sensibilidade, curiosidade, interesse e cuidado.


Realizou o filme “Amadeo”. Como foi conhecer e mostrar a vida do Amadeo em vários períodos importantes da sua vida, através do seu filme? O que tem aprendido com a vida e obra deste artista, desde que visitou a exposição e decidiu fazer um filme sobre ele?


R: Fazer o filme sobre o Amadeo ensinou-me algumas coisas e confirmou outras. Ganhei outro respeito pelo tempo, especialmente pelo tempo desperdiçado. O Amadeo morreu aos 30 anos e trabalhou como se adivinhasse isso. Confesso que as nossas vidas, hoje, tão cheias de afazeres, por vezes nos afastam do que realmente é importante e o tempo esgota-se a cada minuto que vivemos. Por isso aprendi a dar mais valor ao tempo e ao que faço com ele. Por outro lado, confirmei a ideia de que é muito importante acreditar no nosso instinto e lutar pelo que secretamente acreditamos. O Amadeo tinha essa coragem e essa ambição. E não há que temer essa forma de afrontar o mundo, mesmo quando nos dizem o contrário. Isso tudo tenho vindo a aprender com ele ao longo destes anos.


Escreveu o livro “Que A Vida Nos Oiça”. Como é para si abordar a história dum realizador perdido com o seu futuro e com a com a doença súbita de Alzheimer da mãe? Que importância tem para si abordar o enfrentar quer a doença da mãe, quer o rumo e o sonho que se perdeu?


R: A ideia do Alzheimer nasce da ideia de memória e de como o cinema parece ser uma testemunha ideal para a memória visual daquilo que o mundo é. Há 120 anos que registamos tudo no cinema, as nossas vidas, lutas, emoções, tragédias. Como se um cinema fosse uma parte do nosso cérebro. Quis juntar as duas coisas porque a doença de Alzheimer me assusta particularmente. A ideia de perder a única coisa que temos, a memória do que foi a nossa vida, é um fantasma que me persegue e no livro, essa ideia vai mais longe do que a doença e revela muitas vezes o que vive para lá da doença. do cinema e da realidade.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

R: Sonhos tenho poucos. Prefiro acção e projectos. Neste momento desejo apenas que esta pandemia passe depressa e faça poucos estragos. E acima de tudo crie uma nova forma de vivermos juntos.

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho. Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques Correcção: Jú Matias

22 De Março de 2020

Recent Posts 
bottom of page