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Entrevista à Doutoranda Carmen De Frias e Gouveia



Tem leccionado Fonética e Morfologia do Português; História da Língua Portuguesa; Linguística V / 5; Variedades do Português e orientou alguns seminários como o Seminário de História da Língua Portuguesa, nas Universidades de Hamburgo e Göttingen; Seminário de Português do Ramo de Formação Educacional, intitulado “História da Língua e Ensino do Português-1998-1999”. É Doutoranda em Linguística do Português. O que a tem motivado a conhecer, estudar e ensinar a Língua Portuguesa, a História da Língua Portuguesa e as suas Variantes e o que tem aprendido? O meu gosto pelas Letras, e pelas línguas em particular, vem já do berço, pois nasci no seio de uma família com ascendentes espanhóis pelo lado materno. Além de Português e Espanhol, falava-se, muitas vezes, Francês lá em casa, a minha Mãe e o meu Tio licenciaram-se em Filologia Germânica, e a minha Avó escrevia (essencialmente poesia). Por isso, desde muito novinha que contactei quase simultaneamente com Espanhol, Francês, Inglês e Alemão (tanto mais que a minha Mãe dava explicações em casa e eu, que estava a brincar na mesma sala, ia ouvindo) e, logicamente, o gosto por essa diversidade linguística e pelo ensino vem daí. O meu Pai também era professor, mas de Ciências e Biologia. Divertia-me imenso, já em criança, a descobrir a ligação entre as línguas e a origem das palavras, a observar e tentar imitar os “sotaques” dos vários pontos de Portugal e Espanha quando viajávamos… Chegada à Faculdade, no já longínquo ano lectivo de 1981/82, esse gosto agudizou-se ao estudar Introdução aos Estudos Linguísticos, pelo que após a conclusão da primeira Licenciatura em Francês e Inglês, matriculei-me numa segunda, desta vez com a variante de Português (e Latim). As disciplinas de Fonética e Morfologia do Português e História da Língua Portuguesa, sobretudo, levaram-me a decidir investigar definitiva e profissionalmente nessa área. O que me motivou a conhecer, estudar e ensinar Português e a História da Língua Portuguesa foi tudo isto e um amor enorme pela leitura e os livros (Desde os 5 anos que o melhor presente que me podiam dar era um livro…!), bem como pelo ensino (Viria nos genes?), pois recordo-me de, muito pequena, colocar as bonecas todas à minha volta e dava-lhes “aulas”: eram as minhas alunas e não as minhas “filhas”, como era comum ocorrer para a maior parte das meninas nascidas nos anos 60/70. Tenho aprendido – Defendi sempre que se aprende imenso quando se ensina! – muitas coisas ao longo destes já mais de 30 anos como docente da Universidade de Coimbra, mas no tocante à nossa língua comprovei que ajuda muito termos consciência da evolução que ocorre em todos os idiomas, e que há, no momento presente, imensos vocábulos e estruturas em mudança (antigos usos a ceder lugar a outros mais recentes, como é o caso do uso do verbo TER com as formas não etimológicas dos verbos de particípio duplo, como “ter salvo” e “ter morto” por TER SALVADO e TER MATADO; a substituição dos tempos compostos do Conjuntivo, Gerúndio e Infinitivo pelos simples, a simplificação das estruturas relativas e comparativas, etc., etc.), e que o conhecimento da História de uma Língua auxilia muito a compreensão e, por vezes, viabiliza até uma possível “previsão” do seu devir. Por outro lado, observar a variação regional e a linguagem popular é extremamente útil para o historiador da língua, na medida em que esse tipo de linguagem constitui um “reservatório” de fases mais antigas do Português, tanto a nível de pronúncia, como de vocabulário e, ainda que em menor grau, a nível morfos-sintáctico… Portanto, o que muitos consideram “falar mal” é, não raras vezes, apenas um conservadorismo, que coloca o historiador da língua em fases mais antigas. E isso dá-me um imenso prazer! A própria variante brasileira se entende melhor se conhecermos bem essa variação (a nível regional e cronológico), pois é muito mais próxima da língua que o nosso primeiro gramático, Fernão de Oliveira, descrevia em 1536, do que o Português europeu. Deu uma palestra em 2011 (destinada a público docente) subordinada ao tema “O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa: génese, pressupostos e (in)congruências”. Deu também duas acções de formação em 2011 com o tema “O “novo” Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa: alterações estabelecidas e (in)viabilidade da sua aplicação” e “Motivações históricas da ortografia portuguesa e de algumas particularidades do Português contemporâneo”. Participou em 2015 como Oradora no Colóquio “Ortografia e Bom Senso”, com o tema “(In)viabilidade do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990: um Acordo verdadeiramente ortográfico?”. Também foi Oradora em 2018 no Colóquio Unidade e Diversidade da Língua Portuguesa, com o tema “Da (in)utilidade do “novo” Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”. O que podemos e devemos aprender sobre o seu estudo sobre o AO? Como investigadora e historiadora da Língua Portuguesa, não posso concordar com o erro tremendo que é o Acordo Ortográfico. Acredito que estivesse subjacente à sua elaboração uma intenção louvável, mas o resultado não se veio a verificar como ideal e, como sabemos, tem suscitado (e ainda suscita, nomeadamente na Assembleia da República, uma enorme polémica, que ficou clara no relatório que a XII Comissão para analisar o impacto do Acordo Ortográfico veio a revelar…, embora de tal se tenha feito, infelizmente, pouco eco). São razões científicas, e não emocionais (ao contrário de muitos, não venho argumentar com motivos “imperialistas”, como o facto de a nossa língua ter partido de Portugal para as colónias e , por isso, dever ser a nossa a prevalecer…), que me levam a ser totalmente opositora a este infeliz “acordo” (ou, antes, “desacordo”!). Ao vermos as confusões e erros que grassam nos jornais, rodapés das televisões e até – pasme-se! – em documentos oficiais, fica provado que se trata de um "acordo" inútil, incoerente, mal elaborado e sem princípios claros (valem critérios de pronúncia para uns casos, de uso para outros, e de etimologia para outros ainda: é absolutamente inconcebível que, ao tratar-se da hifenização, o hífen, ou “traço de ligação”, seja retirado de “cor de laranja”, “fim de semana”, que passariam a grafar-se desta forma, mas não de “cor-de-rosa”, por causa do uso… Ora duvido que se use mais a referência a esta cor do que a fim-de-semana…!). Existem nele ainda erros gravíssimos a nível terminológico. Pelas duplas grafias que propõe, facultatividades, e incoerências, e por outras exigências absurdas e sem qualquer pendor científico, é altamente lesivo para o Português, criando ainda maiores diferenças entre a variedade nacional e a brasileira, para além de que não unifica nada: pelo contrário, mais lembra a poligrafia característica da Idade Média, em que cada escriba escrevia como melhor lhe soava para representar os sons da língua falada. Retrocesso, isso sim, e não uma evolução! Além disso, cria homonímias disparatadas, ambiguidades e – com o passar dos anos – alterará ainda mais profundamente a pronúncia da variante portuguesa, na qual as vogais não tónicas ficarão cada vez mais inaudíveis… Portanto, e isto é o mais importante, não cumpre aquilo a que se propõe: a pretensa "unificação". E quando os defensores do Acordo argumentam que ele só afecta uma pequena parte do léxico, esquecem-se que essa “pequena parte” engloba palavras de uso extremamente frequente… Não é à toa que o Brasil ameaça suspendê-lo, Angola e Moçambique o recusam, os outros países ainda não o implementaram e Portugal segue, teimosamente só, numa insistência ridícula que os pró-acordo reputam de “compromisso assumido”, quando somente 3 países decidiram o futuro de outros 5 ou 6 (se contarmos a Guiné Equatorial), o que não me parece nada democrático. Os erros de pronúncia já se fazem sentir, desvirtuando a nossa Língua, a confusão gráfica é caótica, o abismo face ao Português do Brasil aumentou mais ainda... Ou se pára este disparate ou temo pelo devir do nosso idioma e pela sua projecção internacional que tanto se ambiciona. Ainda é tempo de parar este absurdo, que revolta a maioria dos portugueses e os estrangeiros que aprendem a nossa língua! Que a próxima legislatura tenha coragem para suspender na globalidade, e definitivamente, este “acordo”, a bem da língua portuguesa! É tempo de as pessoas se consciencializarem que as grandes diferenças entre o Português europeu e brasileiro estão no vocabulário e muito mais raramente nas outras áreas linguísticas, onde são de menor importância e não afectam a intercompreensão… E a grafia diferente nada atrapalha! O Inglês é a língua internacional por excelência (vem em segundo lugar entre as mais faladas do Mundo, atrás do Mandarim) e tem mais do que uma grafia. Com este acordo continuamos a ter mais do que uma grafia, só que desta vez não é em nações independentes e sim dentro de cada uma! A pretensa “ortografia” imposta por este verdadeiro DESacordo, nem se pode chamar sequer ORTOGRAFIA (uma vez que a palavra implica "grafia estandardizada", que não é o caso, com as múltiplas facultatividades e absurdas incoerências...) não passa de um erro absurdo e claramente lesivo para os interesses da Lusofonia! Denomino esta nova “grafia”, jocosamente, "acordês", por oposição à minha Língua, que continuo a escrever, e que é o PORTUGUÊS. Como historiadora da língua, não me oponho naturalmente à evolução linguística, que se não ocorrer levará à “morte” dos idiomas. Mas não é essa que aqui está em jogo, e sim – como facilmente um investigador que conheça o modo como se processa a mudança linguística observa – um suprimir de grafemas que irão ter consequências desastrosas na pronúncia futura em Portugal (mas não no Brasil), tornando a variante europeia ainda mais consonântica e difícil de compreender na oralidade do que já é actualmente, com prejuízos óbvios, pois os estrangeiros irão preferir a variante brasileira, muito mais pausada e harmoniosa no que se refere à diferença entre sílabas tónicas e átonas, e – portanto – muito mais fácil de aprender. Tem vários trabalhos sobre a língua portuguesa, sobre o AO90 em livros, dicionários, colaborações em Projectos Científicos, Publicações em Artigos e Revistas. Que importância dá a estes trabalhos, à investigação e promoção que tem feito da língua portuguesa e da luta contra o AO90? Acredita que pode ainda despertar as pessoas para a defesa da Língua Portuguesa? Sempre fui uma sonhadora e sempre lutei por aquilo em que acredito, em todas as áreas da minha vida. A profissional não é excepção! A maioria das minhas publicações situa-se no âmbito da História da Língua Portuguesa e da sua descrição, visando conhecer os estados de fases pretéritas da língua e, à luz desse conhecimento, compreender e descrever os usos presentes. Há uma preocupação científica, mas igualmente didáctica para quem ensina e aprende Português. Creio que se informarmos devidamente as pessoas, fazendo-as ver (e, sobretudo, compreender) as razões da necessidade de proteger o património de todos nós, que é a Língua, ainda será possível despertá-las para isso. O poder político deveria ser o primeiro a fazê-lo, abdicando dos interesses políticos mera e essencialmente partidários e/ou pretensamente “economicistas”, que não têm qualquer sentido quando se fala da Língua Nacional, e dar o exemplo. Os falantes é que “fazem” a língua e não os políticos com mera ambição de ficar para a História com uma polémica… Tento, portanto, com humildade, defender o Português e articular as duas “damas” que defendo (ou não seja eu medievalista…): a Linguística e a História, e os ensinamentos que dela podemos (e devemos) colher. Foi uma das fundadoras da Liga de Defesa dos Animais de Coimbra, e é Presidente da Assembleia Geral da Associação Dobermann de Portugal. Como tem sido para si trabalhar pela defesa dos animais e trabalhar pelos Dobermanns? Na sua opinião, como se conseguirá quebrar a enorme falta de respeito e indiferença perante os animais, principalmente os Dobermanns? Desde muito jovem que sempre adorei animais em geral e cães em particular e, embora tenha tido só aos 16 anos o meu primeiro animal de estimação (a Laika, cadela arraçada de Podengo Português, de pêlo curto), sempre me bati (e foram publicados em jornais muitos textos meus nesse sentido) contra o desleal tiro aos pombos ou as brutais e obsoletas touradas, que em nada dignificam o nosso povo, e que não são cultura nem tradição: são tortura inaceitável. Razão tinha a Rainha, Senhora D. Maria, que as proibiu, declarando que eram indignas de “um povo civilizado”! Tal como os meus Pais e restante Família (e ainda mais o meu Pai, que teve cães desde muito pequeno e até uma raposa, que protegeu e adoptou), sempre me preocupei com o bem-estar animal, repudiando claramente qualquer tipo de maus tratos ou abusos. Chocou-me sempre, até hoje, o desrespeito que muitos indivíduos ainda têm pelos animais, o número gritante e inaceitável de animais (cães, gatos, cavalos, etc.) abandonados e abusados por frustrados dementes e, ainda que tenha havido algumas melhorias, a lentidão e a “mão leve” da justiça nestes casos (como também noutros). Teria que haver multas pesadas e penas exemplares para quem não tem civismo e sensibilidade para com estes seres fantásticos. Os animais dão-nos diariamente provas de amor, “humanidade”, abnegação e inteligência que muitas pessoas deveriam apreciar e aprender. Auxiliam-nos na saúde, na guerra, na vida militar e policial, na cidadania, no pastoreio, e obviamente são um equilíbrio no nosso dia-a-dia… Não se pode obrigar ninguém a gostar ou a ter animais; mas devemos todos exigir que os respeitem! É o mínimo aceitável. Grandes pensadores e escritores, como Schopenhauer, Victor Hugo, etc., defendiam – e muito bem! – que o grau de civilização de um povo se mede pelo modo como trata os animais. E estou totalmente de acordo com esta posição. Relativamente aos Dobermann, felizmente – aos poucos – aquele estigma ridículo e injusto (divulgado por alguns filmes de cinema, que pela sua inteligência os punham a assaltar bancos; por pessoas mal formadas, frustradas e ignorantes que os utilizavam para fins contrários à sua natureza calma e pacífica; e até, por inveja das suas excelentes capacidades, por falsos testemunhos levantados por defensores de outras raças afins…) de cão “perigoso” e “assassino” está a desaparecer e hoje, felizmente, esta nobilíssima, fantástica e inteligente raça é já vista como equilibrada, protectora, amiga das crianças, e um verdadeiro cão de família. Aliás, muito justa e naturalmente, nem sequer faz parte da Lei das Raças Perigosas, precisamente pelo seu maravilhoso carácter. De qualquer forma, é bom que as pessoas se consciencializem que os cães são o que os donos deles fazem, tal como os filhos aprendem com os exemplos dados pelos pais… Infelizmente, o mais perigoso animal ainda é o ser humano, por muito triste que tal realidade seja, como se tem visto pela criminalidade, mortes por violência doméstica, etc. Quais são os seus sonhos para a Língua Portuguesa e para Portugal? Gostaria que a Língua Portuguesa mantivesse o seu estatuto entre as línguas mais faladas do Mundo, que lhe seja dada a projecção que merece e que se invista no seu ensino, na correcção linguística (é deprimente ver como se escreve tão mal Português, mesmo pessoas com escolarização superior!... E isto independentemente do AO. Antigamente, escrevia-se muito melhor com a 4ª classe do que o fazem agora muitos licenciados e mestres!). Estes são aspectos que não necessitam de acordos ortográficos de qualquer espécie, mas sim da competência dos professores, capacidade de raciocínio e de meios e manuais adequados. Para Portugal, como portuguesa que naturalmente ama o seu País, gostaria que houvesse progresso geral, justiça social, mais empenho no desenvolvimento cultural (verdadeiro garante do progresso!), o fim da corrupção, mais celeridade e eficácia na Justiça, mão pesada para os criminosos, e – claro – que seguíssemos o exemplo de países que estão muito à nossa frente na protecção, consciencialização para o respeito e defesa dos animais, começando desde as mais tenras idades a ensinar às nossas crianças que um animal é um ser que sente e sofre como nós e que não é um brinquedo que se deite fora quando já não se quer. Os próprios adultos e escola devem dar o exemplo! Já se fez alguma coisa (como a promoção de adopções de animais que estão desgraçadamente em canis…), mas muito mais há a fazer! E não podemos esquecer que os psicopatas e “serial killers” normalmente começam por maltratar os animais… Investir, portanto, na sua protecção pode vir a ser benéfico também para o crescimento como seres humanos. Talvez assim, com mais sensibilidade e respeito pela vida e pela natureza, se criem cidadãos melhores e um País mais justo.

https://dobermannpt.weebly.com/ Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho. Muito obrigada também e Parabéns pelo vosso projecto. Felicidades! Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques Correcção: João Aristides Duarte 25 de Setembro de 2019

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