Entrevista ao Jornal a Verdade
Entrevista à Redacção do Jornal “A Verdade” do Partido Comunista Revolucionário- Brasil
Entrevista concedida por Luiz Falcão, diretor de Redação do jornal A Verdade e membro do comitê central do Partido Comunista Revolucionário – Brasil
Este ano mostraram o filme Até Amanhã Camaradas, de Tino Navarro, baseado num livro de Manuel Tiago/Álvaro Cunhal. Que importância tem para vocês mostrar um filme sobre o trabalho dos comunistas clandestinos na ditadura do Estado Novo e uma obra de Álvaro Cunhal?
O livro Até Amanhã Camaradas, de Manuel Thiago, teve e continua tendo um importante papel na formação dos nossos militantes. O livro consegue retratar bem o que foi a ditadura fascista em Portugal e a resistência dos comunistas, a luta pela liberdade, a organização do partido na clandestinidade, então, é um livro que sempre recomendamos a todos camaradas lerem. O filme Até Amanhã Camaradas permite continuarmos a fazer isso de uma maneira mais ampla. Trata-se de uma importante experiência de luta e de construção de uma organização comunista debaixo do fascismo, tudo retratado de maneira muito realista, só possível por alguém que viveu cada um desses momentos. Creio que tanto o livro quanto o filme mostram o amor e o compromisso dos comunistas com o povo e a liberdade, a luta para enfrentar a tortura e as adversidades; por isso sua importância.
Uma das vossas lutas é pela condenação de quem praticou torturas e dos responsáveis pela ditadura; o que é que vos faz não desistir da luta pela pela verdade e justiça? O que é que têm aprendido com a pesquisa sobre as torturas, sobre a história da vossa ditadura, o que podem os leitores brasileiros e portugueses aprender para que se possa impedir que os fascismos continuem a sua caminhada?
Uma das especialidades da burguesia e dos seus meios de comunicação é falsificar a história; outra é escondê-la. Nem a ditadura de Salazar em Portugal, o chamado Estado Novo, nem a ditadura militar fascista no Brasil poderiam ser derrubadas sem a heróica luta dos revolucionários. A história mostra isso, e procuramos contá-la em cada uma das edições do nosso jornal A Verdade. Relembramos acontecimentos históricos, homenageamos homens e mulheres que deram suas vidas à construção de uma nova sociedade, à luta por uma democracia popular e pelas liberdades democráticas. Assim, primeiro aprendemos qual é a verdadeira história, porque nas escolas, infelizmente, a verdade continua sendo escondida, os heróis dos livros escolares ainda são os mesmos da época da ditadura - Dom Pedro I, Duque de Caxias, aquele que promoveu o genocídio do povo paraguaio -, enquanto os verdadeiros heróis populares não são nem citados. Também aprendemos o quanto antidemocrático e feroz é o fascismo e que a grande burguesia nacional e internacional agem conjuntamente para manter seu sistema econômico, a ditadura dos monopólios e a exploração capitalista. Mas, acima de tudo, aprendemos o que é um revolucionário e o quanto foram inteligentes, corajosos e comprometidos com os trabalhadores os militantes covardemente torturados e assassinados pela ditadura. Aprendemos ainda, como afirmam as Mães da Praça de Maio, da Argentina, que “A única luta que se perde é a que se abandona.”
É importante lembrar que o fascismo é uma das alternativas que a burguesia tem para proteger seus interesses durante a crise geral do capitalismo e para impedir a revolução. Como frisa Lênin, a tendência do imperialismo capitalista é para a reação e o militarismo, então, as jovens gerações precisam conhecer o que é uma ditadura fascista e como se luta contra ela. Temos muitos depoimentos de professores que utilizam em suas aulas os artigos que publicamos no jornal e nos escrevem agradecendo, pois os livros oficiais não registram essa história da luta do povo brasileiro, dos povos latino-americanos e mesmo do mundo, porque já escrevemos no jornal sobre a Revolução de Abril, em Portugal, a luta apela independência de Angola, de Moçambique, a Comuna de Paris, etc.
Este ano, aqui no Brasil, algumas pessoas descontentes com a atual situação do país e estimuladas pelos grandes meios de comunicação têm falado em volta da ditadura militar para acabar com o problema da corrupção. Ignoram que durante os governos militares a corrupção aumentou e muito, a própria dívida externa brasileira foi uma grande falcatrua realizada pelos generais. Além do mais, para garantir essa corrupção e impedir que ela fosse denunciada, comunistas foram presos, universidades invadidas pela polícia, sindicatos sofreram intervenção, lideranças sindicais foram detidas e greves proibidas; a imprensa foi amordaçada, dezenas de jornalistas colocados na cadeia e as redações invadidas por policiais para censurar os jornais. No total, a ditadura militar torturou fisicamente 20 mil pessoas.
As vossas principais influências do comunismo são Karl Marx, Friederich Engels, Vladimir Lénin, e Joseph Stálin. Através da teoria e análise da sociedade, da política, o que aprenderam com eles, e como pensam que o trabalho deles pode ser essencial para a análise e concretização da luta de hoje?
A ciência marxista é indispensável para conhecer o mundo em que vivemos. Não é possível explicar a atual crise econômica que vive o capitalismo, a monopolização da economia, o desemprego sem o marxismo-leninismo. Tampouco se pode entender a financeirização da economia mundial, a hegemonia do capital financeiro, sem estudar o O Capital de Marx e obras como O Imperialismo, fase final do Capitalismode Lênin. Para compreender a própria filosofia e o seu desenvolvimento, éindispensável ler Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, de Engels. Muitos estudiosos das línguas já reconhecem a importância da obraO Marxismo e os problemas da linguística de Stálin. Portanto, o marxismo-leninismo é indispensável para o entendimento da sociedade, das contradições de classes, e da sua evolução.
Muitas teorias propagadas pela burguesia como, por exemplo, a diminuição do papel da classe operária, são facilmente desmascaradas se estudarmos o marxismo. Graças a Marx, Engels, Lênin e Stálin, Che Guevara, sabemos por que é inevitável a transformação da sociedade capitalista em sociedade socialista e que enquanto essa mudança não ocorrer a humanidade continuará sofrendo as consequências de um regime baseado na exploração do homem pelo homem, o que significa que continuará existindo prostituição, milhões de crianças morrendo de fome e guerras. Mas além de ajudar a compreender o mundo, o marxismo, como disse Lênin, é um guia para a atuação dos revolucionários, para a luta que visa a pôr fim às injustiças aqui na terra e tornar realidade o sonho de um mundo sem exploração.
Têm diversos textos, entrevistas, testemunhos, estudos sobre Stalin, que é ainda um homem controverso até para muitos comunistas. Como vêem, o trabalho de Stalin, as mentiras que têm sido ditas, o que se pode aprender da força com que conduziu com o povo, o destino da Ex-URSS e os respectivos avanços?
A humanidade tem uma grande dívida com Stálin e o povo soviético, pois sem eles não teria sido possível derrotar Hitler e o nazismo e o mundo estaria vivendo num verdadeiro inferno. Recentemente, Fidel Castro escreveu “Os 27 milhões de soviéticos que morreram na Grande Guerra Pátria o fizeram também pela humanidade e pelo direito de pensar e de serem socialistas, serem marxistas-leninistas, serem comunistas, e de saírem da pré-história”. Creio que não pode haver dúvida de que para essa vitória, Stálin teve um grande papel. Sua capacidade de direção, sua inteligência, sua firmeza, o conhecimento profundo do povo soviético, sua fé na classe operária e no Exército Vermelho, além de seu conhecimento de estratégia militar foram fundamentais para a grande vitória sobre o nazismo. Alguns dizem que não foi Stálin, mas o Partido. Mas quem liderava o partido? Além do mais, é inegável que após a morte de Lênin, Stálin teve a inteligência para levar à prática com maestria as ideias leninistas para a construção do socialismo na Rússia. É fato também que a União Soviética foi até a morte de Stálin um país com grande desenvolvimento econômico, cultural, político e social. As eleições eram profundamente democráticas e tinham grande participação popular. Grandes escritores brasileiros como Jorge Amado e Graciliano Ramos visitaram a URSS por vários meses e viram com seus próprios olhos que alí se construía uma verdadeira democracia, que não havia uma só criança com fome, nem prostituição ou mesmo desemprego. Nesse período, as conquistas do povo soviético foram gigantescas; a humanidade tem muito o que aprender com a história da URSS, com suas conquistas. Ora, tudo o que a URSS construiu foi obra de um governo de trabalhadores, de um poder operário. É natural, portanto, que a classe rica, a classe que detém os meios de produção, com medo de que essa história seja conhecida pela classe operária, jogue lama sobre o socialismo, sobre a URSS e Stálin. Infelizmente, muitos repetem essas mentiras sem antes se dar ao trabalho de pesquisar.
O jornal A Verdade entrevistou Grover Furr, professor da Universidade de Montclair, no Estado de Nova Jersey, EUA, e autor do livro “A infâmia antistalinista”. Nessa entrevista exclusiva para o jornal, o professor Furr, após longa pesquisa e o estudo de documentos históricos, chegou à conclusão de que todas as acusações que o primeiro-ministro Nikita Kruschev fez contra Stálin eram falsas. Segundo ele, “Não apenas “um erro aqui e outro ali”, mas fundamentalmente uma fraude gigantesca, a maior fraude histórica do século!”. Infelizmente, o seu livro “A infâmia antistalinista” é pouco conhecido no mundo inteiro.
São vários os artigos que já escreveram sobre os povos indígenas, a Amazónia e a protecção de ambos. Quais são os pontos essenciais para a vossa luta pela protecção da casa dos povos indígenas e a não destruição do pulmão do Brasil e do Mundo? Quão prejudicial tem sido e pode ainda ser primeiro a perda do espaço natural dos povos, e segundo para o ambiente, para a natureza, espécies da destruição do pulmão?
Há de fato um acelerado processo de destruição da Amazônia. E essa destruição vem desde a ditadura militar para beneficiar grandes multinacionais, mineradoras e madeireiras. As leis existentes no país são bastante favoráveis a essa expansão do capitalismo nessa região, e as grandes empresas agem sem freio visando ao saque das riquezas minerais e ameaçando os camponeses e os índios. O fato é que o interesse do lucro, a ganância da burguesia, prevalece sobre quaisquer direitos dos povosindígenas ou do meio-ambiente. Querem dominar a Amazônia pois sabem que ali estão as maiores reservas mundiais de manganês, bauxita, calcário, caulim, diamante, chumbo, níquel, nióbio, cobre, estanho, zircônio, tório, etc, e gigantescas reservas de petróleo e de gás natural, e 15% de toda água potável do planeta.
Uma forma legal de se apoderarem da Amazônia é simplesmente comprando milhares de hectares da floresta amazônica, já que a terra, numa economia capitalista, é uma propriedade privada. Levantamento doInstituto Nacional de Colonização e de Reforma Agrária (INCRA) afirma que existem no Brasil 34.371 propriedades rurais em nome de empresas ou cidadãos estrangeiros, cerca de cinco milhões de hectares; 55% dessas propriedades estão na Amazônia, uma área superior a três milhões de hectares. Não bastasse, empreendimentos como as hidrelelétricas que no momento são construídas nessa região, são realizadas sem nenhuma consulta séria aos povos indígenas. Então, essa luta é muito importante, pois além do meio-ambiente também está em questão a soberania nacional.
Muitas são as notícias sobre os movimentos sociais, as lutas por melhores condições de vida, como agora sobre as greves dos professores; noticiaram também as lutas quando da construção dos estádios em que muitos trabalhadores morreram e moradores foram despejados. Como jornal que procura o caminho do socialismo, que importância tem para vocês este trabalho em prol da sociedade, dos direitos iguais e melhores condições de vida?
Os poderosos vivem dizendo que o povo brasileiro é um povo acomodado e essa ideia termina sendo repetida por algumas pessoas sem uma reflexão maior. Tornou-se um mito que serve aos interesses das classes dominantes. Nosso jornal, ao divulgar as lutas do nosso povo, procura mostrar o quanto são falsas essas afirmações, e o quanto o povo brasileiro não só no passado mas também hoje, luta e resiste à exploração e à opressão impostas pelos donos do poder. É fato que sem as lutas populares, sem o avanço do movimento operário e popular é impossível qualquer transformação profunda na sociedade; então, procuramos estimular cada luta e cada avanço do movimento popular para que o povo adquira consciência da sua força e quanto ele é poderoso. Divulgando essas lutas, esperamos ainda que os nossos militantes atuem com o mesmo entusiasmo que o povo demonstra em cada luta que participa, em cada vitória que alcança. Sabemos que para a vitória da revolução, é indispensável uma profunda vinculação dos revolucionários com as massas, tal qual a unha e a carne, e isso só é possível se defendermos com mais vigor os interesses e as reivindicações populares. Assim, todas essas lutas que relatamos evidenciam que os operários, os camponeses, os estudantes, os artistas populares lutam sem trégua por um mundo melhor. Amar o povo é lutar cotidianamente pelos seus direitos, é aprender com suas lutas e com sua história.
Têm estado bastante activos no apoio internacional através de convenções, reuniões, entrevistas e outras iniciativas com Cuba, Colômbia, Venezuela, Burkina Faso... Através de todo este trabalho em conjunto com vários partidos, movimentos, iniciativas, de que forma é que o comunismo e as suas forças saem mais fortalecidas e podem dar mais força aos povos, aos trabalhadores e aos mais desfavorecidos?
Na sua fase imperialista, caracterizada pelo extraordinário domínio do capital financeiro e do capital monopolista na economia, o capitalismo se transformou num sistema em decomposição. As crises se tornaram maiores e mais constantes. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), durante todo o século 20 ocorreram mais de 100 crises econômicas no mundo. Prova disso, é a crise que desde 2008 afeta toda a economia capitalista e nenhum economista burguês sabe dizer quando terminará. Uma crise que traz consequências terríveis para a humanidade, em particular para a classe operária, para os pobres. Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho) o número de desempregados deverá alcançar 211 milhões em 2018 e somente no Brasil, 12 mil pessoas são demitidas por dia. Veja o drama dos trabalhadores imigrantes na Europa e nos Estados Unidos, o número de famílias sem teto, o aumento do número de guerras, o fracasso da integração capitalista promovida pela União Europeia, a concentração da riqueza nas mãos de uma reduzida minoria, e aumento da pobreza em dezenas de países etc. Para seguir com essa política e manter seu domínio sobre o mundo, as classes dominantes realizam seus encontros e reuniões como o fórum de Davos, o G7 ou G8, bem como realizam uma espionagem global sobre todos os povos e organizações revolucionárias. A classe operária, os movimentos progressistas e revolucionários também precisam se unir, organizar lutas comuns e planejar ações conjuntas. Sem a solidariedade entre os povos que lutam, sem uma união de suas organizações e a troca de experiências entre os revolucionários, a luta para construir um novo amanhã torna-se mais difícil. A correspondência entre Marx e Engels mostram o quanto eles consideravam importante a solidariedade internacional, o apoio mútuo entre os trabalhadores e a necessidade de se construir e se fortalecer uma união internacional dos trabalhadores. Por isso, o internacionalismo entre os trabalhadores é de grande importância.
Quais são os vossos sonhos para Portugal e para o Brasil?
Os povos de Portugal e do Brasil sofrem hoje com as chamadas políticas de austeridade ou ajuste fiscal. Os trabalhadores, que já viviam com baixos salários, estão agora vendo o desemprego crescer, vários direitos sendo retirados e o patrimônio público privatizado. Mas, apesar desse aumento da exploração, da submissão dos governos a essa tirania financeira, esses senhores, vemos com otimimismo o atual momento, pois há uma resistência desses dois povos. Há um crescimento das lutas populares e o movimento operário e popular cresce sua consciência e organização. Tanto em Portugal quanto no Brasil, os trabalhadores e todo o povo tem respondido de forma firme a essas medidas, indo às ruas, organizando greves e crescendo sua organização. As manifestações de massas são cada vez mais combativas e massivas.
As propostas da direita de favorecer os bancos, o grande capital, vão se desmascarando e os trabalhadores refletem sobre que caminho devem seguir.
A cada dia, nosso sonho de construir uma nova sociedade, sem injustiça e sem a exploração do homem pelo homem, uma sociedade socialista, ganha mais e mais adesões. O povo português tem muito que ensinar com sua história de luta ao nosso povo, e também o povo brasileiro, o povo de Zumbi, de Sepé Tiaraju, de Marighella, de Manoel Lisboa também têm exemplos grandiosos para o povo português. No futuro, estaremos unidos numa nova sociedade em que a fraternidade e a solidariedade serão nossas identidades maiores. Temos certeza de que a revolução socialista vencerá em Portugal e no Brasil e o sonho de uma terra sem amos se tornará realidade em nossas pátrias. Por fim, gostaríamos de em nome de todos os companheiros e companheiras que fazem jornal A Verdade e o PCR agradecer a oportunidade que vocês nos dão para expor nossas ideias e divulgar nosso jornal que, este ano, completou 15 anos de existência.
Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.
Projecto Vidas e Obras
Entrevista: Pedro Marques
Correcção: J.M.
04 de Agosto de 2015