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Entrevista ao realizador Vicente Alves do Ó

Para alguém que começou há tão pouco tempo a realizar os seus próprios filmes, é com imenso orgulho que vês o seu trabalho ser tão reconhecido?

R: É uma felicidade perturbadora, porque estas coisas são sempre tão frágeis, tão perigosas. Na arte – nada é definitivo ou absoluto. Fico feliz, sem dúvida, porque quero que as pessoas vejam o filme. Apenas isso. O resto, é voltar ao trabalho.

Como te sentes ao receber prémios pelo filme Florbela, e ou ver o filme a passar pelo Brasil, Bogotá, Boston, Xangai -- mais 50 locais?

R: Nunca pensei que o filme viajasse tanto. E ainda viaja. Pelo que, acima de tudo, mais que tudo, diz-nos o quanto a poesia portuguesa é universal e o interesse pela cultura e poetas portugueses ser maior do que calculamos.

O que é que te motivou mais a fazer um filme sobre uma das maiores poetizas portuguesas?

R: Esta coisa portuguesa de catalogar as pessoas, desprezar a criação feminina e poética, colocar a Florbela numa pequena gaveta quando ela é um oceano. Tudo aquilo que eu pudesse fazer por ela, fiz. Não sendo um filme asboluto sobre um poeta – haverá algum? - é um contributo meu para a sua eternidade.

Na entrevista que deste para o Cinemax sobre o filme "15 Pontos na Alma" referiste que não há uma relação de identidade por parte do público português e os filmes portugueses. E hoje já existe essa identidade ou já existe algum progresso nesse sentido?

R: Um filme ou dois filmes não fazem esse trabalho. É preciso uma continuidade que crie essa relação. Anos e anos, muitos filmes, muitas digressões, muitas perspectivas e muita diversidade. É isso que pode criar essa relação.

Como vês a situação do cinema e da cultura em Portugal? De que forma é que se pode progredir?

R: O cinema e a cultura dum país faz-se decriação, revolução, imaginação. Podemos sempre discutir apoios, correntes, lobbys, desinteresse, podemos analisar tudo como quem analisa um facto. Mas estas coisas da criação, tal como a vida, são livres e devem sempre ter a liberdade de acontecer quando fazem sentido, quando são urgentes. A única coisa que me perturba é a política destrutiva e intencional – quase ideológica ou puro despeito? - dos políticos portugueses e das elites deste país para com a criação e os criadores. Isso perturba-me. Qual é a solução? Não existe nenhuma solução matemática. Existe apenas o que existe. No fim, sobrevive sempre a criação feita com a vida.

Para a realização do filme Florbela, de início não tinham encontrado ninguém que tenha conhecido a Florbela, como seria se não tivessem encontrado mesmo ninguém? Esse contacto foi essencial, e uma mais-valia para o processo de escrita e realização do filme?

R: Este contacto foi bom para perceber se estava no caminho certo, se aquilo que tinha desbravado por intuição estava certo e foi muito bom sentir que sim. Caso não tivesse encontrado, teria avançado exactamente no mesmo sentido. A criação deve ter essa liberdade e eu também sou um criador que, de alguma forma, reinventa a realidade para se aproximar da verdade. A verdade é sempre mais interessante que a realidade.

Para a realização deste filme entraste na pele das tuas personagens lendo textos de época e vendo filmes, como conseguias manter o teu eu, e viver como as personagens? Foi muito exigente este trabalho pela controvérsia da Florbela?

R: Entramos sempre. Temos que entrar. O trabalho de escrita implica isso – uma interpretação, uma identificação. Aliás, as personagens da Florbela carregavam essa nota simbólica e por isso mesmo decidi fazer o filme. Em todas elas eu estou e no fim todas elas sou eu. O trabalho foi exigente porque as pessoas com mais ou menos conhecimento, criaram uma ideia muito pessoal da poeta e dizer ou fazer qualquer coisa que saia dessa ideia é sempre complexo.

Tendo actores de grande nível -- e que já tinham trabalhado contigo antes --como a Dalila Carmo, o Ivo Canelas, a Rita Loureiro, a Carmen Santos, entre outros, ajudou a abraçar um filme de homenagem a uma grande poetiza como a Florbela Espanca? O que tens bebido com o trabalho em conjunto com estes belíssimos actores?

R: Tudo. Eles possibilitam-me, com tanto talento e profissionalismo, avançar em todas as direcções e sem medo. Eles avançam comigo, exploram, tentam, vivem e isso para quem escreve e realiza é delicioso.

Como se deu o salto das curtas para as longas, e do cinema para o teatro em paralelo com o cinema e os romances, como o romance sobre a Marilyn Monroe (Marilyn à Beira-Mar)? E quando é que surgiu a vontade de passar as ideias para as imagens como realizador?

R: Sempre quis realizar e escrever. O processo foi natural, faltava apenas o apoio financeiro para fazê-lo. Não tive medo, nem dúvidas. Tenho essa vontade de recriar o mundo, seja no papel, seja na imagem. Faz parte de mim como viver. Se não for no cinema, será na literatura, se não for na literatura será no teatro.

Para a tua estreia no teatro, começaste logo com uma grande Actriz, Carmen Santos. Primeiro, como foi nestas primeiras estreias, por exemplo da peça “A Voz Humana”, e trabalhar com esta actriz?

R: Cresci a fazer Teatro em Sines. Em Lisboa assinei uma peça sobre a Amália e encenei peças curtas no Teatro Rápido. “A Voz Humana” foi uma continuação de anos e anos de experiência. Não foi a primeira vez. Foi a primeira vez em Lisboa num palco tão grande e numa sala com grande reputação. A Carmen Santos é uma grande actriz e com quem me entendo na perfeição, pelo que o processo foi muito bom e correu muito bem. Só fica a vontade de trabalhar mais com ela e fazer mais teatro em Lisboa.

É importante para ti homenagear autores? Como surgiu a vontade de trabalhar numa peça de teatro a vida e obra do cineasta Jean Cocteau e comemorar os 50 anos da sua morte?

R: Gosto de pessoas que me inspiram, que são exemplos, que engrandecem a humanidade. Ainda por cima hoje, num tempo tão triste, tão desprovido de ideologias e crenças, acho que estas pessoas são a melhor lição de vida que podemos ter e por isso mesmo devem ser recordadas e saudadas. Fí-lo convicto disso. Jean Cocteau é um dos meus realizadores favoritos. Um artista completo. Devemos brindar a sua obra e a sua pessoa como tantas outras – para que não caiam no esquecimento.

Quando a Sic lançou o projecto dos telefilmes, o Vicente esteve como um dos argumentistas. Foi um projecto importante para ti e para o seu percurso?

R: Foi o primeiro. Foi o princípio de tudo. Assinei dois telefilmes e mudei-me para Lisboa nessa altura. Tudo começou por aí.

Consideras importante as apostas que se vão fazendo da TVI e RTP de telefilmes?

R: Acho importante apostar noutros formatos que não as telenovelas.

Escreveste, em parceria com o João Nunes, o guião do filme de Francisco Manso “O Assalto ao Santa Maria”. Como foi escrever um guião sobre um ponto alto da luta contra o fascismo de Salazar?

R: Assinei a primeira versão do argumento que recebeu o apoio do ICA. O João Nunes entrou no projecto posteriormente e reescreveu-o – tal como chegou ao ecrã. Este projecto foi muito complexo pela sua dimensão política e financeira. Pensei, sinceramente, que nunca chegasse ao cinema, mas lá chegou. Foi um grande desafio recriar uma realidade que ainda causa algum mal-estar e muita discussão nos dias de hoje.

O filme “Kiss Me” passa-se também a época da ditadura de Salazar, desta feita sobre a história da tua mãe. Antes de mais, como foi trabalhar com o António da Cunha Telles? O que aprendeste com ele? E com o Nicolau Breyner?

R: È uma história pessoal. Muito pessoal. Trabalhar com o António sempre foi um desafio. Neste projecto não trabalhei como Nicolau.

Como argumentista como foi escrever sobre a tua mãe e duas vivências completamente distintas -- a vivência sobre a ditadura fascista de Salazar e sobre a forma como a personagem vive uma vida americana, até quando se transforma na Marilyn Monroe.

R: Cresci com esta história, pelo que, para mim, era algo bastante natural. Em Lisboa, quando a contei a algumas pessoas, criou um certo fascínio que acabou por me levar a escrever o romance e o filme. A minha mãe era uma mulher do tamanho do cinema e espero ainda voltar a ela num outro filme.

O que é que este filme significa para ti?

R: O filme? Nada. Não fui eu que o realizei e o argumento original foi muito alterado. A história significa tudo. É donde venho.

Quais são os teus sonhos para Portugal?

R: São tantos. Prometo ir revelando-os nos meus projectos.

Obrigado pelo teu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques Correcção: Sílvia Dias

23 de Fevereiro de 2014

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