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Entrevista a Frederico Duarte Carvalho

  • Pedro Marques
  • Mar 13, 2014
  • 10 min read

Entrevista a Frederico Duarte Carvalho - Jornalista/Escritor e perito em teorias da conspiração

1 - Antes de mais, o que o motivou e o motiva a trabalhar nas teorias da conspiração? Ou a trabalhar na busca da verdade sobre os temas que lhe interessam?

R – A pergunta está dividida em duas partes e ainda bem. Esclareça-se que, embora seja identificado como “Jornalista/Escritor e perito em teorias da conspiração”, esta última parte sobra as teorias da conspiração é algo que não me revejo. Percebo, contudo, que haja a quem me veja assim e não posso levar isso a mal. No entanto, quando se usa a palavra “teoria da conspiração” tal é visto muitas vezes com um sentido negativo, pejorativo, que pretende, com uma única expressão, descartar factos e dúvidas que podem ser mais sensíveis e conduzir a conclusões às quais não queremos chegar com receio de sermos prejudicados pessoal e profissionalmente. Eu não gosto dessa expressão, embora até a tenha usado como sub-título do livro que publiquei em 2003: “Eu Sei Que Você Sabe – Manual de Instruções para Teorias da Conspiração”. Para mim, a segunda parte da pergunta é a correcta, pois aquilo que me motiva é apenas a busca da verdade. Foi essa ideia que sempre me guiou quando a profissão de jornalista me escolheu para a seguir. Não fui quem quis ser jornalista, foi o jornalismo que me escolheu a mim. Eu queria contar histórias. Histórias quanto podiam fazer rir como chorar. Mas, quanto mais trabalhava com factos, depressa constatei que havia histórias que continuavam por contar. E cometi o erro de as querer contar. É um erro que aceitaria voltar a cometer vezes sem conta, pois são essas histórias que me aproximam cada vez mais da verdade escondida. E, para mim, esse é o motivo de querer trabalhar na desconstrução das chamadas “teorias da conspiração”. Que fique bem claro: Odeio a expressão “teoria da conspiração”. Há jornalistas que têm o cinismo de dizer que “adoram teorias da conspiração”. Esses são os cínicos e os estúpidos, pois quando há uma “teoria da conspiração”, tal significa que os jornalistas não souberem - ou não quiseram – investigar, confirmar ou refutar. Deixaram correr factos que provocaram dúvidas e depois, para justificar a sua incompetência, dizem que “adoram” e esquecem-se que a obrigação de um jornalista é precisamente a de evitar o nascimento de uma “teoria da conspiração”. Odeio “teorias da conspiração” porque a expressão lembra-me que estas só existem porque o jornalista demitiu-se do dever de fazer jornalismo e continua a chamar-se a si mesmo “jornalista” quando, na realidade, já não o é.

2 - Nas suas declarações na Bola TV no Lançamento do Livro "Camarate - Sá Carneiro e as Armas para o Irão" referiu que havia uma ligação secreta que já vinha da altura do Ultramar. Estes negócios podem também estar envolvidos no 25 de Novembro de 75? Depois de todas as investigações, e todo o trabalho que teve na sua pesquisa, acredita que os culpados podem de facto vir a pagar pelos crimes que cometeram?

R – Acredito que a Democracia que temos em Portugal é o resultado do 25 de Novembro de 1975 e não do 25 de Abril de 1974. Quatro meses após a Revolução dos Cravos, em Agosto de 1974, o sub-director da CIA, Vernon Walters, visitou Portugal e, como resultado da viagem, ficou depois decidido decidido com o secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, que seria necessário mudar a direcção da embaixada dos EUA. Em Janeiro de 1975 chegou a Lisboa o novo embaixador, Frank Carlucci. Era uma pessoa que já vinha conotada com a CIA, muito em virtude da sua presença no Congo belga e a suspeita de uma ligação com o assassinato do primeiro-ministro Patrice Lumumba, em Janeiro de 1961. Três meses depois da chegada de Carlucci, a 3 de Março de 1975, surgiu a notícia de primeira página do vespertino “A Capital” de que a CIA planeava um golpe de Estado em Portugal antes do fim daquele mês. O objectivo era o de impedir uma união à esquerda, entre o PS e o PCP. E, para financiar esse golpe, a República Federal da Alemanha já tinha feito chegar uma elevada quantia de dinheiro à ala direita dos socialistas. E a pessoa responsável por esse pagamento era o então secretário de Estado das Finanças, Vítor Constâncio. Isto foi nove dias antes da intentona do 11 de Março, que depois abriu as portas às nacionalizações e ao PREC, que provocou o radicalismo do Verão Quente e, finalmente, levou ao 25 de Novembro, altura em que a Democracia “entrou nos eixos”. Como facto verificável pela história, ainda hoje constata-se que o PS nunca se aliou ao PCP. Fez sempre alianças à sua direita, primeiro com o CDS e, já depois de Camarate, com o PSD. O “Bloco Central” de interesses substituiu a Democracia. Por isso, face ao panorama político, face aos seus intervenientes e face ainda a negócios obscuros que ainda desconhecemos os verdadeiros contornos – mas dos quais podemos suspeitar com muita propriedade – sou obrigado a concluir que há envolvimentos de pessoas e actos que remontam à altura do 25 de Novembro de 1975. Agora, se os “culpados” podem vir a pagar, isso já não sei. Muitos estão já a “pagar”. Os portugueses que se deixaram enganar e não reagiram a tempo estão agora a pagar por isso, com a ingerência de uma “Troika” que gere o nosso destino. Nós é que somos os culpados, por isso é que estamos a pagar.

3 - O livro “Cavaco Versus Cavaco” tem uma ligação forte com a história; e o livro sobre o Francisco Sá Carneiro, quando é que percebeu que havia uma ligação? No caso de Sá Carneiro, quando é que descobriu que ele podia estar implicado com o negócio das armas? O que espera com esta pesquisa mais profunda sobre os negócios pouco claros e limpos de Cavaco Silva? O trabalho sobre o Cavaco Silva foi importante para si?

R - Tenho um amigo que diz. Com alguma graça, mas muita razão, que eu já escrevi dois livros sobre Camarate: o primeiro foi o trabalho dedicado aos 25 anos da conquista da primeira maioria absoluta de Cavaco Silva, publicado em Julho de 2012, “Cavaco Versus Cavaco”. E o segundo é o livro lançado em Novembro do mesmo ano, “Camarate – Sá Carneiro e as armas para o Irão”. É certo que os dois estão inter-ligados, pois o actual Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, era o ministro das Finanças de Sá Carneiro. E foi o último ministro a ter estado reunido na manhã de Camarate com as duas principais vítimas da queda do avião Cessna dessa noite. Sabemos ainda que o objectivo dessa reunião era preparar o Orçamento de Estado dos militares, que também estiveram presentes no encontro da manhã de 4 de Dezembro de 1980. Também de acordo com os jornais da época, sabe-se que Sá Carneiro tinha dado ordens a Cavaco Silva para investigar o fundo militar secreto de Ultramar. Mas, depois de Camarate, Cavaco Silva demitiu-se e nunca mais investigou o fundo, tendo ficado essa responsabilidade entregue ao Governo liderado por Francisco Pinto Balsemão. O percurso posterior de Cavaco Silva é muito interessante, daí que o livro “Cavaco Versus Cavaco” figurar entre aqueles que são muito importantes na lista dos que já escrevi. Desde 2000, altura em que percebi que o caso de Camarate poderia estar ligado com um negócio ilegal de envio de armas norte-americanas para o Irão via Portugal, que comecei a correlacionar factos conhecidos, mas pouco divulgados na sociedade. A imagem que depois surgiu nesse “puzzle” é clara e aponta para o Palácio de Belém como a chave da resolução do caso de Camarate. Aponta ainda para o outro lado do Oceano, para a sede da CIA, em Langley, onde em 1980 estava o mesmo Frank Carlucci, agora como número dois dos serviços secretos norte-americanos. Há ainda, através do trabalho sobre Cavaco Silva e Camarate, uma ligação clara com a família Bush, nomeadamente com Bush pai, ex-presidente dos EUA e principal beneficiário do negócio ilegal de 1980. O mesmo Bush que depois, em 2006, esteve presente em S. Bento para assistir à tomada de posse de Cavaco Silva como Presidente da República. Por isso, sim, sem dúvida, o trabalho sobre Cavaco Silva foi mesmo muito importante para mim e para quem dele quiser aproveitar para conhecer a história recente do nosso país.

4 - No programa do Alvim referiu que hoje o público não está muito bem preparado para os artifícios dos jornalistas. Acredita que o jornalismo esteja assim tão mau? Ainda há alguma réstia de salvação? O que é que o público/cidadãos podem fazer para terem acesso a uma informação livre e credível, e também reivindicar um jornalismo melhor?

R – O público, na minha opinião pessoal, tem duas visões sobre os jornalistas: ou confia neles ou, pura e simplesmente, não confia. O problema é que confiam em quem não devem confiar e desconfiam daqueles que mereciam mais atenção. Não é jornalismo que está mau. O que está mal é haver pessoas que têm carteira de jornalista, recebem salário para trabalhar em órgão de Comunicação Social, apresentam-se como jornalistas, assinam trabalhos que são identificados como jornalismo, mas que de jornalistas e jornalismo nada têm. O jornalismo não é nem bom nem mau. Quando há jornalismo, isso é bom. Quando não há, é mau. Acredito que há salvação, pois o jornalismo, face à escassez, só pode ter futuro. Mas, para isso, é necessário que haja público que comece a confiar em quem deve confiar e a desconfiar de quem antes confiava. 5 - Sobre o caso do BPN refere que o Expresso não vai mais além, não aprofundou o caso. Não acaba por ser um caso de censura, e haver uma falha para com o público? R – O “Expresso” , no caso BPN, publicou, entre outras coisas, uma notícia em manchete que denunciava o facto de que Cavaco Silva e a filha, Patrícia, tinham vendido acções da SNL/BPN e obtido uma mais valia de quase 150 mil euros. Essa notícia foi publicada em Maio de 2009 na primeira página do semanário. A acompanhar a informação havia a reprodução da carta original com a ordem de venda das acções, assinada por Cavaco Silva e uma outra assinada pela filha. Ambas cartas tinham a mesma data: 17 de Novembro de 2003. Ora, o “Expresso”, que teve a “coragem” de dar aquela informação numa altura em que Cavaco Silva era Presidente da República, não explicou depois o que fez o então cidadão Cavaco Silva após recebido a mais-valia do BPN. E, numa simples consulta aos arquivos da hemeroteca de Lisboa, constatei que o mesmo “Expresso”, em manchete de Dezembro de 2003, ou seja, um mês após a venda das acções, noticiara que Cavaco Silva estava a preparar a corrida que o iria levar a Belém. E, como dado curioso, fala-se de um grupo de apoiantes do Norte que já tinham reunido cerca de 150 mil euros para financiar a corrida à Presidência. Curiosamente, era esse o mesmo valor das mais-valias. Penso que o “Expresso” ocultou esta informação por dois motivos: incompetência ou de propósito. Como tenho imenso respeito pela competência de quem faz aquele semanário, só posso concluir que foi de propósito. Mas, lá está, é apenas uma opinião pessoal. Se isto é “censura” ou não, depende da definição. Ou seja, as informações estão todas publicadas, mas não estão correlacionadas. Há uma censura que impede jornalistas de fazer jornalismo, mas essa chama-se cobardia profissional, desonestidade intelectual, sobranceria e ainda a necessidade de alimentar a família e o cuidado de não morder a mão que nos alimenta. Não há censura, há “critérios jornalísticos”.

6 - Existe uma forte distância ou uma grande barreira para com as teorias da conspiração? Por que é que acha que isso acontece? E de que forma é que é possível quebrar essa distância/barreira?

R- Esta é fácil de responder: com trabalho jornalístico. Fazer sempre perguntas até obter respostas que não deixem mais espaço a perguntas.

7 - No programa do Alvim disse que é jornalista para não acreditar em tudo o que os jornalistas dizem. Quando diz isto é um aviso e uma lembrança para as pessoas?

R – Os jornalistas, quando dizem algo, é porque descobriram um facto que alguém não queria que fosse descoberto. Pelo menos, à partida, essa é a ideia generalizada no grande público em relação à responsabilidade social do papel do jornalista. Fala-se muito em “jornalismo de investigação” e como o mesmo está em crise por falta de vontade financeira e investimento por parte dos patrões e das direcções. Tenho para mim que todo e qualquer acto jornalístico pressupõe uma investigação. Há casos onde é imediata e superficial e outros em que é necessário aprofundar. Mas, há sempre uma investigação que é feita de forma natural e que é uma regra profissional básica. Só que, com jornalistas cada vez mais fechados nas redacções, com contactos limitados a simples telefonemas e trocas de mensagens via e-mail ou Facebook, há muito menos contacto pessoal e troca de informações a vários níveis. Abre-se um campo onde os jornalistas ficam num mundo mais fechado e investigam cada vez menos. A informação surge-lhe de fontes que os escolhem para passar notícias selecionadas. E estes agem quase de imediato, sem tempo para uma aprofundamento da origem e intenção da notícia. As direcções exigem que escrevam ou divulguem as notícias de forma quase imediata, mesmo com o risco de haver erros factuais ou sem cuidado de perceber o que estão mesmo a fazer e quais os interesses que, no fundo, estão a servir. Há muito pouco tempo para uma reflexão da informação que nos chega e poucos são aqueles que se dedicam a fazer esse trabalho essencial. Por isso é que eu apelo. É um aviso.

8 - Considera que o ataque de 11 de Setembro foi uma manobra para demolir aqueles prédios que estavam a ficar muito caros, mas que também acabou por ser a desculpa ideal para invadir o Iraque?

R – Entre outras coisas mais, é uma possibilidade bem real.

9 - Como vê a situação da justiça em Portugal? E considera que o facto de as pessoas não estarem informadas, e não discutirem, debaterem, e denunciarem é perigoso?

R – É cada vez mais perigoso. Chamo a atenção para o Caso da Casa Pia, onde não sabemos até que ponto está demonstrado, sem sombra de dúvidas, a verdadeira culpa de quem foi condenado, nem percebemos por que motivo outros nomes foram deixados de lado. É muito perigoso isto, pois sabemos que qualquer pessoa inocente pode um dia ser condenada na base de uma cabala onde o juiz decide na base de algo chamado “ressonância da verdade” e não em factos demonstrados ou testemunhos fidedignos.

10 - Quais são os seus sonhos para Portugal?

R – Uma sociedade livre, democrática, informada e próspera. Sim, eu sei, é utópico. Mas, sem a utopia, não há base para tentar algo.

Obrigado pelo teu tempo, votos de bom trabalho.

Obrigado eu.

Projecto Vidas e Obras Entrevista por: Pedro Marques Correcção por: J. M.

17 de Fevereiro de 2014

 
 
 

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