top of page

Entrevista ao Investigador Doutor Miguel Cardina



Referiu em entrevista à Revista Visão que "Reconhecer que Portugal foi tão colonial e tão violento quanto os outros faz parte do nosso dever" Para si o que falta para que haja este reconhecimento? E o que nos tem levado a promover um colonialismo não tão violento?

É uma pergunta fundamental e que não é fácil de responder de forma simples, porque implica observarmos a forma como o próprio colonialismo português se estruturou, a forma como se deu o derrube do Império e o modo como, ainda hoje, determinadas concepções de matriz lusotropicalizante permanecem na sociedade portuguesa. Todos os colonialismos naturalmente contaram com conivências e se impuseram também por vias diplomáticas, mas a sua essência é a violência. Uma violência que destruiu de diferentes formas e que se baseou em mecanismos de desigualdade jurídica e socialmente construídos. Portugal, teve como é sabido, um papel fundamental nessa história que, sobretudo a partir de meados do século XX - com o lusotropicalismo e a necessidade de Portugal mostrar à comunidade internacional que era diferente, num contexto mundial de ascenso da vaga descolonizadora – veio a ser construída mais como uma história de encontro e miscigenação do que como uma história de conquista e violência. E isso permanece ainda hoje: nos discursos de políticos, nas ruas e nos monumentos que estão no espaço pública, nas representações difusas presentes no senso comum.

É também “autor ou co-autor de vários livros, capítulos e artigos sobre colonialismo, anti-colonialismo e guerra colonial; história das ideologias políticas nas décadas de 1960 e 1970; e dinâmicas entre história e memória.” Tem um vasto trabalho sobre estes temas. O que o motivou a conhecer a história colonial, a guerra?

Olhando em retrospetiva tendemos a encontrar um sentido para um percurso qualquer – biográfico ou de investigação – mas a verdade é que as coisas foram ocorrendo. O meu primeiro trabalho foi sobre o movimento estudantil em Coimbra durante o marcellismo – apanhando a crise de 69 e os anos seguintes – e quando foi necessário pensar num tema para a tese de doutoramento pareceu-me evidente estudar a extrema-esquerda no final da ditadura. A esses dois temas – ambos orientados por Rui Bebiano – se seguiu o estudo da guerra colonial, nomeadamente da sua contestação, na qual o movimento estudantil e essa nova esquerda emergente a partir de meados da década de 1960 também teve o seu papel. Entretanto, da história me interessei também pela memória, ou seja, pela forma como no presente se constroem representações e leituras sociais sobre os fenómenos do passado. É aqui que estou neste momento, agora a coordenar no CES, intitulado CROME, um projecto internacional sobre a memória da guerra colonial e das lutas de libertação em Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Estou com uma equipa fantástica, com gente muito dedicada e com quem aprendo bastante. E creio que um dos pontos essenciais do projeto – e que tem a ver com a primeira pergunta – é que confrontar estas narrativas desencontradas sobre este grande fenómeno histórico que ditou o fim do Império e a construção de novas nações em África é um passado fundamental para procedermos a um exercício descolonizador das imagens reconfortantes que ainda temos sobre o nosso passado.

"Não Acredite em Tudo o que Pensa - Mitos do Senso Comum na Era da Austeridade." É uma forma de reflexão sobre a situação política que se tem vivido?

Esse foi um livro editado em 2013, no tempo da troika, com mais dois colegas, José Soeiro e Nuno Serra, e com o contributo de vários cientistas sociais que desmistificavam alguns dos tópicos recorrentes do senso comum dominante: sobre os serviços públicos, sobre a política, sobre a história, sobre a economia. Vários deles se manterão ainda operativos, como é óbvio. Mas hoje estamos numa conjuntura política completamente diferente. Olhando para o índice do livro e lembrando-me daqueles tempos isso era muito evidente. Parece que foi há muito tempo, mas não foi.

Escreveu também "50 anos da Crise Académica de 1969: Crises, história e memória; GEFAC: das origens ao 25 de Abril [com Julieta Silva], in GEFAC (org.), Bico Bico Chão. 50 Anos de GEFAC." "Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 30-43"Como foi para si como investigador e activista trabalhar sobre a história dos 50 anos da Crise académica de Coimbra e como investigador e músico trabalhar sobre os 50 anos da GEFAC?

Enquanto aluno de licenciatura e mestrado na Universidade de Coimbra participei ativamente no GEFAC. É um grupo académico com um papel fundamental na história da recolha e da representação da cultura popular. O que fiz aí foi participar, com Julieta Silva, numa obra mais vasta que o GEFAC preparou, a propósito dos seus 50 anos. E nós tratámos dois anos iniciais, mostrando como essa história se cruza com a história política e cultural do país naqueles anos.

Trabalha sobretudo sobre história e sobre memória que importância é que tem a investigação sobre a história e memória?

A importância que a sociedade lhe quiser dar. E sociedade que são capazes de olhar criticamente o seu passado são sociedades mais auto-reflexivas e, por isso, com capacidade de lidar melhor com os seus problemas.

Quais são os seus sonhos para Portugal?

Não tendo a entender as nações como entes nos quais projecto sonhos. A quem vive neste país sim, desenho que contribuam para uma organização social mais justa e equilibrada.

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Projecto Vidas e Obras Entrevista: Pedro Marques Correcção: Tiago Jorge

09 de Setembro de 2019

Recent Posts 
bottom of page